Rede observatório. Recursos Humanos em Saúde

Estação de Trabalho OBSERVATÓRIO HISTÓRIA E SAÚDE

Entrevistas

José Roberto Ferreira

Entrevista Completa

OBSERVATÓRIO HISTÓRIA E SAÚDE
Rede de Observatório em Recursos Humanos em Saúde do Brasil - ObservaRH
Casa de Oswaldo Cruz - Fiocruz

Entrevista 1

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PROJETO:
HISTÓRIA DA COOPERAÇÃO TÉCNICA EM RECURSOS HUMANOS EM SAÚDE NO BRASIL

Data:
15 de Março 2005

Depoente:
JRF - José Roberto Ferreira

Entrevistadores:
CH – Carlos Henrique Assunção Paiva
FA – Fernando Pires Alves
GH – Gilberto Hochman
JC – Janete Lima de Castro

N° da Entrevista:
Código: 1 / 4


FITA 1/LADO A

GH - Hoje é dia 15 de março de 2005, entrevista com Dr. José Roberto Ferreira, para o Projeto “História da Cooperação Técnica em Recursos Humanos em Saúde no Brasil”. Estão presentes como entrevistadores Janete Castro, Carlos Henrique Assunção Paiva e eu, Gilberto Hochman, e Fernando Pires. A gente gostaria agradecer a sua disponibilidade. Carlos.

CH – Dr. José Roberto, a gente vai começar, como combinamos, a entrevista já indo mais diretamente ao ponto. Então eu gostaria que o senhor começasse falando um pouco como se deu o seu ingresso na OPAS [Organização Pan-Americana da Saúde].

JRF – Na realidade a minha inserção na OPAS, de certa forma se imbrica com a própria história da ação da OPAS na parte de recursos humanos aqui no Brasil. A OPAS na realidade, neste cento e cinco anos, agora, na realidade praticamente só veio a funcionar efetivamente, praticamente assim em termos gerais, a partir de 1948, depois da Guerra. Até então ela só fazia vigilância epidemiológica, formação em saúde. Então nessa época, mais ou menos, depois de 48, a primeira coisa que ela fez foi criar um programa de bolsas de estudos, um programa muito significativo para a época. Hoje em dia quase não existe mais. O Conselho da Organização estabeleceu que um terço de todos os recursos da OPAS deviam ser aplicados em bolsas de estudos. E realmente, ela dava uma média de duas mil bolsas de estudos por ano, quase todo mundo se formou em saúde pública naquela época. E naquela época, e pelos vinte anos seguintes, também foi com bolsas da OPAS. Mas a atividade direta, no nível de país, no caso do Brasil, recém começou em 1964 ou 1965, eu acho. Se bem que a minha atividade própria começou um pouco antes. A OPAS tinha um escritório aqui na rua, do aeroporto, General Justo, onde está a Academia [Nacional] de Medicina. Tinha escritório ali até 1972, quando ela comprou a casa da Rua Paissandu. E ao comprar a casa da Rua Paissandu, coincidiu que eu tinha duas posições ligadas a essa área, que era a de Coordenador da Comissão de Formação de Médicos do Ministério da Educação, criada nesse ano também. Também nesse ano foi criada FEPAPEM [Federação Pan-Americana de Associações de Escolas de Medicina], fui diretor executivo do Ernani Braga, com sede no Rio de Janeiro, e ele me convidou para ser Diretor-Adjunto. A primeira coisa que ele fez, como não tinha nem instalação, uma vez que era a fase que OPAS estava comprando a casa nova, foi conseguir que nós nos instalássemos dentro da OPAS. Então, na FEPAPEM, me tornei diretor executivo quase seis meses depois como diretor executivo da ABEM [Associação Brasileira de Educação Médica], tivemos a sede ali dentro da OPAS. Isso contribuiu de certa forma para que o pessoal local da OPAS, que ainda estava se formando, o escritório local, se interessasse pela área de recursos humanos. Então, primeiro em 1964, mudou o representante que estava aí até então, um argentino, agora me escapa o nome dele. Ele era muito importante na OPAS, ele saiu e veio para o lugar dele um colombiano, Dr. Santiago Renjifo, que era um homem brilhante, eu diria que está entre as três ou quatro figuras mais brilhantes que eu conheci na minha vida, ele tinha sido do Ministro da Saúde na Colômbia durante muitos anos e foi o fundador na Colômbia, que também foi uma organização muito importante, junto com Ribeirão Preto. E Renjifo veio, assumiu o Brasil, além de ser um excelente profissional, era um grande boêmio, adorava sair de noite. Mas ele, logo que assumiu, fez contato comigo e com Ernani, no meu escritório, na mesma casa. Ele propôs a idéia de trazer um consultor permanente para recursos humanos, e trouxe um assistente dele, que estava em Cali ainda, o Dr. Luiz Ernesto Girald, uma figura também exponencial e excelente. Ele foi assessor do Renjifo no Ministério. Ele foi professor da faculdade medicina de Cali, de medicina social e veio para cá como consultor de recursos humanos.

JC – Foi o primeiro de recursos humanos aqui no Brasil?

JRF – Foi o primeiro de recursos humanos no Brasil da OPAS, a partir de 1965, ele chegou, e ficou provavelmente até 1970 ou 71. Ele foi o principal responsável de eu ir para a OPAS. Eu estava ainda no Rio com ele. Fiquei até 65 e fui para Brasília, assumi a vice-reitoria de Brasília e ele continuou acompanhando o trabalho da gente, ajudou muito o trabalho de Brasília. Até que em fins de 68, tive uma ruptura em Brasília devido a luta com o reitor, nessa época, eu estava num congresso no Ceará, onde tinha vindo também a chefia lá da OPAS. Ele se aproveitou para contar a eles que eu tinha acabado de renunciar em Brasília. No mesmo dia recebi o convite dele, para ir em janeiro de 1969.

CH – Nesse período, quer dizer, eu estou falando durante os anos 60, o que se discutia em matéria de recursos humanos?

JRF – Fundamentalmente, a discussão estava centrada na questão da falta de faculdades de medicina, dizia-se que o Brasil era um hospital sem médicos, existiam muito poucas faculdades, para se ter uma idéia, Brasília, foi criada por nós, naquela época, a faculdade de medicina, foi a vigésima primeira, então na realidade tinha trinta faculdades de medicina no Brasil, hoje tem cento e vinte. Mas então, o grande tema na época era como ampliar a formação de médicos, abrir mais matrículas, porque o Brasil sempre manteve muito seriamente a questão de numerus clausus, contra outros países, poucas escolas, mas aceitavam qualquer número de alunos. No Brasil sempre foi restrito no número de alunos que aceitava, então o número de instituições passava a ser importante, era a ampliação do número de escolas e a melhoria da formação currículo. Fez-se melhoria do ensino de ciências básicas. Esse era o foco principal da discussão. Tanto assim que, no período, de a partir de 65, 66, começa aquele boom das escolas médicas. Na realidade o primeiro período, cinco anos, até 70, foram criadas talvez umas seis ou sete. Já nos outros cinco anos já foram mais quinze, ou dez ou quinze, depois vinte. Aí começou o grande número de criação a partir de 1965, período em que triplicou o número de escolas no país.

FA – Nesse período, o movimento associativo das escolas médicas era implicitamente favorável a essa expansão de oferta de vagas?

JRF – O movimento associativo começou, foi de atração nacional e internacional. Ele começou pela FEPAPEM, que foi criada por pressão da Associação Americana de Escolas Médicas, que na época tinha o apoio da Fundação Rockefeller, da Fundação Millbank e da Fundação Kellog. As três juntas participaram de uma reunião em Santiago do Chile para realizar a criação da FEPAPEM. Uma das primeiras missões de Ernani Braga, como secretário executivo, foi sair pela América inteira promovendo a criação em cada país da Associação Nacional de Escolas Médicas. Por isso que foi criada em quase todo o país, com exceção do Uruguai, que não aceitava criar, porque uma das prerrogativas exigidas pelo grupo americano, era que não podiam participar os alunos do Uruguai. Então o Uruguai disse que se os alunos não participassem, não aceitava criar, e assim o Uruguai se manteve praticamente até cinco anos atrás.

FA - Esse movimento era favorável à expansão?

JRF – Variava de acordo com o país. Na realidade eu tenho a impressão de que não houve uma relação direta nisso. Foi justamente essa discrepância de um país para outro. Enquanto havia países como México, quase toda a Centro-América, Argentina e Uruguai, em que o problema era ampliar o número de matrículas dentro da escola e não criar escolas, em outros, como a Colômbia, a Venezuela, o Chile e o Brasil, era criar mais escolas e não deixar aumentar o número de alunos nas escolas. Isso era um certo exagero. Para ter uma idéia, o México chegou a ter, em sua faculdade principal, cinco mil alunos matriculados no primeiro ano, e Argentina, Buenos Aires, chegou a ter treze mil alunos matriculados no primeiro ano. O mais interessante é que isso ocorreu sob a direção de duas pessoas, uma delas está circulando aqui hoje, e outra é o Mario Testa, famoso planificador. Testa era o diretor da escola e o outro era o sub-diretor, ele admitiu treze mil alunos na escola, livre, sem exame e sem nada.

JC – José Roberto, você falou que entrou na OPAS em 1969. você entrou para fazer o que exatamente, já entrou nesse campo de recursos humanos?

JRF – A forma de entrada.... eu disse que o Girald realmente foi quem foi dá o aviso de que eu estava disponível. Quando nós fizemos Brasília, Ernani Braga, que tinha me convidado no início, já não estava mais no Brasil, estava em Genebra como coordenador de recursos humanos. E logo que Brasília começou a se desenvolver, ele nos convidou, a mim primeiro para desenvolver um projeto semelhante na África, no Cameroun. Nós fizemos parte do trabalho no Cameroun, parte trabalhando em Genebra, nesse período, isso foi entre 67 e 68. Isso pegou muito em Genebra, começou o negócio da Faculdade, que chamamos aí Faculdade de Ciências da Saúde, uma faculdade integrada a todas as profissões. O [?] Roberts era diretor das Américas. Ele voltou da Assembléia Geral em Genebra com a pulga atrás da orelha, que não é possível que Genebra faça frente a uma coisa dessas. Nós temos que ir na América e pegar esse cara para fazer. Então já estaria o aviso que tinha que pegar pessoas em Brasília para levar para lá. Quando o Girald deu a notícia, na mesma hora me convidaram, não foi uma entrada direta, não fez nem concurso, ou seja não fez nada.

GH – Esse diagnóstico para aumentar o número de matrículas ou o número de escolas, era generalizado e consensual em relação aos caminhos da educação médica na época, no ambiente da OPAS?

JRF – A OPAS era mais favorável manter o número de alunos e instituições. Entre outras coisas, com a defesa de que, ao criar novas instituições, haveria a possibilidade de você inovar, criando melhores instituições.

GH – Essa era a sua posição?

JRF – Essa era a minha posição também. Enquanto que no outro esquema, ampliar o número de alunos, havia sempre a crítica. Essa crítica aconteceu, sobretudo, no Brasil, de que ao aumentar o número de alunos você baixava a qualidade do ensino, imagina uma escola com treze mil alunos, nem o auditório enorme de Buenos Aires comportaria esse contingente. Mesmo tendo várias seções com televisão para as aulas serem entendidas. Isso não abrigava mais do que um terço do total de alunos. Os que fizeram concurso muito sui generis nesses treze mil. O aluno do primeiro ano partia para fazer serviço de enfermagem, de auxiliar de enfermagem no hospital. A idéia era que o médico antes de ser médico tinha que estar familiarizado com toda a problemática de saúde. E aí acrescenta até chegar a ter alguma formação. A formação foi muito deficiente e inclusive muito lenta. E com isso, o pessoal começava a não passar, a ser reprovado. As aulas em turmas grandes foram até 1968, 69. Eu me lembro de ter ido à Argentina, já nos anos 80, e ter participado da formação de alunos remanescentes daquele grupo.

JC – O que a gente pode chamar de cooperação em 1969?

JRF – Eu diria que até hoje você não pode chamar de cooperação.

JC – Naquela época, não podia chamar ainda?

JRF – O termo cooperação surge no México por volta de 1957, com o mexicano Victor Urquidi, um economista que no México dirigiu o CEPAL [Comissão Econômica para América Latina e o Caribe]. Ele foi um dos primeiros a falar em cooperação técnica, mas daí a ser implantado pelas instituições é outra coisa. Até hoje o pessoal fala, confunde e pensa que está fazendo, no entanto é muito difícil.

JC – Não tinha muita clareza ainda do que é. Eu poderia dizer que esse campo que você trabalhava, a gente pode chamá-lo de assistência de recursos humanos, pois esta noção trabalha mais a questão da formação do ensino médico e depois com a Faculdade de Ciências e Saúde e todas...

JRF – A seqüência que houve na realidade foi primeiro um centro, um foco muito importante nas ciências básicas. Trata-se um pouco da idéia de que na América Latina a ciência médica não estava desenvolvida, por isso tinha que reforçar a formação do pessoal nas ciências básicas para melhorar o ensino básico. Isso durou talvez uns cinco a dez anos, talvez até antes dessa fase, desde 48. Depois vem uma segunda fase, que já é concomitante com a realização do famoso seminário de Colorado Springs (EUA). Em Colorado Springs se reuniu, em 1952, um grupo para discutir o ensino da medicina preventiva, que depois foi reproduzido na América Latina em Viña Del Mar. Chegou no México em 55 ou 56. A partir disso a OPAS inventou um programa novo chamado Seminários Viajeros [itinerantes] de Recursos Humanos. Tinha como finalidade selecionar professores na área de higiene, que estavam, nessa época, em algumas escolas que falavam em preventiva e levavam para visitar outras escolas. Em cada seminário iam de três ou a quatro escolas, nas quais se realizam debates, sobre como conduzir o ensino de medicina preventiva. A OPAS deve ter feito uns seis ou sete seminários desses. E depois disso então vem pouco a questão da criação de novas escolas, quase concomitante com a conferência de Punta Del Leste que abre um novo foco importante: a qualificação de área de recursos humanos.

CH – E esses documentos que foram produzidos nesses encontros, não só a Carta de Punta Del Leste, mas também nos encontros de Ministros em Buenos Aires, em Washington e no Chile em 72, eles eram discutidos? Que repercussão esse material produzido nesses encontros teve, por exemplo, na área de recursos humanos?

JRF – Sim, sem dúvida alguma foram discutidos, muito mais do que hoje talvez. Hoje é tanta coisa que se produz, que não dá tempo nem de ler. Mas naquela época era bem menor a produção, e o pessoal se agarrava naquelas coisas. Logo depois disso tem um outro programa que também surgiu nessa época, em 68, o PALTEX [Programa Ampliado de Livros e Textos]. Seu objetivo era botar livro para alugar, então o pessoal, ao invés de comprar livro, alugava. Ele foi inventado na Colômbia, o programa, onde tinha um bom funcionamento. Só que isso não funcionou no Brasil. Então tinham que comprar determinado livro em grande quantidade, por questão de economia de escala, e vender no mercado a preço mais barato no mercado. Em muitos casos chegava a menos da metade do preço comercial do livro. Com a chegada de cada livro, se organizavam seminários. Então começou com seminário de medicina preventiva, que na época estava na moda, logo depois veio seminário de medicina clínica, depois o seminário de pediatria, e por aí foi. Houve mais de cem seminários desses, nessa primeira leva. Isso deve ter ido até o fim dos anos 70. E daí em diante começou de novo. Eu já estava na OPAS, quando começou se repetir as mesmas disciplinas, só que de forma mais integrada, em vez de ser obstetrícia separado, passou a ser materno-infantil. Toda a área ginecológica passou a ter um sentido mais de integração que era essa a tendência da época. Esses seminários eram feitos da seguinte forma; convidava-se um professor muito capaz, ilustre, em geral jovem, que produzisse um documento de base para a discussão. Também convidavam professores representativos de vários países, em geral vinte, e se discutia aqui durante uma semana a forma de ensinar aquela disciplina, e no último dia se decidia o nome do texto. Desse processo sempre resultava um relatório e desse relatório era produzido um livro. Era freqüente você chegar nas escolas, em um determinado departamento, na parede, um quadro com o relatório reproduzido apresentando a base de como deve ser o ensino.

CH – Uma questão mais pontual. Em 67, na Venezuela, teve uma Conferência Internacional sobre Recursos Humanos para a Saúde e Educação Médica, em Maracay...

JRF – Sim. Mas isso não tem nada a ver, pois é outra coisa.

CH – Ok, mas que eu gostaria perguntar é o seguinte: na documentação que eu examinei, essa conferência me pareceu um evento fundamental de discussão a respeito dos aspectos metodológicos. ..

JRF – Isso é um pouco à margem de tudo isso. Foi um acordo que houve entre a OPS e Fundação Millbank. Milbank era uma fundação pequena mais ou menos inexpressiva, nessa época quem assumiu a direção da Millbank foi um indivíduo que está entre aqueles três ou quatro que eu falei. O mais importante que eu conheci na minha vida chamava-se Alexander Robertson que era primo assim em quinto ou sexto grau da rainha da Inglaterra. No entanto, era de origem escocesa. Um cara brilhante. Ele veio pra América fazer um plano de saúde no Canadá. Depois foi para Nova York participar do primeiro plano de saúde da cidade. Então, o convidaram para dirigir a Millbank. Na Millbank, com pouco dinheiro ele fez duas coisas: criou um programa de bolsas que chamava Bolsas institucionais. Entre os vários conhecidos que obtiveram essas bolsas, no total quarenta e três foram bolsistas do programa na existência dele. A bolsa era de quatro anos, naquela época dava quarenta mil dólares, o bolsista fazia o que quisesse com aquele dinheiro, inclusive viajava pelo mundo para onde quisesse ir e usava como preparação do seu toilet, para voltar e se integrar no seu ambiente. Entre os brasileiros, talvez um dos mais importantes que teve a bolsa foi José Romero Alves, não sei se alguém já ouviu falar nele. Ele era, foi umas das pessoas do grupo que está viva ainda. Ele é mais novo que eu

JC – José Roberto?

JRF – José Romero Pedro Alves. Outra coisa que o Alexander Robertson fez junto com a OPAS, foi promover o primeiro estudo de recursos humanos feito na América. Era um estudo de educação médica do serviço de saúde integrado. A reunião preparatória desse estudo foi através da reunião de Maracay, para juntar todos os grupos que iam trabalhar nessa reunião, quem coordenou esse estudo depois na Colômbia foi o Dr. Alfonso, um epidemiólogo que foi contrato para esse estudo. Ele levou uns três ou quatro anos para ser terminado, acho que tinha uma quantidade de erros, foi o primeiro estudo feito para integrar a demanda de recursos humanos como as demandas de ensino em saúde, como uma coisa relacionada. Realizaram uma análise das escolas que tinham formação e o tipo que se realizava. Houve uma tentativa de reproduzir esse estudo na Argentina, mas ficou pela metade, não terminou. Na mesma época houve dois outros estudos parecidos com esse, mas, surgiram outros de maneira bem mais simples, que não envolviam outras coisas. Tais estudos foram desenvolvidos no Peru e no Chile, por Thomas, um americano, Tom, que era um cara dedicado exclusivamente à qualificação de recursos humanos. Alfonso era o principal ídolo de qualificação de recursos humanos em saúde.

CH – Não entendi, objetivamente, o que quê seria?

JRF – Nessa reunião de Maracay foi proposta as bases metodológicas. É interessante que na fase final desse estudo, eles voltaram a se reunir em Maracay. Estavam presentes duas pessoas, um catedrático representante de Ribeirão Preto, que era o fundador e Santiago Renjifo, que era colombiano e tinha sido representante aqui. Nessa época eu já tinha voltado para Colômbia. Na volta dessa reunião, um indo para Colômbia e o outro para o Brasil, ambos tiveram desastre de automóvel, e morreram.

CH – Objetivamente, o que seriam exatamente essas discussões metodológicas?

JRF – Como é que você faz esses estudos, aplica, por exemplo, idéias, baseadas em metodológica de estudos. Como é que você faz isso na análise de mercado em educação médica? Na época não se falava nisso praticamente, pois não se sabia como fazer. Então foram desenvolvidos todos esses modelos e formulários. Uma coisa vastíssima e enorme foi feita e aplicada em todo o país, na Colômbia, com uma equipe enorme, que custou, naquela época, dois milhões de dólares, dinheiro da Millbank e da OPS.

JC – Que diagnóstico se dispõe, na época, na área de recursos humanos na América Latina, no Brasil?

JRF – O diagnóstico mais importante da área de recursos humanos esse foi feito justamente pela OPAS. O Juan Cesar Garcia foi uma das figuras mais importante. Ele era um argentino, formado em medicina, dedicado à pediatria, depois foi fazer um curso de ciências sociais no Chile e foi para Harvard. Em Harvard foi contratado pela OPS. E na OPS ele foi encarregado pelo Conselho a fazer estudo em ensino de medicina preventiva. Ele começou elaborando inclusive uma comissão para elaborar o estudo com vários professores ilustres da Inglaterra, da Suécia. Ele começou a elaborar o estudo e rapidamente o estudo foi tomando da medicina preventiva, que passou a ter uma idéia da escola como um todo. Para se ter a idéia da escola como um todo é preciso ter a idéia do mercado de trabalho e das demandas do estudante. Dessa forma, foi crescendo o negócio e o resultado, de 1965 a 1970, em cinco anos, com o desenvolvimento do estudo em todos os países da América Latina. Sobre isso foi até publicado um livro, que vocês conhecem. Ele é de capa amarela e seu título é sobre a Educação Médica na América Latina. O tema medicina preventiva é dos capítulos mais importante. Nesse capitulo foi desenvolvido uma introdução à medicina social na cadeira médica.

FA – De qualquer maneira eu tive um pouco de dificuldade em perceber como é que o campo de recursos humanos se constitui como um desdobramento das discussões em torno do ensino de medicina. Como é que se produz esse alargamento dessa área de interesse?

JRF – Primeiro, naquela época, em matéria de saúde, o profissional dessa área só existia na medicina. Na enfermagem seria visto como escravo, não existia ainda, a enfermeira é mais conhecida....

JC – A enfermeira ?

