Rede observatório. Recursos Humanos em Saúde

Estação de Trabalho OBSERVATÓRIO HISTÓRIA E SAÚDE

Entrevistas

José Francisco Paranaguá de Santana

Entrevista Completa

OBSERVATÓRIO HISTÓRIA E SAÚDE

Rede de Observatório em Recursos Humanos em Saúde do Brasil - ObservaRH

Casa de Oswaldo Cruz - Fiocruz

Entrevista 1

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PROJETO:

HISTÓRIA DA COOPERAÇÃO TÉCNICA EM RECURSOS HUMANOS EM SAÚDE NO BRASIL

Data:
21 de fevereiro de 2005

Depoente:
José Francisco Paranaguá de Santana (JP)

Entrevistadores:

(CH) Carlos Henrique Assunção Paiva

(FA) Fernando Pires Alves

(GH) Gilberto Hochman

(JC) Janete Lima de Castro

N° da Entrevista:

Código: 1 / 8

Transcrito por:

Andrea Ribeiro – setembro 2005

FITA 1/LADO A

GH – Dia 21 de fevereiro de 2005, Rio de Janeiro, Fundação Oswaldo Cruz. Entrevista com José Paranaguá de Santana, projeto “História da Cooperação Técnica em Recursos Humanos no Brasil”. É um projeto da Casa de Oswaldo Cruz, da Rede Observatório em Recursos Humanos em Saúde. A gente vai iniciar pelo Carlos.


CH – O entrevistado é o doutor José Francisco Nogueira Paranaguá de Santana. Os entrevistadores: Janete Castro, Carlos Henrique Paiva, Gilberto Hochman e Fernando Pires. Bem, Dr. Paranaguá, a gente vai começar a nossa entrevista como se faz habitualmente. Gostaríamos que o senhor comentasse um pouco sobre a sua origem familiar, sua infância e seus estudos básicos.


JP – Eu sou de uma família de professores. Minha mãe era professora primária e meu pai é professor universitário. No Piauí, como professora primária ganhava muito pouco, depois que nasceram os primeiros filhos do casal, eu sou o mais velho, ela teve que deixar a função de professora primária para atender os interesses da economia doméstica. Pois, ela rendia mais cuidando da casa, dos filhos e fazendo roupas para nós, do que como professora primária. E meu pai, embora esteja atualmente, há mais de dez anos aposentado, ainda continua fazendo o que ele sempre fez na vida, que é dar aulas, estudar e orientar alunos na área dele. Acho que graças a esse ambiente familiar, eu sempre, muito pressionado por eles, fui movido para o campo dos estudos e da leitura. De forma que, não só a minha formação profissional, que dependeu da minha própria vontade, mas na fase de criança e adolescente, fui realmente impulsionado por eles a ler muito, gostar de literatura, ler romance e ler história. De forma que, essa é a referência mais valiosa da minha vida familiar.


FA – Isso se dava na sua cidade natal?


JP – Eu cresci na cidade de Campo Maior, que fica a 80 km ao norte de Teresina. Aos cinco anos de idade, minha família, meus pais mudaram para Teresina, capital do estado. Morei em Teresina dos cinco anos até os desesseis. Aos desesseis anos fui estudar em Fortaleza, até os vinte. E com vinte anos, acompanhei a transferência do meu pai, que veio da Universidade do Piauí para a Universidade de Brasília. Em Brasília, eu terminei a faculdade de Medicina, que começara em Fortaleza, em 78. Me formei em julho de 74, com um semestre a mais no currículo por causa dos atrasos da transferência entre as duas universidades.


CH – Só seu pai é professor?


JP – Papai era professor da disciplina de Economia Política. Hoje está aposentado. É professor emérito da Universidade do Piauí. Ele era da Universidade do Piauí, foi para Universidade de Brasília. Depois que se aposentou, voltou para Teresina, trabalhou como professor, com bolsa do CNPq para professor visitante. Atualmente, continua, mas como professor emérito da universidade.


CH – O senhor, então, foi o primeiro médico na família. Não veio de uma tradição de médicos em família, então?


JP – O irmão do meu pai era médico. Por sinal, foi o primeiro sanitarista do Piauí. Começou a vida dele de médico do interior num centro de saúde, na época se chamava posto de saúde, no município de Pedro II, que, aliás, é um município famoso, porque é uma das poucas reservas mundiais de uma pedrinha que, esqueci agora o nome dela, que é muito procurada internacionalmente. Mas, era o único médico das gerações mais próximas, tanto da família da minha mãe, como do meu pai.