JRF – Nem isso não, a hegemonia era total. O nome do departamento inicialmente na OPS, Departamento de Educação e Adestramento. Mais adiante esse programa passou a chamar-se Programa de Educação Médica. Em 1967, eu estava de passagem em Washington quando o programa foi oficialmente transformado em Programa de Desenvolvimento em Recursos Humanos. Isso em si já mostra uma evolução. Isso começou com Adestramento e Educação, passou pela educação sanitária, tudo isso não passou a educação médica, fundamentalmente, daí a recursos humanos. E daí se ampliou, mas ainda, recursos humanos, em 67, ele só tratava de educação médica praticamente. Falava um pouquinho de odontologia, mas essencialmente médica. Enfermagem era um programa à parte, manejado pelo Departamento de Serviço de Saúde, assim como Engenharia Sanitária, que manejada pelo Departamento de Engenharia Sanitária. Tais áreas só foram integradas quando eu era o chefe do programa. Deixa ver, eu assumi em 74, então em 1975 se integrou todas as formações, ou seja, todas as pessoas no Programa de Desenvolvimento de Recursos Humanos.

FA – O senhor poderia comentar um pouco sobre o esforço de engenharia para produzir essa integração?

JRF – Não foi esforço de engenharia. Isso aconteceu quando a gente menos esperou, independente de qualquer esforço. Na época estávamos pensando e brigaríamos demais com o [Hector] Acuña. Contudo ele chegou muito fraco, não tínhamos a menor idéia do que fazer. Entre as idéias dele, ele queria resolver alguns problemas políticos que havia. Tinha um cara na odontologia que não suportava, na realidade, ele chegou pra preservar, policiar o regime ditatorial dos organismos internacionais. A visão era que o diretor decide, está decidido, não há discussão. Os países membros não participam, não mandam nada, assinam em baixo, quem decidia era o secretariado, pois é ele a pessoa que toma todas as decisões.

FA– Naquele momento, o que o senhor pensava sobre isso?

JRF – Eu estava por demais.... você vê minha trajetória, eu vinha da FEPAPEM e da ABEM , trabalhando os recursos humanos no Brasil, um pouco com a abertura que em Brasília nós fizemos um esforço muito grande de integrar numa escola só todas as ações. Não chegamos a conseguir isso no meu tempo, depois a coisa evoluiu. Mas no meu tempo nós já tínhamos escola de medicina e enfermagem, um pouquinho começando a odontologia, mas com a idéia de se integrar as profissões. Quando eu fiz aqui o planejamento do Centro Biomédico da UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro] também já foi todo mundo, mas separados. No mesmo ambiente físico, mas separados em termos de poder. Não conseguia misturar Biofísica com a Bioquímica, e por aí vai. Eu tinha uma facilidade de aceitar, por isso, quer dizer, eu tinha como meta chegar à Faculdade de Ciências de Saúde. Quando fui convidado para ir para Genebra, corria o boato de que eu tinha feito a Faculdade de Ciências de Saúde de Brasília.

FIM DA FITA 1/LADO A


FITA 1/LADO B 

JRF – Só com esse sentido. Mas só a força do [Hector] Acuña ao chegar e dizer o que tinha que dizer foi que conseguiu fazer isso. Porque não só o diretor tem muita força dentro de uma hierarquia, o chefe do departamento também tem muita força, mas você não tira um pedacinho de um departamento para entregar para o outro. Então chegou um diretor e diz: tem que ser assim. Aí pronto, fez. Assim como agora chegou a ser diretor, se trancou em casa durante três ou quatro dias, nas vésperas de tomar posse e mudou todos os postos da Organização. Não ficou uma pessoa no mesmo lugar que tinha antes. Como ele, nunca vi coisa igual. Mudou tudo. Mas mudou radicalmente. Pronto, ninguém pode dizer nada, está mudado.

GH – Pensando nesse momento de integração de departamentos, que você co-dirigiu, qual foi o efeito prático disso?

JRF – Primeiro, isso teve alguma recepção na América. Vários países, nesse momento, as primeiras faculdades que começam a surgir a partir daí, vieram com essa idéia. Na Venezuela, tem inclusive alguns livros publicados sobre isso que se fez numa faculdade, tem estudos integrados no México, apareceram duas ou três. Agora a coisa não pegou muito, até porque já estavam caminhando, a primeira foi a de Brasília, entre outras, que começaram a se desmoronar. Dez anos depois de fazer Brasília, nós fizemos aqui no Rio uma reunião chamando as dez principais escolas da América Latina, que tinham feito um esquema desses. Só uma ainda mantinha o esquema, as outras nove já tinham desfeito todo o esquema. É muito difícil você lutar contra a maré. A tendência à tradição é característica das escolas isoladas, pois desta maneira asseguravam funções de prestigio para os diretores. Dizem os sociólogos que precisam de pelo menos uma geração, vinte anos, para consolidar uma posição dessas. Até hoje, que eu saiba, não se conseguiu. Morrem antes disso.

FA – Se não me engano, também nessa época, em algum momento, um departamento dentro da OPAS passa a se chamar Recursos Humanos e Investigação?

JC – Você teve uma longa trajetória na vida do departamento?

JRF – Foram 30, mas no departamento foram 22 anos. Na primeira parte eu não era chefe.

JC – Na primeira parte, quando você entra para chefe?

JRF – Nos primeiros cinco anos eu não era chefe.

JC – Em 1964, você entra e assume a direção?

JRF – Em outubro de 64.

JC – Em outubro de 64. Nessa sua primeira gestão como diretor qual foi sua agenda, suas prioridades, seus métodos?

JRF – Uma das coisas que eu tinha que fazer foi a problemática nova que o Acuña trazia, de ampliar o departamento, para você ter uma idéia, o departamento na época tinha, basicamente eu, mais dois funcionários profissionais. O projeto tinha dezoito pessoas para coordenar na América inteira. Ele era um programa meio distorcido, tinha três ou quatro profissionais e depois acaba ficando com dezoito. Isso ocorreu quando eu recebi o pessoal de enfermagem, de odontologia, de engenharia sanitária, pessoal de veterinária. Então de repente o programa incha e começa a ficar equilibrado. Eu cheguei as outras profissões todas. E obviamente dando muita atenção a como integrar àquele grupo novo. Algumas áreas se integraram mais fácil que outras. Enfermagem foi a mais fácil. Na época, nós já tínhamos criado aqui no Brasil o NUTES-CLATES [Centro Latino-americano de Tecnologia Educacional para a Saúde]. Então, a primeira coisa que nós fizemos naquele momento, como já tinha o programa financiado pela Kellog, criamos um programa semelhante para enfermagem também aqui. Então com isso, a enfermagem se sentiu muito prestigiada, porque estava sendo tratada ao mesmo nível que a medicina e a educação médica. Por isso se integrou de uma forma muito fácil. A Engenharia Sanitária também não foi problema maior, se bem que eles tinham uma orientação diferente. A Engenharia Sanitária tinha criado uma Escola de Engenharia Sanitária, que até hoje é a única que existe na América inteira, no Peru. Então eles funcionavam muito em função daquela escola. Levavam o pessoal para fazer pós-grado ali. Todo o resto era uma escola subordinada à escola de engenharia, ainda mais uma escola específica, só de engenharia sanitária. Veterinária praticamente nunca se integrou, nem odontologia, são duas áreas sobre as quais a preocupação do Acuña residia no fato delas permanecerem como artilheiros autônomos, sempre trabalhando por sua conta. Odontologia inclusive quase não fez nada em matéria de educação, se dedicava a fazer a campanha para a pós-graduação, enquanto veterinária se dedicava a trabalhar a questão de competência. Foi o primeiro grupo no departamento que começou a trabalhar a competência do ensino, e a educação médica foi trabalhada pelo grupo de veterinária. Apesar de continuar trabalhando, a integração realmente foi meio difícil, nunca houve integração real e total. Embora nós tenhamos tomados algumas providências em torno da integração, criamos o que nós chamamos, naquela época, de talleres de educação em ciências de saúde. Nós fizemos cinco desses talleres. Isso foi uma coisa para a qual nós reunimos todo o staff. Staff central nosso, era um cara muito bom da Venezuela, o Jorge Andrade, o Juan Cesar Garcia, Miguel Marques. Esses quatro eram os principais. Então nós organizávamos uma espécie de seminário, não era um seminário muito dinâmico, os alunos participavam mais do que nós. Tratava-se de seminários específicos para diretores de escolas, profissionais da saúde. Reuníamos cerca de vinte em cada seminário desses. Eles duravam cerca de dois a três meses. Levava para Washington, naquela época a viagem era mais barata, tudo era mais barato. Durante esses dois ou três meses, eles trabalhavam sobre um modelo simulado de uma suposta cidade que a gente chamava de Simulândia. Na realidade todos os dados eram tirados de El Salvador, ninguém sabia, mas era o perfil de El Salvador que servia de moldagem para essa cidade simulada. Eles tinham a missão de planejar a situação de recursos humanos daquela cidade, naquele país, incluindo escolas, a organização de cursos, e etc, o que fosse necessário. E nesse dinamismo, fazíamos práticas, havia apresentações, havia discussões e isso durava dois a três meses. Fizemos cinco vezes, um por ano. E a aceitação principal deles foi o mecanismo que mais ajudou nessa integração. Daí saíram pessoas que depois assumiram posições bastante destacadas na América Latina.

CH – Como é que era a organização administrativa desse seu departamento?

JRF – O departamento depois foi divisão, depois foi departamento de novo, e depois que mudou o diretor, também mudou o nome.

JC – E qual foi a importância que ele dava ao setor?

GH – Qual o prestigio dessa área?

JRF – Agora não é mais departamento, é divisão, e eventualmente mudava a constituição. No caso de recursos humanos, sempre se manteve até chegar o [George] Alleyne. Ele já tinha saído quando acabou com os recursos humanos. Os Recursos humanos passaram a ser parte de serviços de saúde, depois que ele chegou.

CH – Então a entrada de novos diretores podia formalmente significar rupturas importantes?

JRF – Podia, sem dúvida alguma.

CH – Acuña, por exemplo?

JRF – No caso do Acuña não, pelo contrario era do interior, por exemplo, diria que eu tive muita sorte, porque eu passei pelo [Abraham] Horwitz, pelo Acuña, por Carlyle [Guerra de Macedo], e pelo primeiro ano do [George] Alleyne e nunca me mexeram. O programa se manteve íntegro. Só mexeram depois que eu saí, quando o Alleyne acabou com o Recursos Humanos. Acho que ele só estava esperando eu sair.

GH – A minha pergunta seria: se isso depende do prestígio da pessoa que dirige? Ou da visão que o diretor tem sobre a área?

JRF – A visão que ele tem sobre a área. E o tipo de entourage, que o cerca. Ou pensa de um jeito ou pensa de outro. No caso, por exemplo, agora, é o Horwitz, Acuña que decidem as coisas.

FA – Sobre a sua trajetória, o peso relativo, de importância relativa da área de recursos humanos nesse período, como é que o senhor vê, ela nasce forte, decresce, vai...

JRF – Nasceu muito fraca, era pequena, mas cresceu rapidamente, e cresceu, primeiro o Horwitz deu muita importância a essa área. E cresceu, o Acuña era, tinha um pavor da área. O Acuña era muito conservador e ele achava que a área de universidades em geral se, sempre, sistematicamente, era conflitiva, se mantinha contra o governo, era uma área de diletantismo político, de esquerda, etc. Bom, então ele, uma das tentativas que ele fez, mas não conseguiu, foi tentar que a prioridade do trabalho nosso fosse a formação no nível técnico, e não nível profissional. Ele bateu muito nisso. Aí a saída que nós tivemos, foi, durante esse governo dele, que foram quatro anos, trabalhar mais com as associações. Nós chegávamos às universidades pelas associações. Mas chegávamos igual, demos seminários, demos cursos, demos tudo de bom. Mas diretamente, a recomendação inclusive, ao nível das representações no país, universidade é perigoso, não se toca, são sempre contra o governo, e nós somos representantes do governo. Essa era a posição dele.

FA – Depois de Acuña

JRF – Depois de Acuña veio Carlyle, que era o contrário, abre tudo, totalmente. Cresceu outra vez, se manteve muito forte. E agora com Alleyne se esvaziou. Mas até Alleyne, uma quantidade de coisas, pra se ter uma idéia, uma das primeiras coisas que o departamento fez antes de dele chegar lá, 65 por aí, Vila Real, 1958, por aí assim, foi criar a revista de educação médica. Chamava-se, como é?

Entrevistadores - Educación Médica y Salud.

JRF – Educação Médica e Saúde, né. E manteve sempre, muito prestigiada, cresceu no nosso tempo, uma revista depois de muitos anos, era a única que tinha na América, revista bastante boa. Até que o Alleyne, depois que eu saí, acabou com a revista. Uma revista com vinte e cinco anos de existência, ele acabou com a revista. Acabou com a revista, acabou com o departamento de educação médica, de recursos humanos, e subordinou a serviços de saúde. Também com conservadorismo exagerado do Alleyne, ele é tremendamente conservador. E só não acabou antes porque na realidade ele tinha sido levado ao departamento por mim. Então ele tinha aquela coisa. Foi o período em que o departamento passou a ser recursos humanos e investigação, o primeiro chefe foi um mexicano, ficou pouco tempo e voltou para o México, depois de quatro anos, aí eu convidei o Alleyne, que se mostrava como uma pessoa, eu devia ter observado mais o conservadorismo dele, mas ele era menos, como foi assessor de investigações médicas, que era o comitê mais importante que a associação tem. Durante dez anos, como membro do comitê, ele foi sistematicamente relator desse comitê. Um cara dedicadíssimo, escreve bem, todas as sessões terminavam, no dia da reunião, com uma semana com um relatório, cópia em inglês, espanhol, era de uma eficiência brutal. Era ideal, trazer um cara do Caribe, país bom pra fazer, país pequeno, quando acaba, um cara que resultou tremendamente conservador. O primeiro choque dele logo foi com [Juan César] Garcia, que também era da área de administração, foi trabalhar com ele, e eles dois se chocaram. Obviamente, Garcia, era um líder de esquerda, importante, e ele o contrário.

JC – Já que você falou...

FA – Mas como é que foi administrar esse conflito, ele estava sob a sua responsabilidade direta, não estava?

JRF – Tava. Na época, ele estava fazendo um estudo, sobre educação médica, nós propusemos que ele fizesse numa reunião, de investigação. Eu acredito que ele ganhava por todos os lados, mas levou processo, na realidade o chefe era eu, não era ele, ele era coordenador de pesquisa dentro do departamento, mas consegui levar até o fim.

JC – Já que a gente estava na revista de educação, eu queria que...

JRF – Mas também, ele morreu...

JC – como foi o surgimento dessa revista...?

JRF – Eu não estava lá, eu não estava lá. A revista surgiu por influência do meu antecessor, que foi Ramón Villareal, mexicano, diretor da Faculdade de San Luís de Potossi, no México. Ele, dentro daquela fase inicial, praticamente não tinha o que fazer, os programas que ele criou, na realidade, tinha que administrar o programa de bolsas, que tinha sido criado antes, 1948, ele tinha, criou essa coisa que eu contei pra vocês do seminário de Medicina Preventiva, ele participou do estudo de recursos humanos da Colômbia, que eu também comentei, e ele criou a revista. E no final de tudo isso, a primeira atividade importante foi a criação da FEPAFEM, [Federación Panamericana de Asociaciones de Facultades (Escuelas) de Medicina], participou junto da [Fundação] Kellog e [Fundação] Rockefeller e a criação do Paltex [Programa Ampliado de Livros de Texto e Materiais de Instrução]. Paltex, a BIREME e FEPAFEM, essas três coisas foram mais ou menos cozinhadas juntas na reunião de Poços de Caldas, em 1964, quanto a isso, consolidou mesmo a posição das três e a ida do Ramon pra, 74 não, 64. E, e aí também, a revista veio daí e se manteve por vinte e cinco anos, a revista. Foi realmente uma revista bastante...

GH – Mas, quer dizer, você quando entra, o sr. quando entra...

FRJ – já encontro a revista...

GH – já encontra a revista, o Paltex...

JRF –eu, por exemplo, naquela época, tinha a experiência que eu dirigi durante quase dez anos duas revistas no Brasil, e veio essa revista junto com uma orientação um pouco diferente, nós encomendávamos números inteiros pra cobrir determinada área de especialização. Então fizemos um pouco disso também lá, embora uma dedicada pra educação e saúde, outra dedicada à medicina preventiva, outra dedicada a pessoal auxiliar.

GH – Tinha impacto naquele momento?

JRF – Ah, sim!

GH – Público leitor, você recebia...

JRF – Muito mais na América Latina do que no Brasil. É gozado, o brasileiro entende espanhol muito bem, mas não lê espanhol e não cita publicações espanholas. Pouquíssimo você vê citado em termos de educação médica e saúde por aí.

GH – Tinha uma linha editorial, quer dizer, quer dizer, qual era sua linha editorial...?

JRF – Tinha, sem dúvida.

GH –qual era a linha, quer dizer, sua linha editorial?

JRF – Bom, A linha editorial era um trabalho altamente progressista, o líder da revista no caso era o Miguel Marques. Vocês estão familiarizados quem é Miguel Marques. Miguel Marques era dentro do grupo do departamento, o mais progressista de todos.

Entrevistadores – Miguel Marques.

JRF – Miguel Marques. Miguel Marques é um professor de patologia do Equador que foi trabalhar conosco em Washington, e foi o primeiro coordenador, primeiro não, o tempo que ele viveu em Washington. Passou conosco em Washington dez anos, depois foi ser representante em Cuba e na Nicarágua, participou de toda a Revolução Sandinista, acho que participou diretamente da revolução e depois foi pra Cuba e está em Cuba até hoje. É uma grande figura, grande líder, e ele de certa forma foi o grande responsável pela linha que imprimiu, que era reforçada por mim e pelos demais que estavam no programa. Mas era bastante progressita a linha, daí a crítica que o pessoal mais conservador fazia. Com freqüência a editora chefe da OPS reclamava que havia palavras que não eram politicamente corretas, não deveriam ser usadas.

GH – Por exemplo, se lembra quais?

JRF – Coisas bobas. Uma vez ela devolveu porque um artigo do Vidal, como era o negócio, o artigo falava em paternalista, não se pode usar a palavra paternalista. Mas não há nada de mal em paternalista.

GH – Mas censura, não tinha?

JRF – Não, não, porque a gente não aceitava. Tinha todo um mecanismo de poder que funciona, o departamento manda bastante, acima dele só manda mesmo o diretor da unidade, diretor geral.

JC – Como é que se deu essa direção, qual foi assim realmente o papel da OPAS nessa direção?

JRF – Bom, vamos lá, O [Luiz Carlos] Lobo era diretor lá na universidade de Brasília e eu, o vice-reitor. Aquela coisa toda, depois fui transferido pra Washington, cinco anos depois, e ele continuou em Brasília. Aí veio a Revolução, e ele teve um enfrentamento muito grande com [José Carlos de Almeida] Azevedo que foi quem me substituiu como vice-reitor, um Capitão de Fragata da Marinha, um cara nojento, horroroso, se degladiaram, e Lobo pulou fora, teve que sair. Saiu e voltou pra Alma Mater dele, ele era professor da biofísica, inclusive ele era primo do Carlos Chagas, sobrinho do Carlos Chagas. Voltou pra aqui e o Chagas, com a fama do trabalho em Brasília, uma coisa inovadora, de ensino, e tal. E o Chagas, então, disse: sabe o que você vai fazer é melhorar o ensino... Tinha fama de ter o pior ensino que podia ser. E era verdade. Pra você ter uma idéia, a prova, eu fui aluno do Carlos Chagas, a prova eram treze questões, pra responder sim ou não. Nada mais que isso, era a prova. Você tinha passado todo um passado, não dava bola pra isso, todos eles pegaram o Lobo pra reformar. E o Lobo começou tentando organizar na Biofísica, sei lá, um seminário de orientação docente, ou coisa parecida. E mantinha uma comunicação muito estreita conosco em Washington, eu estava em Washington nessa época. Nos avisou, nos contou disso, na época estava surgindo toda aquela coisa de reforçar a tecnologia aplicada à educação, e tal, e comentei, não era chefe ainda, era um assessor de educação médica do departamento de recursos humanos. Comentei com o Ramón Villareal e ele disse: vai ao Brasil ver o que é isso. Eu vim, conversamos aqui com o Lobo como é que era, e com o Chagas, e tal, parecia interessante o projeto, a biofísica tinha outro nome, o Chagas por sua vez era membro do Comitê de Investigação da OPAS, muito ligado também ao Horwitz que era o diretor geral da OPAS, respeitava muito o Chagas. Sei que na queda da revolução, daqui mesmo liguei pelo telefone pro Ramón Villareal, disse ao Ramon: está acontecendo isso, isso, isso, há essa possibilidade, eu tenho a impressão que é uma coisa que nós podíamos embarcar nela e fazer uma coisa maior, ao invés de fazer um nucleozinho da Biofísica, fazer um centro Latino-Americano pra desenvolver essa área de tecnologia pra melhorar a educação. Ele disse: ah, a idéia me parece boa, e tal, vou falar com Horwitz. Falou com Horwitz, me telefonou uma hora depois e disse, estou viajando pra aí amanhã. E veio, veio em seguida pro Rio, assinamos convênio, dois ou três dias depois, na base da decisão, você vê o poder de decisão do diretor, inclusive acabou..

GH – Mas teve outro no MEC, teve outro...