JC – Isso foi uma influência para o exercício da Medicina, na sua profissão? Ou outras...


JP – Não. Eu gostava muito dele. Era uma pessoa muito simpática com os sobrinhos, muito bom com a gente. Eu passei férias na casa dele no interior. Mas a minha opção por estudar medicina não teve muito a ver com ele. Acho que não teve nada a ver com ele. Escolhi isso por uma opção entre romântica e idealista. É uma mistura de fantasia com idealismo, marcante na época em que eu estava me preparando para entrar na universidade. Tinha o ideal de voltar para a minha terra, o Piauí, e, no entanto, estava me preparando para fazer o curso de engenharia eletrônica, especialização em engenharia nuclear. E me perguntei um belo dia, o que é que eu ia fazer como engenheiro eletrônico ou engenheiro nuclear no Piauí. Descobri que era uma chance muito pequena, então, resolvi no ano em que ia fazer o vestibular para medicina, porque era uma garantia de que eu voltaria para o Piauí. E como não voltei e não tenho esta ilusão de voltar ao Piauí, nesta fase da minha vida, eu acho que foi um arroubo sentimental, romântico, idealista, que me fez dar uma volta de 180º na opção entre engenharia nuclear ou engenharia eletrônica, e medicina.


FA – Seus irmãos tiveram a oportunidade de fazer carreira superior também?


JP – Somos seis. Eu e minha irmã caçula somos médicos. E somente uma não fez curso superior. Os outros todos, cinco, fizeram curso superior. E um deles, que é o único irmão homem que tenho, é professor da Universidade Federal do Maranhão. Aliás, é o único que entrou para a carreira docente institucional como professor universitário. Eu entrei na Universidade de Brasília, trabalhei lá durante três anos, logo que me formei, mas abandonei a carreira docente universitária pela opção de trabalhar na OPAS [Organização Pan-americana da Saúde].


JC – Em que ano foi isso em Brasília?


JP – Eu trabalhei na UnB [Universidade de Brasília] logo que me formei, em 74. Fiz uma residência nova, criada nessa época, dentro de um projeto de reforma do currículo e de reestruturação do curso da UnB, que era liderado pelo professor Frederico Simões Barbosa, que na época era o diretor da Faculdade de Ciências da Saúde da UnB. Quando terminei essa residência, fui contratado em janeiro de 76, para trabalhar como coordenador local de um projeto de medicina comunitária em Planaltina, que era um projeto da Universidade de Brasília, financiado pela Fundação Kellog e pela Fundação Interamericana.


GH – A gente ainda acha que vai chegar em Planaltina. Mas, antes disso, algumas coisas de caráter mais geral sobre o ambiente intelectual e acadêmico, na Universidade de Brasília, no período em que você cursou a medicina. Como é que foi no início dos anos 70?


JP – Foi o período entre 70 e 75, que são conhecidos como os Anos de Chumbo da ditadura do governo [Emílio Garrastazu] Médici. A Universidade de Brasília tinha uma vida política... Eu acho que no limite do que era possível naquela época, mas com uma diferença muito clara para quem fazia qualquer atividade política, pois era imediatamente preso ou perseguido, como aconteceu com vários líderes do movimento estudantil da universidade ou até mesmo professores, em Brasília. Eu optei pela militância política no plano institucional. Então, fui sempre representante, acho que nos últimos três anos da faculdade, durante a residência, durante o mestrado. Eu fiz o mestrado também na UNB e fui representante de turma nos colegiados da Faculdade de Ciências da Saúde. Então, tinha uma atividade política enquadrada dentro das organizações oficiais da universidade. Era a representação de turmas nos colegiados ou no conselho departamental dos cursos que estava fazendo. Vários colegas, inclusive alguns, estão também hoje, na área de Saúde Pública. Talvez o exemplo mais recente e importante dessa época foi o Gastão [Wagner]. Gastão se formou não sei se seis meses ou um ano depois de mim. Ele tinha uma atividade política mais intensa de movimento estudantil. Outras pessoas, como a deputada [Maria José] Maninha de Brasília, também foi dessa época. Era uma época em que existia atividade política, mas com uma limitação muito forte pelo sistema de repressão.


GH – Ainda em relação a esse período como estudante de medicina, quais seriam as leituras, as obras, os nomes que te influenciaram naquele momento? Você tem memória de alguma leitura?


CH – O ambiente intelectual.


FA – O ambiente intelectual de caráter mais geral. Não precisa nem necessariamente ser relativo ao curso. Mas as influências que você acha mais importante.


JP – Eu não tive do ponto de vista de formação política ou ideológica.


FA – Ou mesmo na medicina ou no campo da saúde?


JP – Não tive influências importantes na época de estudante, de graduação. Nessa época, eu me dedicava mesmo ao curso e nas horas vagas, eu dava aula em cursinho particulares para ter uma forma de ganhar dinheiro para viver a vida. Meu pai era professor, mas tinha cinco filhos. A renda familiar era exclusivamente dependente dele. Ele não tinha condições de me dar nenhuma mesada e nenhum auxílio. A não ser o sustento básico, de casa. Já me dava local para morar e ajudava a comprar livros e colocava comida em casa. Qualquer despesa eu tinha que me virar, por causa das condições. Eu tinha cinco irmãos mais novos e o salário dele não dava para eu viver com mesada. Então, eu trabalhava nos horários disponíveis: à noite e às tardes que a gente conseguia escapar das atividades do curso. Me dedicava, nesse momento à pesquisa básica ou à clínica que eram as minhas duas opções. Quando eu terminei a faculdade, minha opção era clínica, na área de endocrinologia, ou continuar com investigação em ciências básicas. Eu era bolsista de iniciação científica do CNPq e trabalhava no grupo de pesquisa formado por alguns professores, do qual participava o Aluisio Costa e Silva, o Reginaldo Albuquerque e o Valdenor [?]. Eles trabalhavam com investigações científicas sobre modelos de pesquisa de insuficiência renal crônica e influências da insuficiência renal crônica no funcionamento da tireóide. A outra opção que sempre me atraiu muito era o campo, na época se tinha crítica sobre esse nome, eu sempre fui muito crítico desse nome também, mas ainda era muito praticado, chamado de medicina tropical. Gostava muito disso, especialmente, tive uma convivência muito interessante nos dois últimos anos do curso médico com o professor [?] Ferreira. Aliás, o pai do José Roberto Ferreira, que hoje trabalha na Fiocruz, era professor de Tisiologia nessa época. Foi muito interessante porque foi uma espécie de retorno ao meu sonho de adolescente. Eu fiz um projeto para me formar ir trabalhar no sul do estado de Piauí, onde minha família materna reside. Queria erradicar a tuberculose no sul do estado do Piauí com esse projeto orientado pelo doutor Ferreira. Mas, outras coisas aconteceram na vida e eu não voltei para o sul do Piauí para combater a tuberculose.


JC – O senhor falou do ambiente intelectual, mas acho que discutir sobre os nomes das pessoas que são influentes nesse campo sanitário é importante...


GH – Qual era talvez o campo da Saúde Pública ou da Saúde Coletiva, que você acabou adentrando mais à frente, na universidade? Você tinha algum sinal disso? Enfim, se você tinha informações, foi apresentado ao campo?