JRF – Calma, calma, absolutamente? Já que nós criamos esse, ver como é que faz, depois veio o outro. Aí então o Horwitz veio e criou esse negócio, o centro, e aí procuramos a [Fundação] Kellog, na época com Mario Chaves, o primeiro grande, importante, a Organização de imediato o contratou, passou a ser funcionário da Organização, foi um dos primeiros funcionários nacionais que ela contratou, não podia contratar nacional, e junto com isso veio a Kellog desenvolver realmente um centro importante. Passou um ano e tivemos uma situação parecida no México, havia também uma certa crise lá, com [?] Laguna, que era o diretor, e ele tem uma ligação muito estreita com um assessor dele, José Manoel Manilhas, que manejava a parte de ensino na UNAM [Universidade Nacional Autônoma do México], com cinco mil alunos, e o interessante que também se juntaram, de forma circunstancial, Manilhas, especializado na área de educação, junto com ele tinha um outro professor chamado Hernandez y Hernandez, que eram amigos de equipamentos, tinha tudo de equipamentos de audiovisuais, televisão, isso e aquilo, uma porção de coisas soltas, inclusive os dois começam, mesma coisa que a outra vez, fizemos convênio com Laguna, e saiu um centro, levamos a Kellogs, que também deu dinheiro e ficaram dois centros funcionando. Depois, a partir desses dois centros, se criaram algo assim como vinte e seis ou vinte e sete centros pela América. Mas, menores, menores sim, com menos recursos. De todos eles, o que mais prosperou foi o cubano. O do México acabou e o que mais prosperou foi o de Cuba, até hoje está funcionando muito bem, o de Cuba. Do nosso lado, o pessoal dizia que “não, ah, isso aí é coisa da americanismo, não sei que, Cubano não tem nada disso não, é muito pragmático”.

GH – Mas qual era o papel, por exemplo, da OPAS nesse processo? Tinham recursos financeiros, agenciamento com a Kellogs, depois...

JRF - ...confiança...

GH - compromissos futuros, não, só

JRF – Não, não, não era um centro permanente!

GH – Era um centro permanente

JRF – Centro permanente,

GH – Era um centro permanente, ficava...

JRF – Centro permanente é! Com isso agenciamos contatos lá fora, tinha uma pessoa que foi o projeto com a Ohio's State University, que estava desenvolvendo computação para ensino. Tinha, inclusive, seminários aqui. O do México, por exemplo, se dedicou mais do que esse daqui a formação de professores, foram mais de dez mil pessoas, cursos, cursos, curso de três em geral. Quantidade de gente, pra América Latina, quer dizer, mercado espanhol, mais do que aqui, aqui ficou uma coisa mais limitada ao Brasil.

FA - Mas por que Organização eles investiram nessa?

JRF – Ah, o do México foi quando Acuña assumiu, não é? Ele assumiu, era mexicano, não gostava do reitor da universidade, então, pra todos os efeitos, etc... não era pra continuar, e tal, o pessoal estava desistindo, acabou. E de certa forma, do daqui também foi parecido, não é? O daqui, o Carlyle, entra o PPREPS {Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde], também. Quando o PPREPS foi criado, o convênio do PPREPS colocou o CADRHU [Curso de Desenvolvimento de Recursos Humanos de Saúde] e o outros vários, como um mecanismo de apoio do NUTES. Mas Lobo era uma figura muito sem mecanismo, igual ao Carlyle. Dizem que dois bicudos não se beijam, não é? Nunca se entenderam, os dois. A primeira coisa que o Carlyle fez quando chegou a diretor disse: “não, trate de tirar, fez mais do que precisava, acabou”.

FA – Todos os outros centros permaneceram?

JRF – Não, vários outros acabaram também. Acabou o Centro no Uruguai, Centro na Argentina, o Centro de Educação em Saúde do Chile, o mais importante de todos, acabou também por questão política, sim, interesses pessoais.

FA - Desse tipo de tensão...

JRF – Ah, sempre assim, sempre.

FA – O senhor comentou sobre a constituição do campo, o processo de incorporação das outras disciplinas, na verdade, o senhor falava de disciplinas de nível superior, não é isso? Como é que a área incorpora e de que maneira faz as profissões técnicas e auxiliares?...

JC – ainda nessa época...

JRF – No início era praticamente, totalmente, quando muito podia ser que no nível de algum país, representação de país, interesse que o governo demonstrasse, houvesse alguma atividade. Mas, em princípio, muito, muito, limitado. O Acuña tentou dar força e nessa ocasião o que se fez foi trabalhar com o nível técnico médio, que corresponde a um momento que precisou muita gente, vocês vão ver, sentido isso aqui na pele como, por exemplo, em Cuba. Em Cuba, se desenvolvem as escolas técnicas, inicialmente eram sete anos, são mais de cem, desenvolvidas basicamente por Miguel Marques, ele estava lá, como consultor, e ele depois faz a mesma coisa na Nicarágua. E essas escolas técnicas se formaram, e nessa época teve na Nicarágua o principal assessor dele, na Nicarágua, que era o Sergio. O Sergio trouxe algo pra Nicarágua. Ao invés de fazer o politécnico, como fez o politécnico aqui. Então ele deixou um grande trabalho que se tem na área técnica, trabalhar com as escolas técnicas, inclusive promoveu essa criação, um dos mecanismos de atividade que se tinha pra trabalhar isso com os países era promover associações, que assumissem, elas mesmas, a coordenação do processo no nível do país. E tem a Associação Latino-americana de Formação de Nível Técnico, e inclusive a Costa Rica liderava isso aí, até hoje Costa Rica lidera. E isso se desenvolveu no nível do escritório central, muito integrado com o programa de enfermagem e a pessoa encarregada disso era encarregada de enfermagem, Maricel Manfredi, e no nível dos países foi essencialmente o trabalho de Miguel, em Cuba e Nicarágua, no Paraguai houve alguma atividade nisso, muito pouco, poucos países trabalharam nessa coisa, nessa coisa, fundamentalmente o modelo foi Nicarágua e Cuba, que funciona até hoje.

FIM DA FITA 1/LADO B

Entrevista 2

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PROJETO:
HISTÓRIA DA COOPERAÇÃO TÉCNICA EM RECURSOS HUMANOS EM SAÚDE NO BRASIL

Data:
15 de Março 2005

Depoente:
JRF – José Roberto Ferreira

Entrevistadores:
CH – Carlos Henrique Assunção Paiva
FA – Fernando Pires Alves
GH – Gilberto Hochman
JC - Janete Lima de Castro

N° da Entrevista:
Código: 2 / 4

Transcrito por:

Annabella Blyth - Agosto 2005


FITA 2/LADO A

CH – Bem, Dr. José Roberto, a minha questão é a seguinte: o que foi o PPREPS? Pra começar.

GH – Esse [mostrando documento do PPREPS], pra todo mundo, é o PPREPS, nosso livro de cabeceira...[risos]

JRF – É o próprio..

FA – É o próprio..

JRF – Mas isso foi feito por vocês?

GH – Não, não isso é....

FA – O programa original.

GH – Programa original. Nosso livro de cabeceira atual.

FA – É, é verdade.

GH – Os acordos, no final, quer dizer, o anexo são os acordos.

CH – Bom, enfim, o que representa esse documento, como é que ele foi criado?

JRF – Hum, hum...

JC – Como surgiu esse projeto...

JRF – Esse é pré-PPREPS, antes do PPREPS. Na realidade, o Carlyle [Guerra de Macedo]... eu só soube do PPREPS por ele em 76, mas o PPREPS foi criado, começou em 74, e a definição dele foi em 75. Está aqui, um dólar igual a quinze reais, então vamos ver, quatrocentos e trinta e nove mil dólares. Quer dizer, é multiplica, como é? Divide ou multiplica, isso é dólar, então, respondem: multiplica. Cinco vezes nove, quarenta e cinco, vão quatro, cinco vezes três, quinze, quatro e dezenove, vai um, cinco vezes quatro, vinte e um, nove e três, quatro, cinco, dezoito, cinco, seis, dezessete, seis milhões. E responde: de cruzeiros, um homem. Seis milhões de cruzeiros, de repente isso aqui já deve ter sido numa fase mais avançada, porque o dinheiro tornou-se realmente efetivo. Daqui tem outra cifra diferente, porque a proposta inicial, segundo [Carlos] Vidal, pode ser que ele também tenha se enganado, está no livro, imagino, porque quem fez do projeto do PPREPS foi o Vidal, todo ele, a proposta inicial foi de vinte e cinco milhões, vinte e cinco milhões, inclusive na época foi considerado uma coisa assim que nunca iria ser aprovado, o Brasil não tinha condições de botar vinte e cinco milhões para um projeto desses. É capaz de ter sido, ainda tem que ser, está, com outros dados. Então contando pra você, o que é o PPREPS, desde o princípio, a importância do povo brasileiro no programa, tinha mais brasileiro do que qualquer outra nacionalidade e, sempre pensando na possibilidade de criar um programa nacional que cobrisse globalmente o Brasil, havia programas isolados, trabalhava com cada uma universidade do ponto de vista de cada uma, então tinha essa idéia de criar o PPREPS. O Reinaldo [Guimarães], que tinha sido uma pessoa que tinha ido embora daqui, tinha ido pro Peru como consultor, e em 1974, 73, 74, nós o trouxemos como consultor para o Brasil, o Vidal, que era professor de medicina preventiva na Universidade de Cayetano [Heredia], do Peru. Ele veio, assumiu aqui, como um representante do país, inclusive já a Representação não existe, esta palavra aqui tinha sido transferida pra Brasília, ele conseguiu muito vivamente que o deixassem no Rio [de Janeiro], com a desculpa de que em Brasília só tinha faculdade de medicina, e ele não tinha opção, ele tinha que trabalhar mais com pessoal ligado ao ensino, então ficou no Rio. E Ernani Braga, que tinha sido o que começou essa coisa toda logo no início, eu comentei que inclusive eu trabalhei com ele. Bem, daí ele foi pra Genebra, ficou em Genebra sete anos, aí voltou pro Brasil nesse ano. Então, eu, Ernani Braga e Vidal, juntos, começamos a pensar o quê que a gente poderia fazer, oferecer ao governo, como uma solução integral de desenvolvimento de recursos humanos. Estava funcionando na época, não sei se tinha sido recém-criado, acho que sim, mas estava funcionando no IPEA [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada], onde tinha um núcleo de recursos humanos no IPEA, estava o [?] Pantoja e o Nelson Moraes, e isso é uma oportunidade de se fazer um projeto grande, quem vai ter que decidir e aprovar a idéia, então vamos fazer um projeto. Então começou-se a trabalhar nisso, o Ernani também participando, eu tinha vindo de Washington, estava aqui integrando o Vidal, apresentando o Vidal a diversas autoridades, e eu tinha que ir ao Ceará, então deixamos a idéia do projeto na mão dele, eu fui pro Ceará, fiquei no Ceará uns quinze dias, com o... como é que chama? Quando voltei o projeto já estava praticamente pronto. Cheguei aqui numa sexta-feira, fui direto pra Escola Nacional de Saúde Pública, o Vidal tinha escritório aqui na ENSP, e o projeto estava praticamente pronto e ele fez seu orçamento milionário aí, que obviamente todo mundo achava que não ia ser aprovado. Mas em todo o caso, terminamos e entregamos o projeto. O diretor da escola, não o diretor da escola, não era ainda o Oswaldo Costa, não me lembro quem era, sei que apresentamos, entregamos o projeto. E fomos embora. Eu fui embora pra Washington e o Vidal ficou, continuou com a atividade dele. A essência do trabalho dele na época foi a reforma do programa, do currículo de Belo Horizonte, um trabalho muito bonito, transformou em cinco anos, uma reforma grande. Fui embora pra Washington e passaram-se uns seis meses, no começo, sei lá, o ministro era o Paulo de Almeida Machado, e o Secretário era o [José Carlos] Seixas, e o João Yunes era o chefe de gabinete do ministro. Passaram-se esses seis ou oito meses, não me lembro exatamente quanto, o Vidal me chama, e diz, 'Olha, aquele projeto que nós apresentamos, que é uma loucura e tal, foi aprovado, aparentemente na íntegra e tal, está com dinheiro', e então fui lá, conversar com Dr. Oswaldo Costa, que então era o diretor da escola, e Oswaldo definitivamente não aceitava o projeto. Porque a proposta inicial do projeto, o projeto seria, uma vez aprovado pelo IPEA, seria coordenado pela ENSP para o Brasil inteiro. O Oswaldo Costa não aceitou. Disse que não, naquela época, o projeto tinha um orçamento que era várias vezes maior que o orçamento da Escola de Saúde Pública, 'Isso era uma loucura!', a Escola de Saúde Pública era muito pequena, ela cresceu depois com Ernani Braga. Não tinha a menor condição dele assumir aquilo, era uma responsabilidade muito grande, e tal... E ficou um impasse. O Vidal disse, olha, o negócio é vir aqui ao Brasil, porque não tem jeito, pra esse troço.... Outra vez insistimos com Oswaldo, e tal, não houve meio, aí fomos pra Brasília. Fomos três, eu, Vidal, e pegamos o Seixas, com quem a gente tinha muito boa relação, era o secretário executivo, na casa dele, num sábado, passamos a tarde inteira com ele, explicamos toda a situação do projeto, e tal, ele disse: 'Não tem problema, tava esperando em Brasília. Vamos fazer do projeto um projeto nacional, com base na própria Organização [Pan-Americana da Saúde], pelo Ministério da Saúde, já estava em Brasília, e subordinado ao Ministério.' Com um esquema que foi a primeira vez que se fez na OPS também, porque, também, naquela época não se podia contratar nacionais, nada disso, o esquema foi de que, o dinheiro era brasileiro, então se criava um trust fund, esse dinheiro brasileiro era transferido à OPS em Real, na época Cruzeiro, e a OPS absorvia na sua contabilidade, e transformava em dólar, e contratava o pessoal do projeto pagando em dólar como um funcionário internacional normal. Então, tinha um projeto na mão e tinha que se ver como é se implementa isso. Então, com o Seixas, nós acordamos que faríamos uma reunião, um seminário grande convidando um determinado número de pessoas selecionadas, entre as quais, não só se discutiria não só como levar à prática o projeto mas também a seleção daqueles que administrariam esse projeto. A reunião foi realizada num edifício em Brasília, o edifício que se chamava INAN, Instituto Nacional de Nutrição.

JC - INAN?

JRF – Na época o diretor era o Bertoldo Kruse, de Pernambuco. Foi uma reunião que durou três dias, tinha umas cerca de trinta e quarenta pessoas, e participou toda, a maior parte do Ministério [da Saúde] e o Carlyle, que na época já era funcionário da OPS no Centro de Educação do Chile, e várias outras pessoas, Secretaria de Saúde da Bahia, de São Paulo. Discutiu-se o projeto, o Yunes participou, o Seixas participou, e no final... selecionadas as primeiras quatro pessoas. O Carlyle, selecionou-se como diretor e coordenador do projeto, seria transferido do Chile pra cá, César Vieira, Izabel Santos, eu não me lembro qual foi o quarto, nem eu, nem Paranaguá.. Estou aqui tentando pensar quem foi o quarto.

JC – Alina.. ?

JRF – Alina Souza.. já estava nessa época? Acho que não, acho que veio depois, Depois, repete, acho que veio depois, Roberto Nogueira veio depois, o como é chama, a Tereza veio depois, o Francisco Lopes veio depois... Falta um, falta um que não sei quem é. Todos com salário em dólar, como funcionário internacional normal, assim começou o PPREPS.

CH – Mas quem escolhia?

JRF – Escolhíamos por grupos, do Ministério, e aprovado pelo Ministério, totalmente, tinha que ser aprovado pelo Ministério, mas nomeado pela casa, o dinheiro era brasileiro, foi transferido. Um pouco a idéia de que com isso permitia-se pagar salários altamente competitivos para pegar o que havia de melhor pra isso, para o projeto, essa foi a idéia por trás do projeto. Nós tínhamos vivido uma experiência muito parecida no México, um fundo também, um trust fund, que se criou pra ensino da veterinária, com o Ministério da Agricultura, o que permitiu ampliar as escolas que existiam, criar, de treze passou pra vinte escolas de veterinária, eu dirigi esse projeto durante quase três anos, foi um projeto muito bonito. Então tentamos fazer um pouco a mesma coisa aqui, só que uma coisa global, que contemple todas as profissões. As linhas que de trabalho que ficaram finalmente aprovadas nessa reunião, eram planificação..... Carlyle, por mais que tivesse assumido a direção, durante todo o tempo pensou muito mais em planificação do que em recursos humanos. E a segunda linha era a integração docente-assistencial, seria promover uma maior integração do ensino com serviço, e a terceira era diretamente o ensino, que na prática se traduziu no programa Larga Escala da Izabel Santos. Essas eram as três linhas principais. Do resultado concreto do projeto, eu diria que o primeiro foi a influência dos estados, eles viviam à sombra, unidades. Logo no início das secretarias de estado, dentro da linha de planificação do Carlyle. A parte da integração docente-assistencial funcionou muito bem no principio, fizemos um seminário nacional grande, eu participei, sobre integração docente-assistencial, mas depois houve uma reversão, não sei por que, estava naquela época de crítica da revolução, tudo isso, em que inclusive começaram a apresentar a integração docente-assistencial como uma invenção de Nietzche, começaram a andar pra trás com a tal da integração docente-assistencial. A ênfase toda grande que deu a Izabel [dos Santos] com o negócio do Larga escala, né? Izabel, eu tenho a impressão que, apesar de Carlyle, a Izabel foi a grande líder do programa. Até hoje, todo mundo que passou por aquela atividade, a respeita e a louva, o próprio Carlyle, já diretor da OPAS no Brasil, em Washington, telefonava pra pedir conselho a ela, impressionante a força da Izabel.

CH – José Roberto, e com relação à estrutura do PPREPS.... acho que de início são seis pessoas, não são?

JRF - Começaram quatro, logo depois veio o Paranaguá e o Roberto Nogueira, depois a Teresa, depois um outro que fazia cirurgia...

JC – Chico Lopes?

JRF – Não, não, um outro de cirurgia, de São Paulo, ficou pouco tempo, como era o nome dele?

CH – Pra gente pensar o grau de autonomia desse grupo, qual era a relação que mantinham com Washington?

JRF – São subordinados a mim.

FA – Danilo Prado.

JRF – Danilo Prado Garcia, ah que coisa!

CH – Como é que funcionava

JRF – Essa era uma parada!

CH – E na prática, como é que funcionava essa subordinação?

JRF – Cada vez que nós nos reuníamos, acabávamos brigando.

JC – Todo o grupo?

JRF – Não, não, não, eu e o Carlyle. Carlyle era difícil, não era fácil, não, nós tínhamos nossos pegazinhos, mas era puxão na orelha...

JC – Peraí, deixa eu entender, desse grupo aqui no Brasil

JRF – Alguém sempre tinha que ceder no final.

JC – Era subordinado a você em Washington?

JRF – Era, era.

JC – Era essa relação?

JRF - Mas obviamente aqui todos os programas de recursos humanos eram subordinados a mim, mas dentro de cada país o coordenador do programa tem total autonomia, não é? No caso, o Carlyle passou a atuar, usando o programa, a atuar muito mais como nacional, do que como internacional, apesar de estar pago em dólar. E a minha peleja com ele era essa, 'Ô, Carlyle você aqui é independente, você aqui não é brasileiro, você aqui é um funcionário internacional, você tem que pensar também nos interesses da OPS'. Não havia como. E com isso ele se meteu, muito integrado com o governo, numa série de coisas, formulou uns dois ou três planos, naquela época, o PREV-SAÚDE, não tinha?

JC – Ah, o PREV-SAÚDE.

JRF – Ele que andou fazendo aqueles planos. Então ele trabalhava mais para o governo fazendo planos do que para os recursos humanos. Até porque o pessoal, Roberto Nogueira tinha mais recursos humanos, Paranaguá e Isabel e etc, mas havia um certo frisson.

CH – Por exemplo, com relação a escolha de projetos financiados pelo PPREPS....

JRF – Ah, eles tinham autonomia total,

CH– Total.

JRF – Total, nunca interferi nisso.

CH – Uma coisa que eu notei, não sei se o senhor pode nos ajudar, eu vi que os projetos foram escolhidos, em 76, os primeiros projetos eram todos no Nordeste.

JRF – Ah, sim, era natural, a prioridade máxima nossa era o Nordeste.

CH – Havia, era...

JRF – Sempre foi. O Sul era autônomo, o Estado de São Paulo não precisava disso, o Rio, cheio de escolas, cheio de tudo, a ênfase realmente era uma melhor distribuição, mais equânime pro Brasil inteiro, é óbvio isso aí. Além do mais, ele era do Piauí.

FA – E as relações com os demais ministérios que integravam esse arranjo?

JRF – Ninguém deu bola pro troço. Só a Saúde que foi, uma participação maior de outros ministérios foi na administração da BIREME, que passou por fases críticas, quase fechou uma vez, e São Paulo teve uma atividade muito forte, o governo de São Paulo, e o Ministério da Educação também, na época. O Secretário de Ensino Superior era aquele de Uberlândia, como é o nome dele, Gladstone não sei o quê da Cunha [Gladstone Rodrigues da Cunha filho], né, Gladstone é quem salvou a BIREME. Foi o Gladstone, está entendendo? E ele, no final de uma reunião... o Ministério da Educação pagou, e ele tinha ingerência. No PPREPS, não, o PPREPS foi basicamente um projeto de educação, quero dizer, de saúde. No momento, isso é outra coisa que influenciou muito a introdução do projeto, foi um momento em que saúde não tinha nenhuma ingerência em recursos humanos, isso era um problema do Ministério da Educação, tanto enquanto a formação, como a legislação do Conselho Nacional de Educação, Comissão de Residência [Médica], tudo era puramente Ministério da Educação. A primeira tentativa de botar o Ministério da Saúde também envolvido foi o PPREPS. Agora hoje tem, como é que chama, é SGTES [Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde]

JC – SGTES

JRF – E durante muito tempo já vem funcionando recursos humanos no Ministério, mas no início era puramente Ministério da Educação que dominava.

CH – Ainda sobre o PPREPS, seus bastidores, suas bases, tem um acordo de cooperação que é assinado em 73, de cooperação técnica.

JRF – Não, mas, mas Ah, não, o acordo de 73 é global, é um acordo global com o Brasil. O PPREPS é em 74, 75.

CH – Exatamente, claro, aí tem um novo acordo, na verdade não é novo, é um complemento, assinado em 75. Esse de 75 cria o PPREPS efetivamente. Enfim, por que a cooperação parece que só vai funcionar a partir de 75? O de 73, a princípio, me parece, um instrumento mais de formalização.