JP – Tinha o projeto curricular do curso de medicina da UNB, ele originalmente foi muito voltado para ser um curso que permitisse o egresso trabalhar em projetos, que estariam próximos à Saúde Pública. De fato, vários professores da minha época de graduação tinham essas propostas para os estudantes. Existia um programa de Saúde Comunitária em Planaltina que era coordenado pelo Juan Bosco Salomon, um dos professores de liderança na área de Medicina Comunitária e Saúde Pública na universidade. Era coordenador de um grupo de professores que trabalhavam nesse programa comunitário em Planaltina. Tinha o Frederico Simões Barbosa que tinha chegado, na época em que ele trabalhou na OMS [Organização Mundial da Saúde], em Genebra, como consultor e atuou no controle de esquistossomose. Ele voltou para a Universidade de Brasília. Era um nome de muito prestígio que realmente chamava a atenção. E começou a organizar em torno dele um grupo de professores. Um dos mais importantes para a minha convivência posterior foram o Carlile Lavor e a [?] Flora. Aliás, a Flora, eu convivi com ela somente durante os últimos anos da graduação. Depois que me formei, nunca mais a encontrei. Eles coordenavam o programa de medicina rural, de medicina comunitária, que foram disciplinas optativas para trabalhar com comunidades rurais no Distrito Federal ou na cidade satélite de Planaltina. Mas, até terminar o curso, eu ainda não tinha nenhuma decisão, nenhuma tendência ou opção para trabalhar com Saúde Pública. Isso esteve muito ligado a uma circunstância particular da minha vida. Eu terminei a faculdade e pretendia, em julho, me casar em dezembro. Nessa época, no mês de julho, não existia residência médica no meio do ano. Esse negócio de residência médica no meio do ano é mais recente. E meu pai estava coordenando um projeto de pesquisa financiado pelo governo do Distrito Federal, um estudo sobre a região geoeconômica de Brasília. Estava exatamente à procura de alguém que ocupasse a função de pesquisador assistente na área de Saúde Pública. Então, juntou a fome com a vontade de comer. Eu estava precisando ganhar dinheiro, de algum trabalho, não tinha na área que eu queria. As minhas opções eram: ir para plantão particular ou ficar fazendo bico como médico, como todos faziam. Ou, até mesmo, ir para o interior como a maioria dos meus colegas. Eles ficavam fazendo estágio gratuito, sem remuneração nos hospitais de Brasília. E como eu ainda não tinha claro o que iria fazer ainda da minha vida, resolvi pegar esse trabalho de pesquisador assistente do projeto da região geoeconômica de Brasília, como eu não tinha formação e ainda era recém formado. Além disso, não tinha nenhuma formação em Saúde Pública, ainda assim me vali da orientação basicamente de quatro pessoas: o Juan Bosco Salomon, professor da universidade, o qual foi convidado para ser consultor da pesquisa da região geoeconômica pela Universidade de Brasília; o Solon Magalhães Viana, hoje aposentado do IPEA [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada], na época era assessor de planejamento da Secretaria de Saúde e representava o governo do Distrito Federal no projeto da região geoeconômica de Brasília; o Frederico Simões Barbosa, convidado por meu pai por meu intermédio, porque eu sugeri que ele convidasse o Frederico para também ser consultor dessa pesquisa. Eu falei quatro, mas eu acho que foram só esses três. A quarta pessoa era o representante da OPAS [Organização Pan-americana da Saúde] no Brasil, nessa época. Porque além da orientação desses três que eu citei... como é que devia ser feita a pesquisa, como é que eu devia montar o protocolo de estudo, eu ainda sentia muita insegurança e não estava satisfeito com a proposta que eu já tinha desenvolvido. Então, soube que tinha um negócio que chamava OPAS, porque eu já sabia, eu comprei vários livros durante o curso de medicina do Programa PALTEX [Programa de Livros Textos], eu sabia que era da OPAS. Já tinha consultado muitas vezes a BIREME [Biblioteca Regional de Medicina] como pesquisa na minha bolsa de iniciação científica. Então, eu resolvi falar com o homem da OPAS em Brasília.


JP – O Doutor [Frederico] Bressane, aliás, se encantou pelo Brasil, porque depois que ele se aposentou da OPAS, continuou morando no Brasil. Faleceu há alguns anos atrás em Recife. Erradicou-se em Recife. Trabalhou o resto da vida dele no IMIP, no Instituto Materno Infantil de Pernambuco. É uma pessoa interessante porque era um médico que tratava de lepra naquele filme do Che Guevara que passou há poucos dias . O Bressane foi aquele o cara que recebeu o Che Guevara e o colega dele naquele lugar, naquele leprosário no interior do Peru. Era peruano. Doutor Bressane era uma figura assim muito, pelo menos a recordação que eu guardo dele nessa época, porque não o encontrei mais. Era uma pessoa muito aberta, muito disposta a ajudar e me deu muitas publicações, muitas orientações e muitos livros. E o que eu fazia com isso, o que eu fiz foi praticamente foi um curso de Saúde Pública autodidata. Durante o segundo semestre de 75, eu li todos os livros de Saúde Pública, relatórios da OMS, Conferências de Saúde, enfim, tudo o que existia na biblioteca da Universidade de Brasília e do Centro de Documentação do Ministério da Saúde, eu li nesse período. Passava muitas noites no laboratório fazendo cromatografia de tireóide de rato com insuficiência renal crônica. E tinha que ficar acordado porque o processo não era automático. Para mim, era uma forma de ocupar o tempo entre uma troca e outra de fatias da cromatografia. Eu tinha tempo para ler e lia muito. Foram essas quatro pessoas que talvez tenham protagonizado a minha opção pela Saúde Pública, que foi se fazendo aos poucos. Trabalhando no projeto da região geoeconômica, li muito sobre Saúde Pública, conversava com essas quatro pessoas que eram homens com experiência muito grande. Frederico Simões Barbosa, um dos maiores pesquisadores, uma das maiores autoridades em Saúde Pública na área de esquistossomose, de controle de outras endemias. O Solon Magalhães Viana, sanitarista, ainda jovem naquele tempo, mas uma pessoa já com experiência. Ele tinha inclusive acabado de fazer ou estava fazendo, na época doutorado na Faculdade de Saúde Pública. O Juan Bosco Salomon que era o professor titular de Medicina Comunitária, era o nome que tinha na Universidade de Brasília. Não se usava o nome Saúde Pública na Universidade de Brasília, nessa época. O doutor Bressane era um sanitarista da OPAS que me ajudou muito, talvez até sem saber. Quando eu cheguei lá, ele não me perguntou nada, só ia me orientando, conversando e me dando livros para ler.


CH – Ainda sobre o seu período como estudante, no momento de desenvolvimento da Medicina Social e da inauguração do Instituto de Medicina Social no Rio de Janeiro [IMS/UERJ], vocês chegaram a discutir isso no curso de medicina? Isso se desdobrava em alguma disciplina ou tema de pesquisa? Estou falando da entrada das Ciências Sociais no campo da Saúde, pois esse processo é muito visível e forte durante os anos 70, quer dizer, apesar do movimento ser obviamente anterior. Em que pé estava isso lá, quando você era estudante de medicina ainda?


JP – Na Universidade de Brasília havia uma situação interessante, era um pouco assim, uma espécie de auto-referência que tanto professores como alunos da faculdade faziam do que era considerada, pelo menos para nós mesmos, a melhor experiência de um currículo voltado para, entre aspas, as reais necessidades de saúde da população, quer dizer, nós alunos e boa parte dos professores estamos convencidos de que este era o melhor projeto de educação médica renovada que tinha no país. Então, nós tínhamos notícias da reforma curricular da USP [Universidade de São Paulo], do currículo novo na Paraíba, do curso que estava sendo criado em Campina Grande. De cursos novos que estavam sendo criados no Instituto de Medicina Social. Tínhamos a impressão de que estávamos fazendo na prática, aquilo que os outros faziam na teoria. Tínhamos também notícias de experiências internacionais, como a implantação do curso da Universidade de Xochimilco, no México e da Universidade Nacional Autônoma do México. Fora outras experiências que se tinha notícias, que se falava durante reuniões de estudantes e professores, tal como a experiências da Universidade Cayetano Heredia, no Peru, e algumas outras. Existia entre nós a sensação de que estávamos tomando a linha de frente nesse negócio. Na época das primeiras semanas de estudantes de Medicina, o movimento da UNE [União Nacional dos Estudantes] era proibido, perseguido e impedido de fazer reunião política. A UNE inventou de fazer semanas, como se fossem de temas técnicos ou profissionais. Foi a época em que se criou a Semana de Saúde da Medicina, como é que chama? Não lembro agora.


JC – Medicina Voluntária?


JP – Não.


JC – Era SESAC ou Saúde Comunitária?


JP – Saúde Comunitária. Tinha uma que era mesmo sobre medicina, mas eu não cheguei a participar. Só acompanhava e tinha notícias, mas não tinha militância.



FIM DA FITA 1/LADO A



FITA 1/LADO B

CH – Lado B, fita 1.

GH – Fita 1, segundo lado.