JRF – Nós não tínhamos nem a proposta dele. O normal dos convênios era de 73, convênio absolutamente inócuo, neutro, que dizia, claro das boas intenções, de trabalhar não-sei-quê. Não era um projeto, é um acordo de cooperação, e pra aquela área inteira, sem especificar ações específicas. Já esse aqui, não, aqui é um projeto, que se preparou previamente, e sobre esse projeto foi feito um programa. São duas coisas inteiramente diferentes.

CH – A cooperação técnica e o projeto são diferentes. O acordo de 75...

JRF – Sim, sim, mas um não invalida o outro. O acordo de 73 continua existindo, segue existindo, ele dá cobertura à existência aqui, do Vidal, no caso, do representante. Uma pessoa dedicada a recursos humanos com um convênio geral. E aí vem o outro que é um programa específico, que foi inclusive desenhado por esse consultor, mas que passa a ter uma autonomia, para o qual se nomeia um grupo brasileiro pra coordenar.

JC – José Roberto, esse programa, esse projeto, sendo um projeto internacional mesmo com todas as letras, internacional significa que você falou que começava com Carlyle, mas tinha uma relação grande entre tudo, subordinado a você, lá em Washington, mesmo tendo muita autonomia, né? Ele se expandiu pra algum outro país, algum outro país teve interesse nessa experiência que aconteceu no Brasil e porquê?

JRF – É, depende muito também da força que a gente faça a nível central e de sentir a repercussão no país. De certa forma, eu diria que Cuba e Nicarágua sempre funcionaram assim. São países que, pela própria característica política e tal, é integrado, trabalha-se com o governo central e um programa global para todo o país, e o PPREPS foi feito depois da nossa experiência em Cuba e Nicarágua. Eram os dois países com que nós mais trabalhávamos. Tanto que, um pouco, isso refletiu aqui na criação do programa nacional do PPREPS, encontramos boa receptividade no governo, mas nos outros países não houve, nunca houve, a educação médica seguia por um lado, todos os outros países seguiam por outro. O PPREPS, desde logo, tem uma introdução muito importante, que não aparece nos programas básicos iniciais, mas surge surgem como uma coisa que conhecesse, desenvolvida a partir daqui. Nessa época nós estávamos introduzindo em Washington a idéia de promover pesquisa na área de recursos humanos, não havia pesquisa nessa época. E essa pesquisa, fundamentalmente, pensava-se em programa de pesquisa pedagógica, pesquisa orientada para o mercado de trabalho e surgiu o PPREPS propondo pesquisa em gestão de serviços de saúde. Primeira vez que na OPAS se fala em gestão de serviços de saúde é a partir do PPREPS. Isso foi definitivamente uma aquisição importante do PPREPS.

FA – Isso teve uma repercussão extensa?

JRF – Até hoje, até hoje. A OPAS não mexe mais com educação, praticamente não, fala um pouco sobre Cuba, morreu quase todo mundo que é do movimento principal, o forte hoje é gestão, que é um movimento que quase todos falam, o enfoque hoje é gestão. É verdade também que os tempos mudaram e, realmente, hoje há mais pressões e problemas nessa área do que na outra.

CH - José Roberto, o PPREPS era um programa que operou de forma descentralizada, não?

JRF – Sim.

CH – Fala-se até em GTs locais, quer dizer, grupos de técnicos de gestão local, nos estados, não é? Essa relação do GT central com os estados, você acompanhava mais de perto ou somente em relatórios técnicos parciais ou mesmo finais?

JRF – Eu não me envolvia nisso.

CH – Não se envolvia?

JRF – Até na medida em que o pessoal local aqui encontrava portas abertas pra entrar. Certamente, tinham alguns estados mais, que outros, ou seja que tinham relações muito boas, uns mais,outros menos, certamente, Piauí...

JC – Piauí.

JRF – Tinha também um pessoal muito forte de trabalhar, mas era pura decisão local. GT sempre foi o central, comissões nos estados eram mais tentando integrar Secretaria de Saúde com a universidade local, GTC foi o órgão principal central que acabou quando o Carlyle foi para Washington.

JC – José Roberto, pelo que eu estou lendo e escutando das entrevistas, PPREPS teve assim um exemplo fundamental na criação, não vou falar nem dos recursos humanos, mas de um departamento que trabalha com capacitação em recursos humanos na secretaria.

JRF - Sem dúvida alguma!

JC – E desses grupos pelos quais devem....

JRF – ...foi criado pelo PPREPS, sem dúvida alguma! Foi criado pelo PPREPS, quer dizer, a idéia de levar a problemática de recursos humanos pro setor saúde no Brasil, foi obra do PPREPS. Primeiro a nível central, fazendo com o Ministério da Saúde passasse a vincular-se ao problema, que nunca tinha relações com isso antes, até a criação da Secretaria de Recursos Humanos, como é que chamava? Unidade, departamento, sei lá, teve vários nomes. E, depois dali, nos estados, com essa integração da secretaria de saúde e universidade local, variando de um estado pra outro na conformação, mas com o PPREPS.

CH – Agora o PPREPS, formalmente, teve um prazo, que foi até 78, não é? Quando ele é renovado, e vai até o início da gestão do Carlyle, quer dizer, não são só acordos de cooperação técnica que são renovados sucessivamente....

JRF – ... no plano formal

CH - Muito bem, então qual o diagnóstico, a avaliação que o senhor fez? Na verdade, estou fazendo um recorte meu, que é institucional e formal, mas qual o recorte que o senhor faz do desenvolvimento do programa e quais as avaliações que o senhor realizou ao longo dele, pelo menos nessa primeira década de funcionamento?

JRF – Eu tenho dito, eu acho que ele teve uma contribuição excepcional em levar a problemática dos recursos humanos ao setor saúde...

CH – Mas eu estou pensando assim: na verdade, avaliação feita naquele momento, e menos a avaliação de alguém hoje, que está olhando para o passado, mas naquele contexto já era visível essa contribuição excepcional?

Entrevistadores: Isso já era visível em 1980.

JRF – Naquele instante já era visível?

FA – Em 1980.

JRF – Sem dúvida alguma! A idéia do planejamento, de levar o planejamento de recursos humanos aos estados, isso foi um trabalho essencialmente, que começou muito mais forte na área de integração docente-assistencial, que eu acho que se enfraqueceu depois, praticamente se retiraram do campo médico e de saúde pública, eu acho uma das falhas, trabalhou-se pouco no trabalho da Escola de Saúde Pública, devia ter entrado na área, mais do que... A saúde pública ficou um pouco relegado ao segundo plano. Mas quanto a levar recursos humanos a Ministério, eu acho que foi fundamental, o grande beneficio que o PPREPS trouxe, no caso do Brasil. Que no fundo era toda a experiência que se teve de Cuba. Cuba era o único país, naquele momento, que tinha recursos humanos no Ministério da Saúde e não no Ministério da Educação. Todo o resto era Ministério da Educação. E era muito mais lógico que o Ministério da Saúde assumisse. Pela situação que se via no Ministério da Educação, Saúde dizia assim: 'Nós precisamos defender a atenção básica'. Ministério da Educação dizia: 'Sim, programa de residência e forme especialistas'. São duas oposições totais. E até hoje, de certa forma, não é assim, talvez tenha diminuído um pouco com algumas residências e coletivas, essa era a marca, mas a ênfase da educação era a especialização universitária, a medicina acadêmica, e a ênfase de saúde era atenção básica. Como você pode conviver com essa coisa, não existe essa palavra, sem sentido! Virar o pêndulo pro lado da saúde, eu acho que foi uma obra fantástica, do PPREPS, esse do encontro pra levar a parte administrativa e coordenação, introduzir a investigação em gestão, que era outra coisa importante, quer dizer, então foi toda uma carga muito grande do trabalho que se teve.

FA – E isso acompanhando uma orientação da Organização? A Organização queria que a discussão ...

JRF – Eu diria que nós trazíamos a idéia de levar a saúde, sem dúvida alguma, isso era a ênfase que nós trazíamos da experiência, com Cuba e Nicarágua, mas, como é que se diz, o papel do próprio PPREPS foi autônomo. E eles, em si, tiveram condições, capacidade e interesse de manejar uma área que nós não sabíamos como manejar, comandar. Na nossa equipe em Washington nós não tínhamos ninguém trabalhando com a gestão. Quer dizer, o grupo primeiro que mexe, que entra, nessa linha é o PPREPS.

GH – Eu sou tentado a fazer uma pergunta que agora me passou na cabeça. Em 1975, 76, quer dizer, nesse momento a conjuntura no Brasil não é muito favorável, certas mudanças, você está falando logo de influência de Cuba e da Nicarágua, como experiência. Como é que Isso aparecia como problema?

JRF – Eu ponho a pergunta no sentido oposto. Como é que ENSP, Fiocruz e vários outros âmbitos da saúde no Brasil puderam fazer a reforma sanitária, como um movimento sanitário, durante a revolução militar? É igualzinho, é o mesmo problema. De um lado um certo descuido dos militares, que não viam saúde como um problema mais grave, de outro lado, a existência no Ministério de duas pessoas que foram muito importantes, que tinham convivido com todo esse problema, lógico, você não pode dizer que fossem de esquerda, mas que eram progressistas, que eram o Seixas e o Yunes, sem dúvida alguma, eles foram altamente colaboradores, altamente, sem a presença deles na cúpula do Ministério nós não teríamos como fazer isso, de jeito nenhum. Por aí entrou assim, como entrou o [Sergio] Arouca e influenciando a oitava Conferência [Nacional de Saúde], como uma pessoa, como um Ministro que era um ministro conservador, que era o Roberto Santos, mas conseguiu, e fez.

GH – A minha pergunta seria continua, quer dizer, a Organização, como fiadora, vamos dizer, tem um papel importante pra esse período, como...?

JRF – Recursos humanos era a ovelha negra da Organização, sempre foi. Não tinha o respaldo total da Organização, mas como tínhamos grande autonomia, nunca houve essa coisa maior de atrito, mas éramos mal-vistos dentro da Organização, nesse sentido.

FA – Do ponto de vista de recursos também, era uma área...

JRF – Não, era uma área com muito recurso, muito recurso.

FA – Então era uma ovelha negra com bastante capacidade de ....

JRF – Porque o diretor não tem como reduzir os recursos, eles são mais ou menos fixados no orçamento, o orçamento é discutido ano a ano. Quer dizer, pode diminuir o quê, cinco por cento, dez por cento? Não, não tem como diminuir, e aquilo é votado pelos países, então você que apresenta o orçamento dos países é o coordenador de cada programa. Aí eu vou, apresento o programa de recursos humanos, com determinado orçamento, no Conselho, a menos que eles consigam que meia dúzia de conselheiros levante e fique em total oposição, como aconteceu uma só vez, fora isso não tem jeito, está aprovado. E a única vez que aconteceu, foi justamente contra um brasileiro, mas esse era o contrário, esse era um brasileiro que era ultra-conservador e que pronunciava as seguintes palavras: o “Horwitz levou para cá, criar a universidade pan-americana da saúde, e que ao apresentar o programa no Conselho, o Conselho derrubou o programa.

FIM DA FITA 2/LADO A


FITA 2/LADO B

JC – Tenho uma pergunta, de ordem da organização, sempre quis saber: como é que se dá a relação, como seria nos tempos de hoje, a relação, Programa Recursos Humanos Washington / Programa recursos Humanos Brasil? E eu não sei se eu estou usando “programa” da forma mais adequada, estou só tentando chamar o nome de cooperação, programa depois de 94, estou dizendo cooperação.

JRF – [...] Não há assim uma influência direta ao sentido de reter. O programa partiu de um documento feito por Washington, documento que Vidal preparou com respaldo nosso. Daí em diante ele foi sofrendo as adaptações, e vários artigos. Periodicamente, eu vinha cá, eu ou outro, discutíamos com o grupo, acertávamos os ponteiros, inclusive eles também iam lá, visitavam outros países, participavam de seminários que se faziam em outros países, então era um certo acordo do que se continuou fazendo. Em alguns momentos havia um ou outro desacordo, por questões que eu comentei na integração docente-assistencial, mas fora isso, a autonomia do grupo local com o programa era muito grande, entre outras coisas, porque eles estão subordinados ao Ministério, em última análise quem dava o aval final era o Ministério, e chegou a situações que nós tivemos que reunir com o Seixas pra decidir o que se fazia.

JC – [..] gostaria de saber, não, não especificamente do PPREPS, eu usei a palavra programa e confundi a pergunta, como é que se dá a relação da área de recursos humanos, o setor de recursos humanos, o departamento de Washington, e o programa de recursos humanos aqui no Brasil? Quer dizer, com a área que [José] Paranaguá [de Santana] hoje coordena, não é? Como é que se dá essa relação, tem alguma relação estabelecida ou não existe isso?

JRF – Eu hoje estou fora, não sei, mas eu tenho a impressão de que, um pouco pela tradição que ficou do PPREPS, Washington se mete muito pouco aqui, com o Paranaguá. E não há assim um regime de integração, de amizade total, pelo contrário, Washington desinteressadíssimo com essa área. E Paranaguá desenvolveu um programa que é muito peculiar dele. Ele trabalha com as redes, seis ou sete redes, né? A partir do Observatório [de Recursos Humanos], observatório também ficou muito cético e inicialmente brasileiro, e Washington aceita. Isso aí só toma mesmo a parte do Observatório... dos demais países, o resto nem toma conhecimento. Paranaguá é bem autônomo, inclusive está pensando seriamente em sair da OPAS e fazer alguma coisa conosco na FIOCRUZ financiado pela OPAS. Pedro Brito, que é o homem forte no momento na área de recursos humanos, não faz recursos humanos, na verdade, se uniu com Daniel Lopes da Cunha e hoje está encarregado de planificação estratégica. Deixou a coisa toda nas mãos de Chaves Godim, que é relativamente débil, fraco e não vai brigar, não vai fazer nada de especial, e se sentou mais pra escola de saúde pública e com o Canadá. E por aí vai. Não fazemos interferência maior.

GH – Você tinha falado muito, desde o início, a gente até brincou com a idéia do que é cooperação, o que não é. Eu fiquei com isso na cabeça, e isso é um problema pra gente, como estar lidando com o PPREPS e essa história, quer dizer, no caso o PPREPS, é um problema. Como o senhor avalia? Era um programa de cooperação, cooperação técnica, já se pode nesse momento, já se podia falar antes? Há um padrão para isto?

JRF – Embora tenha tintas de assistência técnica, e uma série de coisas foram de certa forma trazidas pelo Grupo Técnico do Programa e eu acho que é talvez dos que mais se aproximem realmente com a cooperação, sem dúvida alguma. Foi feito em muito comum acordo, trabalho com os estados, o diálogo com uma série de seminários que eram muito freqüentes. Eu acho que, nesse ponto...

GH – Então, para o senhor, o que definiria cooperação técnica?

JRF – A cooperação aqui é a horizontalidade do programa. A evolução da cooperação internacional, ela começa com uma visão essencialmente filantrópica, em que algumas fundações, isso por aí começa com o Egito, em 1800 e qualquer coisa, 1846, se não me engano, a criação do primeiro núcleo de ação internacional pra controle de doenças sanitárias, pela questão do comércio, né? E depois a [Fundação ]Rockefeller e o Instituto Pasteur começam a oferecer ajuda aos países, sempre com caráter filantrópico, e vem do norte pro sul. Pra você ter uma idéia, dando um salto no tempo, estou falando de 1800, 1900, aí de repente dá um salto, você pega hoje, todas as universidades americanas têm um departamento de saúde internacional. Você vai a eles, e foi feito isso, num livro nosso de saúde internacional, você vai analisar o por quê desse departamento. E eles te explicam que o negócio é que existem duas saúdes: a saúde deles e a saúde dos outros. A saúde deles é a saúde é do pessoal ali, tem doenças infecciosas, tem programa de nutrição, de obesidade e tal, e saúde dos outros, que são infectados, que são contagiosos, etc. Então em função disso tem que fazer pra você equilibrar as condições do comércio entre as duas situações. Isso, imposto deles e de lá, primeiro pelas fundações, depois pelo governo americano, sempre trazendo soluções pré-definidas, com fórmulas que se aplicam aos países. Isso evolui depois, quando se criam os organismos internacionais, a OPAS é de 1902, a OMS é de 1948, evolui para assistência técnica. E que num ambiente multilateral, eles já não têm mais a coisa de imposição total, há uma participação relativa dos países que constituem os Conselhos, que são fóruns deliberativos, Conselho Diretor, Conselho Executivo, etc, e, mas ainda assim, as soluções continuam a ser soluções trazidas do mundo desenvolvido para o mundo em desenvolvimento. Na medida em que passa o tempo, e com a modernidade, se vem desenvolvendo mais na própria América Latina, e alguns países em desenvolvimento se começa a dispor, no Sul, também, de gente capacitada. E essa gente começa então a assumir diretamente parte desse processo de cooperação, a tal ponto que a OPAS, talvez nesse ponto seja a mais progressista de todas, tem muito mais. Quer dizer, há uma totalidade de consultores latino-americanos, mais do que norte-americanos. Então isso de certa forma permitiu que, mesmo no nível da cooperação multilateral, se desse uma certa horizontalidade, uma discussão entre iguais, com culturas iguais, com domínio do mesmo idioma, embora ainda mantendo-se o “internacional”, ele é o projetor, ele é o que entende do assunto, e o outro não. Por exemplo, primeira vez que eu vim à Escola Nacional de Saúde Pública [ENSP/FIOCRUZ], trabalhava comigo um chileno, era o Jean Pilet. Ele era o coordenador de educação em recursos humanos nessa área, quando chegava o Pilet, o Mário Sareti dizia: 'Chegou Jesus, quando é que vem Deus?' [risos] Isso pra você ver como é que o nacional aceita o troço. Agora, a tendência, depois veio, vários outros, os próprios multilaterais começam a buscar mecanismos de trabalho que permitam uma maior co-participação, compartilhar mais o processo decisório e implementação. Então começa a se criar várias formas, primeiro na América se cria os centros multinacionais. São entidades totalmente nacionais, latino-americanas, o primeiro deles foi o INCAP Instituto de Nutrição da América Central e Panamá, na Guatemala, depois se criou o Centro Pan-americano de Febre Aftosa, aqui no Brasil; se criou o Centro de Qualificação no Chile, se criou o Centro Pan-americano de Engenharia Sanitária e Ciências do Ambiente, no Peru, se criou o Centro de Epidemiologia do Caribe - CAREC, se criou um outro de ecologia no México, então esses centros passaram a ser núcleos de pessoal latino-americano, funcionando no próprio país, com recursos mais vultuosos do que os normais. Totalmente financiado desde fora pelo componente internacional, que estaria em condições de propiciar, de oferecer cooperação, de igual pra igual, porque também eram nacionais na América Latina, etc. Mas se mantém de certa forma o caráter de quem sabe mais do que os outros, diferença pelo menos em termos de domínio da matéria, e com a crítica de que, por serem totalmente financiados por organismo internacional, passa a ser muito dispendioso para a Organização manter esses centros. Quatro ou cinco deles já foram fechados e hoje a tendência é que caminhem pra acabar, ou pelo menos para serem absorvidos pelo governo. Devem funcionar como instituição nacional. O segundo recurso que surge são os centros da OMS [Organização Mundial da Saúde]. A OMS disse: bem, vamos fazer a mesma coisa, mas ao invés da gente financiar, a gente identifica núcleos de grande desenvolvimento, dá o caráter de centro internacional, e só entra pra financiar quando tiver que aportar algum componente específico de cooperação técnica. Hoje tem mais de duzentos colaboradores. Acontece que, primeiro, o processo de criação é um negócio que, hoje em dia, depende primeiro do país, que tem que apresentar a proposta. Ela é aprovado no nível de representação, vai pro regional, Washington etc, é aprovado nesse nível, depois vai pra Genebra, em Genebra é analisado pelos seis diretores regionais da OMS e depois de aprovado nesse nível vai pro Conselho. Aí é aprovado no Conselho. Daí em diante, o coordenador do Centro, nesse momento, tem direito a botar uma placa na parede, dizendo que é centro colaborador da OMS. Depois não acontece mais nada. Na grande maioria dos casos é assim. Paralelamente a isso, a OPAS cria um outro mecanismo que é o TCC [Technical Cooperation among Countries]. O TCC, todos esses, reparem, procurando chegar a permitir que esse intercâmbio entre nacionais, entre iguais, realizando a cooperação. O TCC é uma atividade desenvolvida, como agora, em comum acordo entre dois países, no caso Chile e Brasil, que tem que ser aprovado pelo representante no Chile e o representante no Brasil, e que o financiamento tem que ser feito à custa do orçamento da OPAS para os outros países, em partes iguais, mais ou menos iguais. Outra vez, é tremendamente lento o processo, as coisas não se decidem em tempo, às vezes fica na dependência de um Ministério aprovar ou não aprovar, e termina não se concretizando nunca, então não está funcionando, mas é um dos mecanismos que existe. Depois disso, o seguinte que vem são as redes. Envolvendo muito a idéia de formar rede, também com pouco resultado, e estamos parados por aí. O que nós estamos defendendo atualmente nesse processo, fazendo uma discussão que já vem há mais de um ano, quase dois anos, um grupo de trabalho chamado Pacto para el siglo XXI. O que nós estamos defendendo é justamente isso, a maior participação de grupos nacionais, previamente selecionados, mas buscando mecanismos que permitam a esses grupos nacionais, em rede, representando mais de um país, participem do processo decisório. Porque o que há, a diferença, é que se consegue chegar até o nível de permitir que os nacionais participem na cooperação, na entrega da cooperação. Mas a decisão continua sendo lá em cima. Então, quer dizer, a demanda, ou o reconhecimento da relevância ou a necessidade da ação está aqui em baixo, a decisão está aqui em cima. Não há a integração das duas coisas, entende? Então, como é que se podia constituir? Por exemplo, toma as áreas principais: promoção da saúde, o desenvolvimento dos serviços de saúde, recursos humanos, materno-infantil, cada uma dessas áreas pega os núcleos principais dos vários países, quatro, cinco, seis, oito, quantos sejam necessários, se reúnem pelo menos uma vez por ano por grupos representativos e definem prioridades. Uma vez definidas as prioridades, se trabalha sobre aquelas prioridades na promoção da cooperação técnica. E as decisões que são tomadas lá em cima no colegiado central terão que estar sempre alimentadas pelos grupos nacionais que estão em baixo, que são ao mesmo tempo identificadores de processo. Isso está em discussão. A entrada disso vai ser complexa, mas está em discussão.

FA - Como é que o senhor se coloca com relação a certas alternativas que o senhor acabou de enunciar, por exemplo, com relação à desmobilização dos centros nacionais, dos países?

JRF – Os centros surgiram aleatoriamente. Não surgiram em função de uma necessidade sentida. Por exemplo, o CLAP. CLAP é o Centro de Perinatologia e Desenvolvimento Humano, no Uruguai. O governo do Uruguai passou também por uma crise política igual a nossa aqui, os militares tomaram o poder. O grupo do CLAP era um grupo de esquerda, então tinha que sair do país, e eventualmente negociaram a transferência deles para uma universidade no Arizona. O [Abraham] Horwitz, na época, era diretor, foi um dos grandes diretores que a OPAS teve, soube da história toda, disse, 'Não, vocês não vão sair daí. Vocês fiquem aí e eu assumo o financiamento total do Centro', e criou o centro. Então, foi criado por uma circunstância do momento, de uma situação política. E assim, vários outros. O Centro de Educação do Chile, o Centro de Engenharia Sanitária, de modo que...

FA – Mesmo a BIREME [Biblioteca Regional de Medicina]?

JRF – Não, BIREME não. BIREME também foi, mas na época não havia cobertura adequada. Agora, hoje em dia, é meio discutível, né? Hoje em dia você tem Internet, você acessa qualquer sistema de programa que você queira no mundo, por que nós temos que pagar, gastar um dinheirão para fazer BIREME? BIREME tem dinheiro pra isso. Mudou, a perspectiva mudou. Ela foi muito importante numa fase inicial, o Brasil usa muito pouco...

JC – Verdade.

FA – Sobre esta discussão entorno, ainda, da sua experiência na condução de dois projetos na área da comunicação científica, sobretudo o PALTEX [Programa de Livros Textos], e a própria BIREME, o senhor mencionou que a eleição dos títulos, a própria discussão em torno da definição da linha editorial, digamos assim, do PALTEX era feita por especialistas que conseguiram quase criar documentos de referência que às vezes são citados na literatura como marcos teóricos. A discussão gera um documento que quase que organiza o ensino de determinada disciplina. Como é que a discussão em torno de periódicos acompanhava a discussão sobre o ensino médico? Como é que isso acontecia? Ou era uma coisa natural, tem que ter revista...?

JRF – Não, não, não. Era muito pouco. Primeiro porque as revistas que existiam são revistas de clínica, de medicina, de biologia médica, ciências biomédicas, artigos relativos a Educação Médica, raríssimamente. O Roberto Nogueira fez um estudo sobre bibliografia, durante não sei quantos anos, na área de recursos humanos, era ridículo. Em vinte anos, você somava dez artigos. Enquanto que Educação Médica e Saúde, sozinha, tinha isso por ano, por mês, quer dizer, por número. De modo que era muito baixa a produção. A única coisa que existia, no caso, nesse flanco era a [Revista] Educação Médica e Saúde, aqui e a Revista Americana de Educação Médica também. E na Inglaterra, e mais recentemente a da Colômbia e do México. Foi quando então, a OPAS começou a achar que já não precisava mais, Brasil também não, né? Revista de educação médica, não sei, se sai regularmente, quer dizer...

JC – Acho que não.

JRF – Mas então, como já havia uma implicância com Educação Médica e Saúde, aproveitaram pra eliminá-la de vez. Uma pena porque era uma revista que colaborou muito com toda essa coisa. O debate foi mantido amplamente na região em função do trabalho do departamento.

FA- Deixa eu colocar um pouco diferente a questão. Por volta dos anos 70, acho que início dos 80, sob a sua liderança, a OPAS faz bastante discussão sobre informação biomédica, que depois vai ser publicada na própria Educação Médica e Saúde, num número especial, o senhor fazia o editorial de abertura....

JRF – Sobre informação biomédica?

FA – Sobre informação biomédica, informação, epidemiológica...

JRF – É? Não lembro disso não.

FA – No editorial, o comentário que o autor faz , quer dizer...

GH – Ele vai dizer que “eu não escrevi...”

JRF – Não, não!

GH – Eu estou brincando...

FA – Por exemplo, de introduzir os temas da medicina social e da medicina preventiva na literatura trabalhada...

JRF – Ah! Sempre foi a nossa linha. Você sabe que nós começamos a fazer BIREME e fomos analisar todo o acervo. Sabe que não tinha nenhuma revista de saúde pública?

FA – Como é que era...

JRF – Ridículo! E por um motivo muito simples: a rede, a base é feita na biblioteca da Faculdade Nacional de Medicina, todos eles de medicina clínica, fazem pesquisa básica aplicada à medicina clínica! Não tem saúde publica lá! Apesar de que pertence ao Health Service. Saúde pública nos Estados Unidos é palavra feia. Público lá é meio perigoso, qualquer coisa pública é mal vista. De modo que, a nossa dúvida era nesse sentido, de que BIREME, por melhor que ele criasse o acervo de biblioteca dessas áreas, que eram pobres no Brasil, não cobriam esse campo. Nós mesmos, aqui no Brasil, quando foi feita a seleção da BIREME, estavam em jogo a Fiocruz, a Escola Paulista e a USP. E qualquer das três tinha maior acervo em saúde publica do que a National Library of Medicine. E lá foi fácil, estava só medicina clínica e ciências biomédicas.

FA – Isso deve ter gerado uma tensão enorme de gerenciamento....

JRF – Você não imagina o quanto. Foi tremenda a pressão. Fizeram campanha contra mim, diretor da National Library of Medicine. Foi tremenda. Até que BIREME se determinou, não só pelo trabalho nosso. Graças a uma figura, uma figura diferencial, um homem velhinho, acho que ainda está vivo, que é o Kerr White. Você já ouviu falar em Kerr White?

FA – Não.

JRF – Mas vocês já ouviram falar num negócio desses? Vocês já viram certamente por aí, todo mundo fala nisso. Num cubo, sobretudo de atenção médica, é um cubo que mostra como se dá a atenção médica. Se esse cubo representa a população inteira de uma determinada região, uma determinada porcentagem está permanentemente com algum problema de saúde, desses, uma porcentagem menor chega a ir ao médico, uma porcentagem x, menor, vai a determinado hospital, e um por cento chega a um hospital acadêmico universitário. E com esse um por cento se ensina a medicina que atende a todos. Isso é do Kerr White, baseado num estudo que ele fez em nove países, Brasil foi um deles, sobre a distribuição de atenção médica. Kerr White assumiu a coordenação do programa de saúde da [Fundação] Rockefeller. Ele era um canadense, inimigo do diretor da National Library of Medicine, sabia da briga que nós levamos. Ele disse, 'Olha eu vou respaldar vocês, nós vamos mudar. Nos deu inicialmente 70 mil dólares, e depois ampliou mais. Criamos um comitê, aqui com BIREME, chamamos gente do ministério, gente de fora, e tudo, pra reformulação do que era BIREME. Naquela época, BIREME trabalhava com cinco discos duros, custava uma faca, não me lembro quanto era, e estava esgotado o disco. Nós tínhamos que comprar mais dois discos, não tínhamos dinheiro. Ele disse: 'Vamos acabar com tudo isso'. Comprou, depois se ampliou pra mais dois computadores, que na época era mini, não era micro, era mini computadores, e começamos a avançar em todo esse desenvolvimento novo de BIREME, que ela hoje independe praticamente do trabalho da Rockefeller.

FA – Diretor Martin Cummings

JRF – Martin Cummings.

FA - E esse grupo é o novo....

JRF – É, esse aí. Você estão por dentro, heim?

FA – É eu estou estudando a BIREME.

GH – Fazendo uma dissertação sobre as origens da BIREME.

JRF – Isso foi com o Kerr White.

CH – O senhor fez referência a pouco a medicina social. Pensando sobre a criação do Instituto de Medicina Social na UERJ em 73, pelo que consta, foi também uma iniciativa ou teve patrocínio da OPAS, bem como da Fundação Kellog também....

JRF – Não, basicamente foi a OPAS, logo veio depois Kellog. Comentei isso aqui en passant, rapidamente. Quando [Juan] César Garcia desenvolveu durante cinco anos seu estudo de educação médica na América Latina, ele era muito irrequieto, ele tinha uma cabeça fantástica, nunca aceitou ficar só fazendo o estudo, botou o pessoal pra fazer o estudo e ele se dedicava a outras coisas. Começou uma série de seminários, sendo que dois deles ficaram famosos, foram os seminários de Cuenca, o primeiro foi em 1969, talvez, 70, e o segundo já em 1978, dez anos depois. É, exatamente, 68 e 78. E ele promoveu, a partir desses seminários nacionais, ele promoveu a criação de três programas de pós-grado em medicina social: do México; aqui, que foi o primeiro; e teve o do Equador. Até hoje esses três são os três programas líderes em medicina social na América Latina. Depois, obviamente, conseguiu recursos de outras fontes, Kellogs, etc, mas foi basicamente produzido e criado por César. No caso aqui do Brasil, [Carlos] Vidal participou muito intensamente com ele no programa, está escrito no livro também. E aí trouxeram gente de primeira qualidade, do mundo inteiro. O do Rio foi o primeiro, inclusive o do Rio, não sei se vocês sabem disso, mas quando foi criado, o chefe do programa era o Nelson Moraes, que nunca se meteu com o Instituto de Medicina Social, pelo contrário, eu acho que deve, sem dúvida, ter se oposto à idéia, mas deixou que tocasse. O diretor da escola era Piquet Carneiro, um homem liberal, humanista, tudo bem, apoiou muito a coisa. E eles começaram a tocar o programa, Hésio [Cordeiro], Nina Pereira Nunes, nenhum deles com formação de ciências sociais. Então, no primeiro ano do programa, a OPAS trouxe, se não me engano, oito bolsistas de fora. E os bolsistas de fora, mais eles, se reuniram todos como alunos, e o programa foi desenvolvido por eles, alunos. Vidal descreve isso no livro, muito interessante a forma que ele escreveu, 'Pessoal, aplique, está terminando o ano, a bolsa vai acabar, não tem programa ainda, como...' Aí o Vidal conseguiu que a bolsa fosse renovada por mais um ano, então eles fizeram mestrado em dois anos, e aí conseguiram formar o primeiro curso. Criado pelos próprios alunos.

CH – Quando o programa passa a titular, não mais em medicina social, mas sim em saúde coletiva, isso eu acho que já era primeira metade dos anos 80...

JRF – Não isso é outra coisa, isso já vem com [Sérgio] Arouca, reforma sanitária, movimento sanitário. Como é que chama essa menina, Sonia [Fleury]. Escreveu muito bem na aula inaugural dela é..., você estava lá trás, né?

JC – José Roberto, eu queria voltar um pouquinho no Larga Escala. Foi muito en passant, né?

JRF – Sei pouco sobre isso, não posso falar.

JC – Não exatamente sobre o Larga Escala, mas alguma idéia assim...

JRF – Até hoje eu não sei porque que se chama Larga Escala, prefiro ficar quieto.

JC – O projeto, na realidade, era um projeto de formação, em nível médio, mas em grande escala, grande quantidade, não, né, e depois pegou o apelido Larga Escala, primeiro teve a explicação que a Izabel [dos Santos] dá..., né?

JRF – Eu sei a filosofia do programa, quer dizer, que é de você centrar no próprio trabalho, não é aquela coisa: pessoal que não tinha formação secundária completa, você completava a educação secundária para então depois levar a saúde, que era basicamente empírica, né? Se trabalhava com aquela...

JC – É, basicamente. Mas a minha pergunta é o seguinte: um projeto muito grande no Brasil, inclusive o primeiro centro de formação, que foi lá Piauí, né, em 1974, ou seja, a terra do Carlyle [Guerra de Macedo]....

JRF – Como é que chamava a moça, muito ativa?

JC – Maria Vieira.

JRF – Essa aí depois criou até uma escola lá, né?

JC – No Piauí? Maria Vieira,

JRF – É. Essa aí, então.

JC – Que era muito amiga, até hoje, da Izabel, até hoje. A minha pergunta é a seguinte: esse projeto, ele foi assumido pela OPAS em Washington, ela via como mais um desses projetos que você disse, disse que ela nem conhece?

JRF – Esse foi um projeto muito, muito badalado, por nós também, inclusive nós levamos depois pra lá, quem participou com a Izabel aqui, logo no princípio, aquela Argentina...?

JC – Cristina Lavínia

JRF – Cristina Lavínia. Levamos Cristina pra lá, junto com Maria Alice Rocha Mello, para ter uma pessoa que ficasse baseada na mesma filosofia...

JC – Então, esse projeto ele teve alguma repercussão, teve algum diálogo com os países, por que a Cristina, argentina, mora na Argentina, né?


JRF – Não tem solução.

JC – Não tem solução?

JRF – Que eu saiba, a idéia de você trabalhar com educação centrado no eixo do trabalho, se você tem, em vários outros países, inclusive no trabalho da própria OPS, mas um programa Larga Escala como o tal, eu não me lembro de ter visto em outros países. Entre outras coisas, você conhece bem a Izabel, a Izabel tem horror de viajar e muito menos fala espanhol, ela nunca falaria espanhol na vida. De fato que...

JC – Izabel só falaria em francês...

JRF – Espanhol é mais fácil. De modo que não tinha como, não é só ela não, [José] Paranaguá, por exemplo, não gosta de falar espanhol, trabalha na OPS há vinte anos e não quer falar espanhol até hoje. De modo que, quem ia divulgar a coisa lá, se os fundadores estão aqui fechados, né, acho que não, não teve assim maior, como tal, não apareceu...

JC – sobre questões particulares, eu gostaria de entender se havia alguma particularidade nos países de não absorverem o projeto, mesmo adaptando às suas...

JRF – Eu tenho a impressão que não, não surgiu, assim não, não detectaram a necessidade talvez, né? Embora ela exista, certamente, porque você tem o problema de todo lado, mas não, não foi ressaltado como uma prioridade do país. Que eu me lembre, eu não vi aplicado em nenhuma outra parte.

JC – É, o Larga Escala na época - eu estou tentando esclarecer um pouco como essa relação com a OPAS - ele era visto como um programa de cooperação da OPAS, né, cooperação técnica?

JRF – É.

JC – O Profae [Programa de Formação de Auxiliares de Enfermagem] agora já é um programa mais dentro do Ministério da Saúde, né? Mesmo assim ele está sendo levado para outros países, me parece que vocês estão trabalhando a relação com a África no Profae.


FIM DA FITA 2/LADO B

Entrevista 3

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PROJETO:

HISTÓRIA DA COOPERAÇÃO TÉCNICA EM RECURSOS HUMANOS EM SAÚDE NO BRASIL

Data:

15 de Março 2005

Depoente:
JRF - José Roberto Ferreira

Entrevistadores:
CH – Carlos Henrique Assunção Paiva
FA – Fernando Pires Alves
GH – Gilberto Hochman
JC - Janete Lima de Castro

N° da Entrevista:
Código: 3 / 4


FITA 3/LADO A

JRF - Pensamos até hoje, e agora quem sabe isso? Estamos, agora, nesse ano ainda, no primeiro semestre acabou de ser eleito o novo diretor regional da África da OMS, um camarada da Angola [Luis Gomes Sambo], que inclusive foi colega de trabalho de uma pessoa que trabalha aqui conosco, na UNICEF. Estamos pensando em trazê-lo aqui para discutir nossos programas. A Mirta [Roses] gostaria que o pessoal de Washington integrasse isso. Sempre trabalharmos nesse projeto na reunião da África. Em Genebra tem gente que também está interessada em promover isso. Há muitas dificuldades em poder fazer isso nos países de língua inglesa, e não vejo como. Agora, nos países portugueses isso é possível.

FA – Que tipo de presença teria ele nos primeiros anos de sua participação, esse movimento de escolas médicas no Brasil e na América Latina? E de que maneira se pode pensar a introdução dos esquemas da medicina preventiva nesse movimento? Essas coisas não estão fazendo muito sentido para mim.

JRF – Presidente da medicina preventiva era um chato. Eu não estava metido diretamente na história, não sei se foi uma reunião aqui no Brasil. Só sei que o Zeferino Vaz estava metido até a alma com a idéia de criar na Organização Pan-Americana da Saúde, junto com Ernani Braga e com o diretor, na época, da Associação Americana de Escolas Médicas. Houve a reunião de Viña Del Mar, não sei se já levaram essa idéia para lá, ou se surgiu lá mesmo, só sei que nessa reunião de Viña Del Mar, além do Zeferino, estava o [Marcio Valadares] Versiani Caldeira, diretor de Belo Horizonte, o Maciel, um gaúcho que competia com o Maciel, esqueci o nome dele agora. Ele dizia que era o homem mais bonito do Brasil.

JRF - Teve um grupo grande de brasileiros nessa reunião. O diretor era o Alexander e o sub-diretor era um sujeito que depois assumiu a sub-reitoria da Escola de Medicina do Chile, uma escola muito importante naquele momento. Nessa reunião se criam as bases da FEPAFEM [Federação Pan-Americana de Associações de Faculdades e Escolas de Medicina], que só foi criada na reunião seguinte, mas nessa se criam as bases da FEPAFEM. Surgiu a idéia de criar associações nacionais, inclusive o pessoal sai dessa reunião convencido de que Zeferino Vaz seria o diretor da Associação Brasileira de Escolas Médicas, que se criaria a partir daí. Não sei que virada que se deu no Chile até aqui, no avião, contudo a coisa virou. Quando chegou no Brasil, o diretor da Associação Brasileira de Escolas Médicas foi o Versiani Caldeira, de Belo Horizonte. Deu uma rasteira no Zeferino Vaz. Mas [Amador] Neghme ficou com força total como primeiro presidente da FEPAPEM. Além do mais, por ser chileno, na realidade ele era muito ligado ao [Abraham] Horwitz, diretor da Organização Pan-Americana da Saúde, que foi quem respaldou a criação da FEPAPEM, e que trouxe para a Federação o apoio da [Fundação] Rockefeller e da [Fundação] Kellog, etc. Por isso ele tinha força total. Em decorrência desse processo, veio a pré-conferência de Poços de Caldas em 64, quando se formaliza a Primeira Conferência Pan-Americana de Educação Médica da FEPAPEM. Eu busquei o Neghme de carro, no aeroporto de São Paulo, para levá-lo até Poços de Caldas. Foi um sofrimento porque ele era um homem de cento e cinqüenta quilos por aí, e ultra-chato, nunca na vida ele passou a idéia de que poderia sorrir, ou fazer alguma coisa menos chata do que parasitologia. Então, criou-se a FEPAPEM. Ele foi reeleito, duas vezes para diretor da FEPAPEM, manejou todo o processo de criação de todas associações latino-americanas de educação médicas nacionais. E, no final de tudo isso, quando se aposentou da escola e já estava deixando a FEPAPEM, o Horwitz o convidou para dirigir a BIREME. Ele era o segundo diretor, pois já tinha tido um outro antes, que era o cara que ajudou a criar. Diretor que dirigia com mão de ferro. Tratava-se de um ditador que entendia muito pouco do assunto na realidade. Tocava o troço de acordo com sua experiência. Era uma cientista, mas de literatura e bibliografia, não tinha nenhuma formação.

FA – A militância em torno dos temas mais ligados ao social convivia com o pensamento conservador no ensino da medicina dentro dessas associações?

JRF – Sim, nessa época foram realizados seminários, um dos primeiros foi no Chile. A alma disso estava na mão do [Ramón] Villareal em Washington, do Pedreira de Freitas em Ribeirão Preto e do Santiago Renjifo na Colômbia. Santiago Renjifo criou o programa de medicina preventiva de Cáli, com a Vila de Candelária, que foi o primeiro laboratório de comunidades que se criava na América Latina, a mesma coisa fez o Pedreira de Freitas em Ribeirão Preto. Ele não avançou mais, porque absorveu a idéia que correspondia à área da medicina preventiva, o controle total do sistema de saúde, inclusive nos hospitais. Infelizmente o Pedreira morreu muito cedo, mas deixou um grupo importante, assistente dele. Até hoje tem gente boa que saiu de Ribeirão. Na época, Ribeirão e Cali eram os dois centros mundiais de atenção de medicina preventiva. Em Cali se dizia que a faculdade de medicina tinha sido criada recente, mas as duas foram criadas no mesmo ano praticamente. Na faculdade de Cali havia um departamento de medicina preventiva com uma faculdade de ciências da medicina agregada.

JC – Olhando de Washington, para o período de sua gestão e a partir, quais são as principais experiências que você identificaria na cooperação técnica de recursos humanos no Brasil, desde o PPREPS até agora?

JRF – Para mim o PPREPS está lá até hoje, o PPREPS é o Paranaguá.

JC – Porque, formalmente, o PPREPS termina no início da década de 80?

JRF – Não, que o que mudou foi à ida de Carlyle para Washington. De imediato acaba todos os postos internacionais, menos o de César Vieira, que fica na direção do PPREPS mantendo o status e salário internacional, que tinham o Carlyle e todos os demais. Os demais passam a ser funcionários nacionais. O Carlyle cria essa figura nesse momento. Por isso se amplia, vem mais gente. Depois veio o programa e tudo mais. Passado um ano, Carlyle chama o César Vieira para Washington. Então, Roberto Nogueira assume a direção por um tempo relativamente curto. E tudo continua funcionando. Já estou falando de 82, 83, 84. Carlyle vai para Washington em 82. Continua como PPREPS, com convênio assinado. Talvez o nome PPREPS vai morrendo, mas continua o grupo de trabalho, com a Izabel Santos, por mais dez anos, com o Paranaguá, que está até hoje, com o Roberto Nogueira, que fica até ir para Washington. A diluição do PPREPS se faz aos poucos, mas não de modo a chegar ao fim. O Carlyle foi embora e acabou o convênio, não existe. Contudo, o que deixou de haver, foi a coisa de transferir dinheiro brasileiro para OPAS, para ser transformado em salário. Os salários passaram a ser pagos em moeda nacional. Mas pela OPAS, com o dinheiro dela diretamente.O salário é muito baixo.

GH – Isso foi um problema para a montagem da equipe?

JRF – Isso até hoje é um problema que se generalizou. Hoje em todos os países você tem mais funcionários nacionais do que internacionais. Isso é uma das coisas que se está criticando tremendamente. Quando nós criamos, criamos com a figura do funcionário internacional, embora fosse brasileiro. E como era uma coisa eventual, limitada, o dinheiro era brasileiro, então não fazia mal que eles fossem também brasileiros, embora pagassem a um nível de salário internacional para tornar o salário competitivo e, dessa forma, ter melhor qualidade de pessoal possível. Hoje você tem, em todos os países, funcionários nacionais, sem nenhuma garantia de tempo de serviço, de seguro-saúde, de pensões, de aposentadorias, não tem nada, não tem nenhum direito, a não ser um salário muito inferior ao salário dos outros funcionários. Isso é uma coisa ruim, que foi se perpetuando.

JC – Qual foi o papel da OPAS nas conferências de recursos humanos, ou seja, na primeira e na segunda ?

JRF – Nessa época já existia a direção de recursos humanos do Ministério da Saúde, e o organismo de apoio era o PPREPS. Inclusive, o relator foi o Roberto Nogueira, não sei em qual das duas, representando o PPREPS. O PPREPS para mim, não acabou não, continuou. Diminui o número de pessoas, diminui-se a função dele, perdeu a relação que tinha com Washington, mas está lá. Vem dele a idéia de um programa nacional de recursos humanos, apoiado pela organização internacional, e trabalhado junto com o Ministério da Saúde. Isso diminuiu um pouco com essa gestão atual, porque a Maria Luiza [Jaeger] cortou um pouco os vínculos de uso da OPAS para depósito de dinheiro. A OPAS, hoje, tem mais dinheiro da Maria Luiza do que Washington. É impressionante, pois é mais dinheiro brasileiro do que internacional na OPAS, hoje, em Brasília.

FA – OPAS-Brasil?

CH – Eu só queria na verdade retomar um aspecto que é o seguinte: o senhor falou inúmeras vezes que o GT, o PPREPS, tinha autonomia. Na minha opinião não está ainda muito clara a maneira como o senhor interagia com o trabalho do PPREPS aqui.

JRF – A nossa interação era uma interação regular, periódica, em função, entre outras coisas, do que nós tínhamos que reforçar, o que acontecia na Organização dentro do programa regional. Mas isso não quer dizer que nós interferíssemos no programa. Nós vínhamos e analisávamos, e ao analisar a equipe do grupo, é obvio que também dávamos opiniões, eventualmente alguma coisa pode ter sido aproveitada das nossas opiniões. Nesse caso, eu diria que muito pouco foi aproveitado, porque o Carlyle tinha não só autonomia como tinha pontos de vista muito firmes, quase intocáveis. Mas isso não impedia que nós participássemos e integrássemos. Eu nunca deixei de ter nos nossos relatórios, a totalidade da relação com o PPREPS. Tanto que me estranhou muito, porque depois, pois os últimos relatórios anuais da OMS que me chegaram, feito pelo Pedro Brito, não têm uma palavra sobre o que faz o Paranaguá aqui. O funcionário, parte da Organização, que está trabalhando no país, e não aparece no relatório internacional? Inclusive coisas importantes, sobre o que se fez no final da gestão anterior, com o PROMED [Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares para as Escolas Médicas].

JC – Não cheguei a participar, mas conheço bem o PROMED.

JRF – Foi um trabalho muito importante, respaldado pela OPAS. No entanto, não apareceu em nenhum relatório da OPAS. Foi uma coisa que morreu aqui, a OPAS podia ter aproveitado e aplicado em outros lugares. Porque a filosofia do programa, eu acho que é válida e muito boa. Contudo, não tomaram conhecimento. Há uma dissociação muito grande, até hoje, de ambiente central e periférico, coisa que não havia naquela época. Eu tenho a impressão, independente de algum ou tipo de discussão que eu comentei, que pudesse haver alguma discussão ou algum conflito. Eu consegui manter uma uniformidade, um relacionamento de trabalho muito bom com tudo que havia dos países. Até porque, o trabalho oficial da OPS é nos países. Washington não faz mais do que coordenar, desenvolver projetos, idéias, mas o trabalho que tem que ser feito é nos países.

JC – Tem uma outra atividade da OPAS-Brasil, que foi a criação dos núcleos de estudos de saúde coletiva. Eu queria saber como se deu também a relação desses centros de saúde com a OPAS-Washington?

JRF – Eu acho que foi um pouco menos. Eu tenho a impressão que se manteve alguma relação, através do próprio PPREPS, pelo fato de o gerador disso ser o [José] Paranaguá. Quando o Hésio [Cordeiro] assume a Previdência Social, é levado pelo Paranaguá para ser coordenador de recursos humanos na previdência social, ele usou recursos financeiros da Previdência Social para promover os núcleos de saúde coletiva. Num momento que também se desenvolvia as residências de saúde coletiva. Isso foi uma coisa da Previdência Social, dentro da filosofia de trabalho do PPREPS, porque o Paranaguá era do PPREPS, tanto que depois voltou para o PPREPS. A OPAS em Washington participou também muito disso. A OPAS não tem oficialmente um relacionamento com o Ministério da Previdência [e Assistência Social], o relacionamento é basicamente com Saúde. Então a participação foi pequena. Eu, obviamente, como era muito amigo dele, vinha com Paranaguá, discutíamos, mas não houve uma participação direta, nem fui incluído no relatório da OPAS.

GH - Agora uma pergunta sobre essa mudança, ou seja, sua chegada a Washington em 1969, e depois em 74, assumindo a direção de recursos humanos, o diagnóstico de recursos humanos foi se transformando? Quais foram os novos elementos introduzidos, a partir da própria ação da OPAS e dos países? Quais foram os novos itens da agenda de recursos humanos que apareceram ao longo de dessas duas décadas?

JRF – O primeiro item, quando eu cheguei, era ensino de ciências básicas e medicina preventiva. Essas foram essas duas coisas primárias. Depois disso vem todo um processo de criação de novas escolas, ou de frear as escolas que estavam crescendo demasiadamente. Esse foi um trabalho grande da OPS. No caso o governo do México, estava em situação meio difícil, com os cinco mil alunos da UNAM [Universidade Nacional Autônoma do México]. Ela tem uma força enorme no país, é capaz de pará-lo. É a maior universidade do mundo em número de alunos, um curso de medicina com cinco mil alunos, pesava muito. O mexicano Ramón Villareal era o chefe do programa lá. Tanto pediram ao Ramon que fizesse um estudo para intervir naquela situação, que esse estudo foi feito pela OPAS. O documento oficial de criação, feito por mim e pelo [Juan Cesar] Garcia, existe até hoje. O governo contratou o arquiteto, que tinha construído o Museu Antropológico do México, para criar a Universidade Metropolitana, com três campus, para desafogar o volume exagerado de alunos da UNAM. A Universidade Metropolitana passou a absorver os alunos da UNAM nos três campus e o primeiro que se criou foi com o modelo que nós desenvolvemos. O seguinte passo foi planificação dos recursos humanos, que veio basicamente com a Conferência de Punta Del Este. Em função de alguns anos de criação de novas escolas, como da melhoria das escolas existentes que estavam cheias de alunos demais, veio todo o processo de apoio pedagógico para a reforma do ensino, que associava dois elementos: integração da assistência social, de um lado, que é a forma de relacionar a medicina preventiva com o ensino médico em geral, e do outro lado, a tecnologia educacional. E depois disso, amplamente, mercado de trabalho e gestão.

FA – Mas isso aparece já nos anos 80?

JRF – A direção disso vem com o PPREPS.

GH – Mercado de trabalho, por exemplo?

JRF – Bom o Mercado de trabalho surge no contexto da planificação em recursos humanos. Mas mal trabalhado. Parece melhor como o PPREPS.

FA – O senhor comentou sobre a relação da integração docente-assistencial com mercado de trabalho?

JRF – Nessa ocasião, não é todo mundo, a princípio, praticamente não mexemos com isso. Isso entra da metade para frente dos anos 70, 78 por aí. Um trabalho mais intenso com as escolas de saúde pública, porque nós trabalhávamos muito pouco com isso. Surgem duas coisas interessantes. A idéia da regionalização do ensino da saúde pública, em que o Brasil, assume, também, um papel muito importante, à custa de um processo que mobilizou a idéia de trabalhar com os estados para desenvolver os cursos a nível estadual, chamados de cursos básicos de saúde pública. Isso desafogou a vinda de todos os alunos à Escola. Levamos isso para o contexto latino-americano em geral. Para você ter uma idéia, as primeiras reuniões da escola de saúde pública, na qual eu não participei, eu não era da OPS ainda, foi 1959, tinham nove escolas de saúde pública na América inteira. Hoje deve ter cento e vinte.

FA – Isso significa que o ensino de pós-graduação em saúde pública foi tão importante...

JRF – Foi muito importante. Cresceu tremendamente e mantido pela OPS. A OPS tinha como tradição, cada dois anos uma reunião de escola de saúde pública. Isso mudou, eu hoje estou aí, nós começamos a reduzir a importância das reuniões grandes, que já não davam mais, uma coisa é você fazer reunião quando tem nove, dez, doze escolas, outra é fazer com cento e vinte. Passamos então a promover coisas mais focais, focalizadas em determinadas regiões ou escolas. Juntava várias escolas, trabalhava mais um determinado tema no Amazonas, isso aumentou muito o trabalho com as escolas de saúde pública.

JC – Acho que no início da década de 90, se não me engano, na OPAS começam a surgir alguns temas como regulação do trabalho.

JRF – Isso é gestão.

JC – Dando um recorte na gestão, mais na década de 90, a OPAS entrou forte nesses pontos?

JRF – Isso é trabalhado no PPREPS com Pedro Brito, que é quem assume a gestão dessa questão a nível central.

JC – Os novos pontos vem de Washington?

JRF – Se bem que ele começou com isso na Argentina. Enquanto o PPREPS trabalhou isso, ele já trabalhava na Argentina. Uma mulher cujo nome não me lembro, que é co-autora com ele no livro, 'Gestão em recursos humanos'. Ele leva isso para Washington depois. Foi consultor na Argentina num período grande, quando [Carlos] Vidal era representante.

JC – Pedro Brito estudou aqui no país, no Brasil.

JRF – Pedro Brito fez o mestrado dele em Cuba.

JRF – Ele fez aqui um curso no CLATES [Centro Latino-Americano de Tecnologia Educacional em Saúde] de tecnologia educacional.

INTERRUPÇÃO DA GRAVAÇÃO

GH – Dia 16 de março de 2005, entrevista com José Roberto Ferreira.
Estão presentes: Janete Castro, Gilberto Hochman e Fernando Pires.

JC – Eu queria começar falando sobre dois projetos mais recentes, não sei qual foi exatamente a sua participação, mas gostaria de saber como se deu a relação da OPAS Washington com o CADRHU [Capacitação de Especialistas em Recursos Humanos para o Sistema Único de Saúde] e o GERUS [Gerenciamento de Unidades Básicas de Saúde]? Como o projeto de cooperação se relacionou também com o Ministério e as secretarias estaduais?

JRF – Foi gerado essencialmente no Brasil, tenho a impressão que foi o Paranaguá que desenvolveu, a nossa participação foi muito pequena, apenas tomei conhecimento. Houve a discussão no próprio grupo do PPREPS sobre isso, que eu me lembre, estive presente na clausura de um dos cursos, acho que em Brasília, fora isso, nada mais. O curso foi essencialmente do PPREPS.

JC – Quando a OPAS sai de um processo desses, tendo um papel bem protagonista, acho que no caso do GERUS já foi menos, apesar da parceria com o Ministério da Saúde em determinado momento, tem autonomia o consultor que está trabalhando nisso para fazer, ou passa por um crivo da Organização?

JRF – Tem, se for uma coisa com temas mais ligados com uma política muito séria, eventualmente pode ser discutido pelo nível central. Eu mesmo estive uma vez numa situação dessas, um informe meu foi, não digo rechaçado, mas posto em termos de cautela, eu ainda não era funcionário, estava no Brasil. Quando dei o informe, eles acharam que era muito inovador para o contexto deles. O cara tinha o apelido de torero, era Colombiano, ex-reitor da Universidade de Bogotá. Porque era muito ousado. Em geral, pelo próprio mecanismo de intercâmbio que existe entre o pessoal que está no país, o consultor tem um pouco mais de independência, por isso podem acontecer situações como essa. Isso aconteceu comigo como consultor. Hoje, todos consultores têm que estar permanentemente envolvidos.

JC – Para esclarecer, você falou sobre as atividades no Brasil, muitas vezes não estarem incorporadas na agenda ou no relatório da OPAS de Washington. Este fato me levou a compreender que a Organização nos diversos países pode ter uma agenda, e que a agenda no escritório do Brasil pode ter uma autonomia relativa ou total.

JRF – Uma das coisas que gera isso é justamente essa coisa do consultor nacional. A nacionalização da consultoria internacional leva a isso. O pessoal de Washington continua com as idéias deles, eventualmente põem nos informes que publicam aquelas coisas que estão acontecendo por Washington como os programas regionais ou esquecem completamente, ou nem pedem informação do que está sendo feito no país. Eles simplesmente não tomam conhecimento, o PROMED [Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares para as Escolas Médicas] só era vantagem para eles divulgarem, mas nem isso ocorreu. A menos que a verdade é que a área de recursos humanos se esvaziou muito. O que está acontecendo agora, nesse período em que recursos humanos está reduzido, com pouca voz. Pedro Brito está grudado, pensando como ele foi diretor, o que fazer. Recursos humanos deixou de ser importante, nem se preocuparam aqui e em outros países certamente. Entre outras coisas, a estrutura foi toda mudada agora. Acabaram com o consultor nacional, nacional não no sentido que seja do país, mas no sentido de consultor internacional, que está no país na área de recursos humanos. Tinha um na Argentina, no Peru e na Colômbia, no entanto acabaram com todos eles. Estão botando consultores regionais cobrindo quatro ou cinco países. Sendo que essa zona do Sul, não ficou ainda. Ofereceram ao Paranaguá, o posto de cobrir Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Bolívia. Ele não aceitou. Por isso aqui não tem ninguém. Então eles ficam dissociados sobre o que está acontecendo aqui.

JC – O CLARUS [Curso Latinoamericano de Recursos Humanos para Saúde] era um programa ?

JRF – Não. O CLARUS foi um curso.

JC – Latino-americano.

JRF – Só houve um e isso não foi do meu tempo. No meu tempo, tudo que foi feito aqui foi registrado e analisado nos informes. A relação era muito estreita. Depois que eu saí ficou mantendo isso. Quando Pedro assumiu e logo em seguida passou para o Chaves, essa coisa se esvaziou. Pega uma unidade de recursos humanos que tinha quinze pessoas e reduz a duas. Deixou de ter esse significado, porque hoje estão cobrindo, quando podem, as coisas de saúde pública e toda a relação dele com a presidência da associação latino-americana de escolas de saúde pública, no Chile. Então o que acontece fora disso e o que acontece com a ENSP, eles não tomam conhecimento. Certamente acontecem mais coisas com a ENSP do que a maioria das escolas de saúde pública da América Latina. Porque a ENSP deixa no chinelo qualquer uma delas. Isso não aparece lá. Eles não têm idéia.

JC – A concepção pedagógica do curso é uma discussão permeada que depende do especialista que está conduzindo o programa?

JRF – Pela organização a relação é muito pouca. Já pelo pessoal do programa, sim.

JC – Mas varia de acordo com quem está na chefia do programa?

FIM DA FITA 3/LADO A


FITA 3/LADO B

JC –Não sei se você tem mais algum programa especifico, mas de qualquer maneira dá para voltar. Se você tivesse que periodizar, não na questão do tempo, mas os principais marcos das suas diferentes gestões, quais você elegeria das diferentes gestões que estiveram no departamento? Você passou por vários diretores. Quais foram as prioridades deles nesses diferentes momentos?

JRF – O diretor em si, é uma coisa relativa, eu diria que a liberdade nossa era total, nunca tivemos maiores problemas. Quando o programa começou a se desenvolver, abrindo áreas novas de atividades, talvez a ênfase maior nesse primeiro período foi a idéia de planejamento, não o planejamento de recursos humanos, mas o planejamento educacional aplicado à educação em saúde. Isso ocorreu quando se realizaram aquela série de talleres. Quando veio [Héctor] Acuña, foi aquela coisa no sentido de frear recursos humanos nos paises com uma posição muito progressista, de vanguarda. Ele achava que era perigosa a idéia de que as universidades estão sempre contra o governo. Então ele insistiu muito que se trabalhasse mais com as associações de nível técnico. A própria Federação Pan-Americana de Escolas Médicas, a FEPAFEM, nessa época estava nas mãos de um venezuelano. A grande prioridade deles era formação de técnicos. Achava que o que faltava na América Latina era o técnico. Isso não nos afetou muito. Nós tivemos de cumprir o que o diretor queria, mas não deixamos de fazer o resto, a exemplo da área de Recursos humanos e das outras áreas do departamento na época. Foi um período esmaecido para mim, a Organização perdeu um pouco. Não foi só recursos humanos, mas recursos humanos refletiu mais porque era um departamento que apoiavam muito, de repente, vem um diretor que tem medo dele. Quando chega o Carlyle [Guerra de Macedo], surge o marco mais importante, o programa “Saúde: uma ponte para a paz”. Em função do interesse do Acuña, em trabalhar com o pessoal técnico médico, criamos, a pedido do Ministro de Saúde da Costa Rica, um centro para formação de pessoal de nível médio na Costa Rica. O programa foi de saúde comunitária, mas com grande predomínio de formação de pessoal de nível técnico. Depois o Carlyle cria o “Ponte para a paz”, que passa a ser o elemento central para nós dos recursos humanos operarmos os programas na América Central. O “Ponte para a paz” foi criado só para a América Central. Ele obteve muito bons resultados. Reuniu mais de cento e cinqüenta projetos e estabeleceu boa relação com o governo da Espanha e de outros governos europeus, mas a ponte principal foi com a Espanha, inclusive as reuniões preparatórias fizemos em Madri. Convidaram todas as agências financiadoras, as fundações bilaterais e multilaterais etc, e mais os países que já trabalhavam, como a Itália, a Suécia, a Espanha e o Canadá, que tinham interesse na cooperação. Levamos essa reunião com as agências financiadoras cento e cinqüenta propostas, eram pré-projetos na realidade, propostas de projetos. Daí se fez uma lavagem nesses cento e cinqüenta projetos, foram selecionados aqueles que pareciam mais prioritários às próprias agências, e trabalhou então com os países no detalhamento dos projetos, não só como projeto sub-regional para os três países da América Central, mas até em alguns casos para países que pegavam mais especificamente um projeto, aprofundavam e definiam aquele projeto. Foi reunido, só para Centro-América, o orçamento quase três vezes o que era o orçamento global da OPS. Que permitiu a gente trabalhar durante todo o tempo. Na gestão do Carlyle, os primeiros quatro anos foram mais intensos, mas no segundo período continuamos com menos ênfase, porque o dinheiro começou a escassear, houve outra reunião em Madri, tivemos outra concessão de recursos, mas foram bem menos do que na primeira fase. No entanto, o programa durou praticamente entre seis e oito anos com grande atividade. Isso, para mim, foi talvez o marco mais importante desse período de Carlyle.

GH - Dentro da programação do “Ponte para a Paz”, qual era o papel específico da área de recursos humanos?

JRF – Nós estávamos cobrindo praticamente tudo nos recursos humanos. Começamos com grande ênfase na planificação de recursos humanos, trabalhamos diretamente com os países, assessorando as escolas médicas, que eram poucas, uma por cada país. Eram seis na região, davam qualquer orientação de reforço da área de medicina comunitária. Trabalhavam em saúde pública porque havia na Centro-América a tendência de pipocar escolas de saúde pública em cada país. Então defendemos que era preciso evitar isso. Madri coordenava o programa aproveitando recursos de todos os quatro países. Mesmo assim, quase no final do programa, na segunda fase do programa “Pontes para a Paz”, o Panamá criou uma escola de saúde pública separada, pelo Ministério de Saúde do Panamá. Ele recebeu nosso apoio também. E outras coisas também. Daí surgiu a educação permanente. A Maria Roschke e [Maria Cristina] Davini, escreveram um livro sobre educação permanente. Foram fundados núcleos para avançar o programa de educação permanente.

JC – A educação permanente é algo que se falando constantemente, mas que na verdade nunca houve no Brasil um programa muito forte, a não ser mais recentemente.

JRF – Agora, parece que Maria Luisa [Jaeger] pegou, está apoiando, mas naquela época o Brasil não apoiou esse programa. Não foi só esse. Na realidade dependia um pouco do PPREPS absorver e aplicar no Brasil. Seja por considerar adequado ou aceitável pelo Ministério, ou simplesmente porque os próprios membros do PPREPS não estavam identificados com aquilo. Quer ver outra coisa? Um programa que começou no período do Acuña, em 78, e se desenvolveu até Carlyle, foi o que nós chamamos de análise prospectiva da educação médica, desenvolvido totalmente pelo nível central. Foi aplicado em quase todos os países da América Latina, menos no Brasil. O Brasil simplesmente rechaçou a idéia naquela ocasião. Foi daí que resultou depois o livro que o Mário [Testa] escreveu sobre planificação de recursos humanos. Mais recentemente o Brasil, que não entrou na análise prospectiva, teve um projeto centrado na análise prospectiva. Dos quarenta e quatro indicadores da análise prospectiva, tomaram oito indicadores e desenvolveram em volta daquilo. Mas na época em que ele foi feito, o Brasil não entrou. De fato, teve um grupo de brasileiros, dirigindo aquilo, eles estavam muito mais relacionados à política local do que nós, que estávamos longe. O Brasil funcionava um pouco mais autonomamente, a tal ponto que o predomínio dos brasileiros do PPREPS no [Ministério] da Educação, acarretou na ocupação de um andar só por brasileiros e outro só para latino-americanos. A queixa do Paranaguá é que o atual representante está querendo fazer uma limpeza dos brasileiros, pois não quer mais brasileiros, só latino-americanos.

JC - Só internacionais?

JRF – É, só internacionais.

FA – Tenho uma pergunta nessa linha, que é uma reflexão sobre a posição da Oficina de Washington, por ser um espaço latino-americano por excelência, sobretudo nas áreas de políticas e de administração. A pergunta que eu faria é: que tipo de relação a área de recursos humanos na OPAS tem com o pensamento em recursos humanos em saúde norte-americano? E que comentários o senhor faria sobre a possibilidade de relações dos espaços?

JRF – Era pontual, mais em função de grupos. Nós identificamos que o grupo de Ohio, o grupo de North Caroline, e o grupo de Michigan, trabalharam intensamente conosco do que propriamente uma coisa que se pudesse dizer nacional. A Associação Americana de Escolas Médicas é dominada pelo grupo de Chicago, que domina também a Associação Médica Americana. É um grupo tremendamente conservador, não pode haver nada mais conservador do que a classe médica americana, com as quais nós não tivemos praticamente nenhum relacionamento. Já com a Associação Americana de Saúde Pública temos um bom relacionamento até hoje, mas nunca com a Associação Médica. Agora, trabalhamos pontualmente. Foi desenvolvido com a assessoria de Ohio State University, um programa lindo de computação aplicada ao ensino médico, o grupo de Michigan trabalhou muito conosco na parte de tecnologia educacional. O grupo de objetivos educacionais, que hoje está em Miami, mas antes estava em Washington trabalhou muito na parte de definição de objetivos educacionais. Trabalhamos também com a Universidade de Stanford, que é uma universidade pública, mas nunca com o grupo estruturado da Associação Médica Americana.

FA – E com o Canadá? Parece que teve uma relação.

JRF – Com o Canadá tivemos boas relações. O programa de educação continuada foi financiado pelos canadenses. Antes do programa educação permanente, tivemos o de educação continuada, um programa totalmente financiado pelo Canadá. O coordenador do programa era quase canadense, era um chileno, funcionário nosso, que estudou no Canadá, se incorporou ao programa e trouxe a participação do Canadá. Depois estabelecemos excelentes relações com a Margareth Wilson, uma enfermeira canadense muito destacada. Hoje ela é vice-presidente da Associação Canadense e presidenta da Associação Mundial de Saúde Pública. Com ela trabalhamos intensamente em várias áreas.

JC – Já que o senhor falou em educação continuada, a discussão conceitual aconteceu só na OPAS?

JRF – Aconteceu. Naquela época, pelo menos, a visão que se tinha, era que a educação continuada estava muito centrada na filosofia americana, inclusive a revista da Associação Médica Americana, da Associação de Escolas Médicas Americanas, publicou um número especial, por volta de 1970, 72, sobre educação continuada. Eles chamavam de lifetime learning, aprendizado da vida inteira. A educação continuada é essencialmente uma educação orientada para cobrir lacunas na formação especializada em relação aos conhecimentos que estão avançando dentro da especialidade. São cursos curtos para médicos, que cobrem todas as áreas especializadas, manejados, na maioria dos casos, pelas Associações Médicas. Nos cursos são dadas informações sobre tudo de novo que está acontecendo nas áreas especializadas. Enquanto que a educação permanente não, pois é um processo permanente centrado no trabalho, teoricamente poderia até ser, mas não é necessariamente de pós-grado. Trata-se mais de um conceito educacional, do que propriamente dito um programa de ensino específico para determinada especialidade. Ele está baseado naquela coisa da UNESCO de educação permanente.

JC – Nós estávamos conversando, e acabamos interrompendo o percurso que você estava fazendo associando as gestões e as agendas de recursos humanos, o senhor mencionou Horwitz, Acuña, Carlyle.

JRF - O Carlyle foi o último da época que assumi, depois eu deixei.

JC – Mesmo de fora, o que senhor poderia mencionar ?

JRF – De fora, isso começou a esvaziar. Foi quando a coisa começou a cair, não por que eu não estivesse lá, simplesmente porque a idéia era mesmo reduzir tremendamente essa área. Mas a primeira providência tomada foi acabar com a revista de educação médica, e depois com o programa de educação médica. Depois foi diminuindo muita coisa. Tudo que os outros pensaram, certamente Acuña também pensou, não só pensou, como também aplicou. Essa era uma área conflitiva, de muitos atritos e posições ideológicas. A melhor decisão tomada foi reduzir o poder dessa área, isso não tem a menor dúvida.

FA – Nessa linha, um pouco, quando o senhor menciona a gestão do Acuña, apresenta um pouco a preocupação dele com o ambiente universitário, como um ambiente um pouco mais crítico, e na formação de técnicos em meio a essa problemática como um ambiente privilegiado. Como o senhor, na época, via essa posição entre ensino de nível superior e ensino de nível técnico como áreas de concentração?

JRF – Na realidade, não havia condições para os países planejarem em três meses o ensino técnico. Não havia complexidade suficiente que demandasse esse tipo de apoio internacional. De certa forma, você estaria duplicando esforço ou substituindo aquilo que os países podiam fazer por eles mesmos. Seria mais uma atividade supletiva do que propriamente uma cooperação técnica, numa área inovativa, você podia estar trazendo elementos de fora, novos, para melhorar e reforçar o que era trabalho de pesquisa na universidade etc. A nossa posição era no sentido de que isso não era necessário, coisa que eu, inclusive, tenho dúvidas. Nós estamos trabalhando no sentido de abrir mais essa rede de trabalho a nível técnico. Algumas áreas, até hoje, não conseguiram se desenvolver. Era área que chamava muito a atenção na época, tanto que os países do Conselho de Ministros pediam apoio para a formação de técnicos. Nunca se conseguiu, tentou-se um centro na Venezuela para apoiar esse tipo de formação, entretanto ele só funcionou durante algum tempo. Havia também, de certa forma, a competição da própria firma, porque ela ao vender equipamento assume um contrato de manutenção, que era difícil romper.

FA – Em alguns momentos da sua fala, o senhor se refere à idéia de introduzir o tema da pesquisa em recursos humanos, se não me engano, inclusive a pesquisa da gestão de recursos humanos foi uma contribuição inovadora das gestões. Que resultado o senhor imagina que decorreu daí e como o senhor vê esse campo hoje em dia?

JRF – Não foi só de gestão. Eu acho que, não sei se é um número inteiro, recursos humanos, estabeleceu três linhas iniciais de pesquisa, uma era a pesquisa pedagógica, pesquisa educacional propriamente dita, a outra era pesquisa em mercado de trabalho e em recursos humanos, e a terceira era gestão. No caso da gestão, especificamente, o que se fez, foi quando Pedro Brito já estava incorporado, não como chefe, mas como membro do departamento, no momento em que ele foi da Argentina para Washington, A nossa iniciativa foi promover projetos de pesquisa de modelos alternativos de gestão. Me lembro que chegaram a fazer doze a quinze modelos, quem coordenou esse trabalho, na época, era residente nosso, subordinado também ao Pedro, mas quem coordenou diretamente foi Paulo Seixas. Ele era de São Paulo e filho do Seixas, que foi do Ministério da Saúde. Basicamente foi nessa linha, de estudar alternativas de disponibilização de dicionários, de utilização de tempo intermediário e médio, de estabelecer várias alternativas aplicadas à gestão, que pudessem melhorar a eficiência do trabalho ou reduzir os custos. Foi nessa linha que se trabalhou.

FA – E nas outras duas?

JRF – Na área de estudo de mercado de diversos países como base para planificação de recursos humanos, a ênfase foi dada nos Observatórios [de Recursos Humanos em Saúde]. Quem mais trabalhou isso foi um grupo de Belo Horizonte na América inteira. Eu tenho a impressão que a pesquisa de certa forma complicou ao invés de ajudar. A idéia do Observatório era trabalhar justamente a questão do mercado de trabalho e planificação, mas eles deram mais ênfase à linha de pesquisa. Então abandonaram a coleta de material de informação geral para estudo de mercado, e passaram a desenvolver pesquisas mais pontuais. Não sistematizaram. Você não tem a oportunidade, por exemplo, de pegar um trabalho, pois tem mais de trinta observatórios por aí, ou seja, de pegar os observatórios e dizer qual é o panorama da América Latina. porque cada um tem a sua linha de pesquisa muito específicas e pontuais em determinadas áreas de interesse naquele momento.

FA – Em pedagogia?

JRF – Em pedagogia, dava-se evidência a todos os aspectos da pedagogia aplicada à saúde pública, no caso de educação permanente, era a educação centrada no trabalho, nos estudos de avaliação e nas coisas normais da pedagogia.

JC – José Roberto, seria impressão minha ou no Brasil essa rede é mais institucionalizada do que nos outros países?

JRF – O observatório? Sem dúvida alguma. Nos outros países é imensa, mas no Brasil não conseguiu avançar em nada, quase que não funciona.

JC – Você tem algum diagnóstico ou alguma idéia avaliativa?

JRF – Havia interesse inicial importante nisso, e houve força e apoio do governo no sentido de desenvolver. Eu tenho a impressão que nem realizam a necessidade disso, porque é uma coisa periférica, certos problemas de recursos humanos, o Ministério da Saúde é quem na realidade presta contas, e não o Ministério da Educação. O Ministério da Saúde está afastado da programação de recursos humanos na maioria dos países, com exceção de Cuba. Agora, o Brasil tem um pouco mais de atualização, nessa linha, já o resto pertence ao Ministério da Educação. Eles lavam as mãos. Então, sem o apoio do governo direto, e sem ter vivido desde o princípio e ter motivação para criar alguma coisa nessa área, os outros países são muito fracos. Pode ser que algum tenha desenvolvido mais, a informação recente disso, eu não tenho, mas mesmo nessa reunião, na qual nós tivemos em Washington, no mês de outubro, eu criticava isso. Acho que faltou, no nível central, uma certa sistematização do trabalho de tal forma que um pudesse cooperar com o outro para desenvolver um trabalho colaborativo, que até desse para se chegar a isso e ter uma visão panorâmica latino-americana dessa área. Isso não aconteceu.

GH – Eu tenho uma curiosidade, o senhor estava falando do esvaziamento do campo dos recursos humanos, de outras prioridades, principalmente a partir de meados dos anos 90. Isso se dá, por um lado, por entendimentos da Organização ou dos membros da Organização sobre o caminho para onde ir. Em relação a isso, eu fico pensando na questão do financiamento geral da Organização. Esses recursos humanos e financeiros vão para outras áreas, ou isso está também no âmbito de um certo enxugamento orçamentário? Os anos 90 foram marcados por problema de financiamento?

JRF – Logo no início dos anos 90, há uma tendência a reduzir o nível central. O que está acontecendo é que, sempre que esvazia um posto, esse posto não é preenchido, e eventualmente se o dinheiro está disponível, ele é transferido a um posto de um país onde é necessário. Inclusive postos ocupados, estão sendo oferecidos a muitos funcionários de Washington, as posições ao nível de país. Eu mesmo estava lá em Washington em fevereiro, uma das funcionárias de recursos humanos remanescente do grupo de recursos humanos, era a Mônica. Você conhece a Mônica [?] ?

JC - Ela voltou?

JRF – Fui a festa de saída dela para ser funcionária da OPAS no Peru. Ela é um dos exemplos da forma que eles estão trazendo para o campo, o pessoal que estava em Washington. Dentro daquela crítica que havia de que reduziu o pessoal no campo, aumentou o pessoal em Washington, mas se bem que o pessoal que aumentou em Washington não foi esse, e sim o pessoal administrativo.

JC – Ontem você falou sobre uma reunião, mais especificamente sobre uma organização para o século XXI. E a cooperação técnica em recursos humanos para o século XXI, tem futuro?

JRF – Na realidade isso está no documento. Tenho o documento para mostrar a vocês. Em relação à reunião do comitê executivo, vocês precisam saber mais detalhes para entender isso. Ao assumir, gerou-se uma situação conflitiva com o México. Havia um candidato contra ela, um candidato mexicano, que fez uma campanha suja. Mas, quando ela assumiu, juntou com o Canadá e Estados Unidos numa campanha de ataque. Inclusive com acusações de corrupção, que está até hoje em discussão, fizeram uma auditoria.

JC – Saiu nos jornais americanos?

JRF – Nesse momento, o comitê executivo, frente a esse conflito formado, pôs em questionamento a administração dela e a reforma que ela estava procurando fazer. Então, nomeou-se uma comissão de quatro países para estudar o que devia ser no século XXI. Essa comissão foi composta pelo Ministro de Saúde de Barbados, pelo Governo da Argentina, acho que Cuba, e Costa Rica. A comissão se reuniu uma vez, parece que na República Dominicana, depois uma segunda vez na Costa Rica, mas República Dominicana foi uma representação muito ruim. Através da representação do Brasil, pediu que nós fossemos na reunião da Costa Rica, embora não estivesse na comissão, ela era aberta a qualquer país que quisesse participar. Então eu e a Maria Luisa fomos à Costa Rica. A partir daí, fomos a todas. A cada reunião que acontece aparece mais países, tinham quinze países, na reunião do Brasil. Em fevereiro em Washington, onde se apresentaria o informe final do Brasil, foi uma reunião melhor, mas com uma diferença, até de Costa Rica, só tinha o grupo de trabalho. Na reunião de Costa Rica estiveram quatro representantes de governo, um ministro e mais três países representantes, a ministra da Costa Rica e mais Argentina e Cuba, nós estávamos. Esteve presente também, o governo do México, do Paraguai, dos Estados Unidos e da Costa Rica. E só, ninguém do secretariado. Ela foi fraquíssima, porque o pessoal desconhece totalmente o que é organização política, eles não tem idéia de como ela funciona. Então dizem as coisas, as maiores barbaridades, as propostas mais idiotas. É óbvio que, conhecendo um pouco mais, tentei conduzir aquilo, mas não deu, porque o negócio era muito ruim. Eles apelaram no sentido de que o secretariado mandasse uma participação do secretariado na próxima reunião. Na reunião do Rio, esteve eu e o Lopes da Cunha, como presidente. Lopes da Cunha sentou-se à mesa e dominou a reunião do primeiro ao último momento. Deu um show, ele realmente gosta de dar show. A Organização não podia ser mais perfeita do que ele pintou. Tudo decidido, tudo previsto, o século XXI é pouco, vou fazer até século XXII. Tudo uma maravilha. Então o pessoal se encolheu. Os países não tinham o que dizer diante daquilo. Nesse sentido, eles se encolheram bastante. Chegou em Washington, o informe da reunião. Eu diria que ficou muito melhor, o informe foi feito logo depois da reunião, sentou eu, o Lopes da Cunha e Pedro Brito, tinha mais um que é, em Washington, encarregado dos assuntos internacionais. Sentamos aqui, dias depois da reunião, e fizemos um informe dela. Depois eles levaram o material e fizeram o informe detalhado lá. Quando chegou na reunião de fevereiro, o ministro de Barbados, logo no primeiro dia diz: 'olha, esse informe não reflete em absoluto o que nós discutimos no Brasil, e eu proponho que seja desconsiderado o informe'. Gente, não é possível, ele sabe exatamente o que aconteceu, porque ao lado do informe detalhado tinha o informe da reunião em si, tudo que cada ministro tinha pedido e dito, estava tudo ali. E o informe refletia aquilo. Mas, obviamente, mesmo com as coisas que o Lopes da Cunha tinha falado, não aceitaram. Inclusive tinha mais um detalhe: nesse informe daqui do Brasil, se incorporam dois documentos sobre recursos humanos e pesquisa em saúde. Esses documentos foram bastante inovadores e bem feitos. O de recursos humanos foi feito por mim e pela Maria Luisa, e o de ciência e tecnologia foi feito pelo Reinaldo Guimarães, do ministério. Ele se incorpora já no documento que vai em fevereiro para Cuba. Rechaçaram esse documento que da reunião, que seria a última. E propuseram de imediato uma quinta reunião que seria a do dia 14 e 15 de março, anteontem e ontem, segunda e terça, que eu não fui. Na sexta-feira o ministério me telefonou mandando a passagem para eu ir, eu disse que não iria nem amarrado. Passei mal para burro, na última tive um resfriado fortíssimo lá, tive que ficar quatro dias a mais em Washington por causa disso. Maria Luisa também não foi. Então mandaram um assessor do Santiago, coitado do rapaz.

FIM DA FITA 3/LADO B

Entrevista 4

Início da página

PROJETO:

HISTÓRIA DA COOPERAÇÃO TÉCNICA EM RECURSOS HUMANOS EM SAÚDE NO BRASIL

Data:

15 de Março 2005

Depoente:
JRF - José Roberto Ferreira

Entrevistadores:
CH – Carlos Henrique Assunção Paiva
FA – Fernando Pires Alves
GH – Gilberto Hochman
JC - Janete Lima de Castro

N° da Entrevista:
Código: 4 / 4

Transcrito por Annabella Blyth - Agosto 2005


FITA 4/LADO A

JRF - O informe está disponível, inclusive na Internet, incorporando a nossa parte. Reduziram bastante o documento de recursos humanos que foi mandado, são vinte e cinco páginas, foi reduzido a pouco mais de uma página e um parágrafo, talvez, mas conseguiram reproduzir mais ou menos.

JC – Mas os informes foram oficiais da Organização, ou ainda não é?

JRF – Ainda não. Isso foi discutido anteontem e ontem, não sei o que foi discutido, e depois vai sair a redação final em sete de abril, em Barbados.

FA – E as teses brasileiras correspondem ao seu pensamento? Quais seriam?

JRF – Existe influência enorme. A minha parte foi pequena. Eu me centrei muito na parte mais de orientação, modalidade da cooperação em si. Insisti na tese que eu venho debatendo há algum tempo, que é na questão de transferir aos países a execução direta da cooperação. Para as instituições selecionadas nos países, que seriam os elementos executores da cooperação, reduzindo com isso, tremendamente, a necessidade de você ter pessoal em grande quantidade em Washington, em grande quantidade. Eu fiz mais essa parte. Eu acho que a Maria Luiza [Jaeger] exagerou um pouco, porque o documento era um pouco de orientação de como ia comportar com relação à cooperação. Na realidade o documento que ela fez deve ter sido feito pelo Ricardo [?] e por outras pessoas. Ele é um documento centrado no que seria a problemática de recursos humanos da região. Esse não era o objetivo. Mas ele foi bem escrito, reforçando tremendamente a questão de gestão e saúde, centrado no problema da especialização da força de trabalho em saúde e educação permanente. O documento de pesquisa, baseou-se muito numa reunião, que também não ouvi esta palavra sublinhada, na Fiocruz, em novembro, quando nós nos reunimos com o pessoal do Mercosul. Foi primeira reunião que teve tecnologia em saúde, também com o Reinaldo [Guimarães] e o grupo. O interessante, nessa reunião, foi todos os países se apresentaram, o Chile particularmente. Nela, o representante do Ministério fez uma apresentação dizendo que, no Chile, o Ministério da Saúde não tinha nada a ver com investigação em saúde. Nessa reunião, dois países, o Brasil e o Chile, ficaram encarregados de escrever sobre investigação em saúde.

FA – O que ainda existe desse documento? Suponho que sejam documentos internos.

JRF – É um documento simples, pequeno, em que são assinaladas as prioridades a serem consideradas. Talvez o ponto mais importante que ele traz como novidade é o aspecto de desenvolvimento tecnológico de produção.

JC – A gente pode ter acesso a esse documento?

JRF – Está na Internet é só abrir em Corpos Diretivos. Abre em Comissão, Comitê do Século XXI, e você vê vários documentos.

FA – Nesse período que o senhor esteve tão próximo da comissão dos temas dos recursos humanos na OPS, quais foram os períodos em que, regra geral, se diz o seguinte: é um período de alguma expansão do estado como provedor dos serviços de saúde? E depois uma enorme retração do estado na sua responsabilidade pública diante da saúde? Talvez o Brasil como uma grande exceção do ponto de vista de construção de sistema [de saúde]. Então, como o senhor viveu dentro da Organização, como do ponto de vista dos negócios de recursos humanos, você lidou com esse crescimento do estado depois de uma enorme retração? Isso afetou a percepção dos temas de recursos humanos na OPAS [Organização Pan-Americana da Saúde]?

JRF – Em relação aos serviços de saúde em geral, o que aconteceu com o aparecimento da Declaração de Alma-Ata foi uma fase de retração, correspondendo também ao problema da crise do petróleo, logo depois da década de 70, em 80, vem a década terrível, então tudo que estava previsto, não ouvi estas palavras sublinhadas, desenvolver-se a partir daí, com Alma-Ata dá-se uma ênfase muito grande na parte de recursos humanos, justamente o que enfrentou foi uma retirada, redução de orçamentos, e da disponibilidade de recursos para atuar nesse campo. Isso afetou todo mundo. O Brasil a partir daí entra um pouco naquela coisa de saber quem começou isso, se realmente aconteceu. Por que no Brasil, em pleno governo da ditadura militar, mesmo com todas as restrições que havia, pode desenvolver um movimento sanitário? Como é que esse movimento leva depois há uma nova constituição com uma grande ênfase em saúde? Entre outras coisas, se estabelece um SUS [Sistema Único de Saúde], que eu reputo como o programa no mundo inteiro que mais se aproxima de Alma-Ata. O pessoal lá fora não sabe disso, toma a reforma de saúde brasileira como uma reforma igual à da Colômbia, da Venezuela, qualquer outra feita pelo Banco Mundial, com base naquele documento de 1993, o 'Investindo em Saúde'. O Brasil fez essa reforma e estava muito centrado no movimento sanitário, retomando praticamente todos os pontos que se propunha em Alma-Ata. Ela é maior modelo de aplicação da Alma-Ata que se tem hoje no mundo. Desde a última conferência internacional de saúde, completados vinte e cinco anos de Alma-Ata, eu consegui convencer o [Gustav] Mahler, de Alma-Ata, a vir ao Brasil. Há muito tempo que ele não vinha aqui, daí resultou aquela história oral, que eu não sei o que aconteceu.

GH – Está transcrita?

JRF – Está transcrita? É interessante dar uma lida naquilo, porque o discurso dele em Brasília foi melhor do que aquilo, ficou uma conversa muito sentimental.

GH – O problema era de fazer a revisão em inglês.

FA – Qual seria a sua perspectiva, olhando um pouco para o futuro, para Alma-Ata ou a turma da Escola de Chicago?

JRF – Eu acho que Alma-Ata, sinceramente, o próprio Estados Unidos freou o ímpeto tecnológico e desenvolvimentista. Acho muito mais a proposta canadense, que é mais ou menos concomitante a Alma-Ata, que se baseia no fundo em Alma-Ata, pois fala em promoção de saúde como uma coisa dos quatros campos, aquela coisa um pouco mais diferente da percepção daquilo que aconteceu em 74, mesmo a Alma Ata sendo de 78. Quando saíram aos quatro cantos, o governo canadense estabeleceu uma oficina no Ministério da Saúde para a promoção da saúde centrada em educação sanitária, hábitos de vida, campanha de não fumar, coisas desse tipo. Isso durou até mais ou menos, 1971 ou 1980. Quando saí Alma-Ata, o Canadá trata de procurar e pegar o mesmo programa de promoção. Acaba com a oficina de promoção em saúde e convoca um grupo para produzir um documento sobre a saúde do canadense. Eu tenho esse documento, que é apresentado depois na famosa reunião de Toronto ou Otawa, agora estou na dúvida.

JC – Acho que é Otawa?

JRF – Em relação a declaração de Otawa, se você pegar e entrar no detalhe em Alma-Ata, uma reproduz a outra. Então eles pegaram a mesma coisa que já havia em 74, abandonaram a educação sanitária, centraram nos grandes parâmetros de Alma-Ata e desenvolveram um novo plano de promoção de saúde do Canadá, não é mais do que Alma-Ata canadense. Eu acho que isso é o futuro. A Europa também está nessa mesma linha, e o Brasil também devido à OPAS. Acho que isso é outra coisa interessante, nem a promoção de saúde, nem Alma-Ata, abandonou o desenvolvimento de saúde, apenas não coloca em primeiro lugar, e admite que o serviço de saúde é o último recurso, que deve ser bastante desenvolvido, mas sempre que todos os elementos anteriores falharem, e não colocarem em primeiro lugar operar coração, transplante de fígado, e deixar o resto.

FA – O senhor mencionou ao fazer uma reflexão sobre a característica ou caráter das reformas sanitárias na América Latina, e no caso específico do Brasil. Chegou a mencionar outras também, tais como as reformas feitas pelo Banco Mundial. Como é que a relação entre a política formulada, no caso específico de recursos humanos, ou no seu aspecto mais geral, é realizada pela Organização e pela influência forte dessas agências financiadoras, como por exemplo, o próprio Banco Mundial?

JRF – Houve um momento em que praticamente, não só a OPAS , mas a própria OMS [organização Mundial da Saúde], ficaram em segundo plano em relação ao Banco Mundial. Isso já vinha acontecendo em projetos com o BIRD [Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento]. Mas com o BIRD, era para conseguir manter um relacionamento muito mais estreito, por isso trabalhou-se a reforma com o pessoal do Banco, trabalhou-se junto à maioria dos projetos que o Banco BIRD desenvolveu.

JRF – BID, Banco Interamericano de Desenvolvimento. O BIRD, por outro lado, quando entra com muito mais força e logo ganha a Conferência, o documento de 93, 'Investindo em Saúde', que basicamente é a questão da focalização e do cadastro básico. De qualquer jeito, o BIRD, entra com volume de recursos muito mais significativo, a OMS passa a ir de reboque, quase pedindo aos governos para poder participar e, eventualmente, funcionar como agência executora dos projetos do Banco, mas aí quem manda é o Banco, é ele que está predominando. Isso só começa, mais recentemente, a tomar outras nuances, em função do próprio Banco se dar conta de que, em sua totalidade, aquele plano fracassou, e não dava certo. Então, eles estão voltando atrás outra vez, a OMS passa a ter função mais ativa. Mas, durante praticamente uma década, a dependência foi total à posição do Banco.

FA – Isso chegava até a influir em decisões programáticas da área de recursos humanos, do ponto de vista da viabilidade de determinada linha de investimentos?

JRF – Não, era mais global e mais contratos mesmo na tecnologia de saúde, até porque [o tema] recursos humanos tem o caráter intersetorial para atuar no setor educacional.

JC – Eu li um texto, onde o autor ao falar sobre a Organização Mundial da Saúde, menciona a tensão entre as organizações não-governamentais e o papel da Organização Mundial que muitas vezes fazem até, ou reivindicam fazer melhor, do que a Organização Mundial. Essa tensão existe também, entre a OPAS e as organizações não-governamentais ou não?

JRF – Ela existe um pouco, não só com as organizações não-governamentais, mas inclusive com as associações. Há um elemento motor de tensão de muitas associações que hoje estão com inimizade total, algumas não se dão com a Federação Pan-Americana de Escolas Médicas. E assim, várias outras, o mesmo acontece com Genebra, também. Mas Genebra, ao mesmo tempo que tem esse conflito, eles tratam de suavizar a coisa e mantêm a aparência de total integração. Inclusive mais do que a OPS, participa do Conselho da OMS, todos são donos, é aberta à participação de todos, eles não pagam a ida, e não podem pagar. Eles participam e atuam lá. Muitas delas estabelecem um melhor relacionamento, trabalham integradamente, mas em outras não. Eu acho que essas ONGs foram uma forma de dispersão total e absoluta de recursos e de baixa efetividade da ação internacional. Isso não tem a menor dúvida. Hoje se tem uma dispersão entre multi-lateral, bi-lateral e ONGs em quantidade. Ninguém sabe o número de ONGs, deve ter umas vinte mil ONGs, por aí. Isso dispersa tremendamente os recursos públicos e criam pequenas burocracias, todas elas se mantendo, acho que comentei ontem a questão do TDR [Programa Especial de Pesquisa e Treinamento em Doenças Tropicais] e do DMDI [Diabetes mellitus dependiente de la insulina?], outra mais, o coordenador do DMDI, está vindo aí para se reunir conosco sexta-feira. Alugaram uma sede, com um andar inteiro num edifício em Genebra, com o pessoal pago por ele, inclusive estava oferecendo bons salários. Deve ter funcionário de cada região para funcionar como promotor dele. No caso do Brasil era a Elona [?] que eles estavam querendo contratar. Ofereceram um salário para Elona que eu disse: “vocês vão me desculpar, mas o Presidente da República do Brasil não ganha isso. É preciso ajustar o salário à realidade econômica do país. A Comunidade Européia está tentando conseguir recursos da Foundation, competição direta! É incrível a dispersão de recursos. E a mesma coisa faz o TDR que é um órgão da Organização Mundial da Saúde.

FA – Você fez um comentário de passagem sobre as dificuldades de relacionamento com a Federação de Associações de Escolas Médicas. Que comentário você faria sobre essa dificuldade de relacionamento, pensando um pouco em uma grande linha dessa trajetória e desse movimento associativo de escolas médicas. Por que essa distância?

JRF – Na realidade os tempos mudaram, foram fundadas as associações de escolas médicas, que foram fundadas por motivação da Federação, que fundou também a Associação Latino-Americana de Escolas de Saúde Pública. E eu participei da fundação, em 74 em Lima. No momento em que foram fundadas, tanto as de medicina quanto as de saúde pública, eram um número pequeno de escolas. Todas elas sistematicamente se estabeleceram. A cada dois anos havia uma reunião bi-anual de grupos de escolas, a de saúde pública tinha nove escolas na primeira reunião, quando chega a ter cento e vinte escolas, e a de medicina, trezentas, não dá mais para financiar. Então começa por aí o problema. Por outro lado, você esgota um pouco a temática nessa seqüência de reuniões e começa a cair tremendamente o nível de produção dessas organizações, por exemplo, eram as associações que muniam de pessoal os comitês do PALTEX [Programa Ampliado de Livros de Textos]. Hoje em dia, acabaram os comitês do PALTEX. E Perde-se a confiança na associação. A associação, por outro lado, não sei se é no geral, pode ser que não seja geral, mas pelo menos no caso da FEPAFEM [Federação Pan-Americana de. Associações de Escolas de Medicina] aconteceu isso, ela partiu de uma iniciativa norte-americana com a OPAS e com algumas fundações, Rockefeller e Kellogs, e que logo pendeu muito mais pela coisa latino-americana. Ficamos na mão de um grupo muito conservador da medicina, a ponto de que chegamos a ter atritos seriíssimos, quando passou a presidência para Venezuela, inicialmente era Ernani Braga, e os presidentes foram dois brasileiros, primeiro o Rubens Maciel , depois o Alloysio de Salles Fonseca. O primeiro conflito sério surgiu logo quando Rubens Maciel assumiu. Ele tinha uma relação bastante boa com [Abraham] Horwitz, inclusive Maciel falava espanhol perfeitamente, diziam que ele ajustava seu espanhol ao do país e era o interlocutor. Ele assumiu, e a reunião da FEPAFEM ia ser no México, antes de ir para a reunião no México, ele foi para Washington para discutir com o Horwitz as linhas gerais do trabalho que ele ia propor para a reunião do México. E nesse momento a FEPAFEM estava querendo criar um programa de centros multinacionais, já tinha centros multinacionais funcionando na Guatemala, o de zoonoses na Argentina, o centro de Higiene Sanitário no Peru e o CAREC [Centro de Epidemiologia de Caribe] no Caribe. Então o Horwitz considerou que isso era uma competência que não tinha muito sentido, e que a associação que tinha sido criada com o apoio do governo americano poderia ir diretamente aos governos pedir financiamento para criar os centros multinacionais. O Horwitz achava que isso ia ser feito não diretamente. O Rubens incorporou a idéia de Horwitz e levou para a reunião. Ele logo teve um problema seriíssimo porque foi para o México e não sabia que o México exigia visto de brasileiro. Chegou no aeroporto do México e acabou sendo preso. Ficou mais de vinte e quatro horas para conseguir sair da prisão. Chegou um dia atrasado na reunião. Mas não deixou de defender o ponto de vista do Horwitz na reunião. Seu ponto vista não foi aceito pelo plenário na época. O secretário executivo, José Felix Patiño, era colombiano da maior elite colombiana, muito forte, podre de rico e dono da maior clínica de Bogotá, de super-luxo. Ele rechaçou por completo a proposta de Maciel, dizendo que financiava diretamente os países. Maciel nesse momento renunciou, ficou uma celeuma de quem vai ser o presidente. Por fim a reunião terminou sem presidente. Mas na seguinte reunião elegeram o Alloysio Salles, um brasileiro, para ver se acomodava a situação com o Brasil. Alloysio assumiu e foi quando a secretaria executiva passou para a Venezuela, tirou do Patiño da Venezuela. Um homem do Opus Dei, filiado à maior clínica da Venezuela. Ele continuou na mesma linha. A briga foi minha com Horwitz e Salles, porque a idéia nossa era igual um outro grupo da Venezuela mais ligado à gente.

FA – O que o senhor está mencionando ocorreu por volta dos anos 70?

JRF – É. Dos anos 70. Calma, a coisa ainda não funcionou, passou mais um pouquinho. O Equador assumiu a nossa posição. Ele propôs a criação da Associação Latino-Americana de Escolas Médicas, se cria a ALAFEM com base no Equador e com o apoio, obviamente de Cuba, e de todos os países. A primeira reunião foi no Uruguai. Então já nós ficamos divididos entre ALAFEM e FEPAFEM. Não houve ruptura total e até hoje se entendem.

FA – Em relação à Associação, por exemplo, se pode ser filiada tanto a uma quanto à outra?

JRF – Não, as associações nacionais são criadas. De certa forma, também seriam ALAFEM para não ter conflito, constituiu-se um subterfúgio para poder ser criada, usando a União Latino-Americana de Universidades, a ULAU, que é uma entidade criada no México, que na realidade é mexicana e mantida pelo governo mexicano, mas que tem caráter latino-americano, pois se chama União Latino-Americana de Universidades. Essa União criou, OFEM... de odontologia, criou a ALAFEM de medicina. Eles aparecem como órgão da União, e como o Brasil e todos os países são ligados também à União, então por esse mecanismo estão ligados também à ALAFEM. Mas oficialmente as escolas teriam ligação com a Federação, com a FEPAFEM. A idéia era que iam se integrar, mas nunca se conseguiram isso. A ALAFEM é mais progressista e a FEPAFEM é mais conservadora.

FA – Mas continuam sendo níveis de operação da OPAS?

JRF – Não, praticamente não há programa através deles.

FA – Ao contrário da área de saúde pública?

JRF – É, ao contrário de saúde pública, a saúde pública sim. Mas, passou por um campo muito fraquinho, não tem secretariado, é só o presidente, e não tem muita atividade. Quando se toma iniciativa de fazer reuniões em nome dela, convida para participar e faz atividades....

JC – Só um pequeno esclarecimento, que não está muito claro ainda. Que implicações aquela história de garantir a nacionalização da cooperação, se é que a gente pode dizer assim, a ENSP ou a Fiocruz, seriam órgãos privilegiados nesse sentido. Isso fragiliza a cooperação na área de recursos humanos, quando você nacionaliza? Ou meu raciocínio não tem muito a ver?

JRF – Na realidade, a idéia de que a Organização tem algo de especial para aportar aos países, é uma idéia do início do século, quando a Organização foi criada e no momento que os países não tinham competência para desenvolver coisas e quando eles estavam mais em contato com o primeiro mundo e ofereciam transferência de tecnologia. O primeiro mundo tinha uma ação supletiva. Na medida em que você assume cada vez mais, os latino-americanos se desenvolveram acima de consultores, na realidade o que você está vendo é um intercâmbio horizontal entre eles. A Colômbia tem, melhor do que a Venezuela, um intercâmbio entre todos, um apoio mútuo. Nesse sentido, eu acho que uma maior participação no processo de decisões nas próprias instituições colaboradoras, é melhor do que você ter decisões tomadas por Ministros, que estão inteiramente por fora do que está ocorrendo. Eles definem prioridades que na realidade não são efetivamente prioridades necessárias. Então o que se propõe é que você tome uma série de discussões, não uma sozinha, o que é um pouco de exagero, mas se tome por exemplo, na área de pesquisa, na FIOCRUZ, no Instituto de Nacional de Saúde do México, no Instituto Nacional de Saúde da Colômbia, na Argentina, no Instituto argentino, e dentre outros institutos, você compõe uma rede em um conselho, que se reúna uma vez por ano, com cinco ou seis pessoas, que não é nada em dinheiro para OPS, que defina prioridades regionais partindo daqueles que estão com a mão na massa. A partir daí, eles mesmos, coordenados por um secretariado em Washington, bem pequeno, porque não precisariam ter um consultor direto, só o administrador com conhecimento de causa, um administrador médico, que decida a possibilidade de recrutar gente dessas mesmas instituições, que atenda à necessidade dos demais países, volta às suas instituições, que não tem que estar incorporado diretamente lá. Mas as decisões tomadas ao nível de quem está fazendo efetivamente as coisas, e não ao nível de políticos só lá em cima.

JC – Descentralização da cooperação?

JRF – Centralização da decisão da decisão e da cooperação, as duas coisas, na realidade.

GH – O senhor veria como o futuro da cooperação?

JRF – Pelo menos é o que nós estamos sugerindo, o nosso convênio que está em curso com a Fiocruz, não está assinado, todavia já foi aceito pela OPS, devolvido para algumas modificações, que já estão incorporadas, está parado na assessoria jurídica do Ministério para ser aprovado, mas já me disseram no Ministério que se o assessor jurídico não der saída ainda este mês, vão pegar e mandar assinar assim mesmo. Quando o Ministro assinar, terá que incorporar isso a Fiocruz, que passará a ser um desses núcleos, de forma mais ou menos global, dentro das várias áreas de trabalho da Fiocruz, inclusive essa história está lá, e a idéia de oferecer que socorra também outras instâncias e que possa se começar a formar redes. Uma das coisas que se incorpora a essa idéia, não sei como chamaria isso, são várias, as redes, redes. São as redes colaborativas do [José] Paranaguá que se incorporam nesse convênio.

JC – Então há boa vontade de ambos os lados.

JRF – Acredito que sim, o convênio ficou dessa forma, e o representante está de acordo, agora só está na mão dos advogados em Brasília. Está havendo uma lentidão para tomar essas coisas.

JC – Mas o Ministério?

JRF – O Ministério está aceitando, em princípio, pelo menos, ao nível das relações internacionais do Ministério. Só esse livro que vai passar ninguém mais vai ver. E a FIOCRUZ ficou faltando mais ou menos...

FA – O senhor ontem mencionou que, em algum momento, o tema ou a forma de pensar de alguns temas do ensino médico a partir da problemática da integração docente-assistencial, como se fosse um certo termo em que as pessoas tornassem mais aceito....

JRF – Isso foi um determinado período da vida do PPREPS. Mas, isso acabou. O próprio PPREPS voltou a incorporar. Em determinado momento surgiu a idéia de um trabalho, acho que tenho cópia dele em casa, se não me engano é do Danilo [Garcia], em que dizia claramente que a inovação, a integração do sistema social tinha sido inventada pelo Nietsche para dominar a educação médica da América Latina, teve pecados demais, mas nunca teve integração docente-assistencial.

FA – Mas, senhor a minha pergunta é, que tipo de expectativas você, com relação ao campo ensino da medicina e suas tendências, o que o senhor demarcava?

JRF – Hoje ainda estou sofrendo as influências, como todos sofremos, do PPREPS, participei do PPREPS, do PROMED [Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares para as Escolas Médicas], depois coordenei a comissão que fez avaliação dos projetos, inclusive escrevi um trabalhinho para a Revista Brasileira de Educação Médica sobre o que foi avaliação desses projetos. Nos meus quarenta anos de vida nesse campo de cooperação, nunca vi nada que mais se aproximasse de um intercâmbio efetivo do que o PROMED. Mais ainda, eu diria que estava convencido, quando inaugurei a Conferência Pan-Americana de Educação Médica no Uruguai, quando fiz um discurso de inauguração, que praticamente já se admitia que não ia mudar, era uma crise imutável, porque seria muito difícil você mudar alguma coisa, embora um determinado grupo pequeno que seja, pense em termos mais idealísticos de como deveria ser essa mudança, na realidade, a comunidade de usuários está muito contente.

FIM DA FITA 4/LADO A


FITA 4/LADO B

JRF – Então como é que você vai mudar um negócio que o próprio usuário, que termina sendo a vítima disso, ou seja, que ele está achando bom? Vai ser muito difícil. No entanto, eu me surpreendi, porque quando o PROMED, a partir daqueles indicadores, propôs que as escolas apresentassem projetos ajustando aquela questão do indicador. Diga-se de passagem, que eu tenho que voltar atrás para tentar explicar. Na nossa perspectiva, havia quatro campos de indicadores. Um campo era: será que a minha cabeça funciona para isso, já tem tanto tempo, orientação pedagógica; outro campo era o entorno social; outro campo era a estrutura da escola, do curso, etc; e o quarto campo era a integração da escola no contexto internacional e das fundações, apoio etc. Tudo isso se abandonou no PROMED, tomou-se somente a parte pedagógica. E da parte pedagógica tomaram três áreas, das quatro que existiam, que a primeira foi a parte conceitual, ou seja, em que está centrada predominantemente a teoria da educação médica. E os outros parâmetros são: centrada exclusivamente na criança ou centrada também na saúde. O segundo era campos de prática: era uma educação orientada essencialmente para o trabalho hospitalar ou cobre tudo até a comunidade com aquele cubo que eu mostrei lá. E o terceiro era a pedagogia propriamente dita, era o ensino: era totalmente passivo ou era um ensino ativo orientado aos problemas etc. Com base nesses três parâmetros, cinqüenta e duas escolas apresentaram projetos. E nós tivemos que selecionar vinte, porque o dinheiro só dava para vinte. Eram impressionantes os projetos que foram apresentados. Eu inclusive tinha me oferecido naquela ocasião para mandar os projetos e a gente tentar fazer daquilo um apanhado e tirar então a essência de todos eles para o futuro, para outras escolas etc. Mas veio a mudança de governo e esse material ficou perdido.

JC – Projetos?

JRF – Projetos. Para você ter uma idéia, Botucatu, por exemplo, apresentou um projeto de oito volumes que era isso aqui de tamanho! Oito volumes! Não é exagero, não. Nós tivemos que ler, não li integralmente os oito volumes, mas ler bastante, sobretudo a parte principal, conceitual. Olha, eu nunca vi nada tão avançado como aquilo que nós tivemos naqueles projetos. Uma escolinha, por exemplo, em Rondônia, se não me engano, foi uma das mais bem classificadas. Parece que esteve por lá um cara que ficou fora, que voltou, que se incorporou, e com idéias fantásticas fez um projeto muito bonito. A escola que ganhou primeiro lugar foi Juiz de Fora.

JC – Foi grande?

JRF – Foi fantástico aquilo, teve seminários em todas as escolas, orientando o que se estava querendo. Agora, as escolas mesmo, por si só, contrataram pessoal especializado, projetos espetaculares! Muito bem elaborados. Eu nunca tinha visto isso. Todos os anos que nós passamos, lutando por toda a América Latina e pelo resto do mundo. Eu nunca tinha visto um esforço tão grande. Quer dizer, se alguma coisa pode funcionar, é isso. Se o governo achou que não era isso, porque então é besteira, porque na realidade isso foi feito sob a égide de um diretor de recursos humanos muito mais progressista do que talvez os que estão agora, que era o Rômulo. O Rômulo [Maciel Filho] não tem nada a ver com [José] Serra ou com o governo de Fernando Henrique [Cardoso]. Ele é um cara de esquerda. Era o diretor de recursos humanos, quando começou esse projeto. Agora, o PT [Partido dos Trabalhadores] naquele momento, o Ricardo [Burg] Ceccin achou que tem idéias melhores, lá no sul. Foi pena, mas para mim, esse é o futuro, se é que a gente consegue reviver isso algum dia, ou então ficar morto de vez, não vai acontecer mais nada.

FIM DA FITA 4/LADO B

 

 

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