JP – Quando eu terminei a faculdade, em 75, dentro da proposta de trabalhar no projeto da região geoeconômica de Brasília, eu decidi então não fazer clínica e me dedicar mais à pesquisa básica e resolvi fazer Saúde Pública. Saí atrás dos programas de formação em Saúde Pública que tinha no Brasil. Vim para o Rio [de Janeiro], conheci a faculdade, tive carta de apresentação e procurei o diretor da faculdade, e ainda conversei com alguns dos professores, não me lembro mais quem eram. Dessa forma, conheci o curso de Saúde Pública da Escola [Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fiocruz]. Não me motivei, pois achei que era um curso muito tradicional. O que acabei fazendo foi rever tudo o que eu já tinha lido por conta própria. Peguei o currículo do curso que tinha aqui e achei que eu ia perder tempo. Me disseram que a Faculdade de Saúde Pública em São Paulo tinha um currículo mais tradicional do que o daqui. Então desisti de visitar. Digo: “bom, se já é mais tradicional do que o da ENSP, eu nem vou lá”. Eu Tinha uma carta de apresentação para o Hésio Cordeiro. Eu não conhecia o Hésio, trouxe uma carta de apresentação do professor lá da universidade, que era um dos meus orientadores em pesquisa básica. Consegui ser recebido pelo Hésio e pelo Moisés [Goldbaum], na época, ainda trabalhava aqui na UERJ [Universidade do Estado do Rio de Janeiro], no Instituto de Medicina Social. Moisés, logo algum tempo depois, foi para Johns Hopkins, e acho que está lá até hoje. Conversei com eles dois e tive até uma certa simpatia pela idéia de fazer a residência de Medicina Preventiva da UERJ. Só que quando eu estava saindo da UERJ encontrei com o Roberto Nogueira, que foi meu colega do curso do Ceará, e acabamos conversamos. Fazia anos que eu não o via. Isso desde que eu me transferi do Ceará para Brasília, não encontrei mais com ele. Aí, quando cheguei aqui, o Roberto disse que estava fazendo essa residência. Ele disse: “olha, para vocês na Universidade de Brasília”, porque ela era conhecida pelos institutos de medicina do Brasil inteiro na época, como a faculdade que tinha feito um currículo com uma integração docente-assistencial muito mais forte do que as outras. Ele me disse o seguinte: “para vocês da Universidade de Brasília que deve ter muita prática lá no hospital de vocês. A residência da UERJ de Medicina Preventiva vai ser um saco, porque a gente passa o primeiro ano fazendo rodízio de três em três meses na clínica médica, na pediatria, na cirurgia”. Depois disso matei a decisão de ir para essa residência. Obtive informações por carta e por pedido dos currículos das outras residências, que não eram mais do que meia dúzia. Tinha uma de Ribeirão Preto, uma na Santa Casa de São Paulo, outra na Faculdade de Medicina da USP, na Casa de Arnaldo [Vieira de Carvalho]. E todas elas eram com esta perspectiva muito teórica da Saúde Pública e da Medicina Preventiva. O primeiro ano fazendo estágio em pediatria, cirurgia, clínica médica e gineco-obstetrícia. Por isso, eu desisti de fazer todas essas residências, porque a parte de Saúde Pública, eu já tinha lido tudo e a parte de clínica e de pediatria, eu também já tinha feito em Brasília. Então, resolvi não fazer pós-graduação em Saúde Pública nessa época. Porque eu achei que nenhum dos programas me traria benefício. E como eu era muito auto-suficiente nessa época, acabei não descobrindo que uma coisa que tem importância é ter títulos também. Então, para mim, na época, não importava se eu ia obter um título de especialista depois. O que importava era o que eu achava do currículo, se ele iria ser atraente para mim.


JC – Acho que a gente pode entrar em Planaltina?


FA – Só um detalhe, porque você faz uma escolha pela especialização em Medicina Comunitária na própria UNB?


JP – Pelo seguinte, quando eu vi que não ia ter interesse pessoal para mim, em fazer o curso da ENSP [Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fiocruz], que era mais famoso do que outros, eu fiquei sem uma opção. O professor Frederico Simões Barbosa me disputava com o Aluísio Prata, a opção para trabalhar com eles. O Aluísio Prata era uma liderança muito importante na Universidade de Brasília naquela época. Eu fazia parte do grupo de ex-alunos que estava sendo atraído por alguns professores para trabalhar com eles. Pertencia a esse grupo o Aluísio Prata, o Bosco, o Salomon e o Frederico Simões Barbosa. Eu optei pelo Frederico Simões Barbosa por identidades doutrinárias ou ideológicas. O Prata é de longa data. Ele, como pesquisador, era muito tradicional na área de Medicina Tropical. A visão da Medicina Tropical que ele representava não me agradava muito. Embora, eu tivesse na época uma relação pessoal, e ainda tenho, muito boa pessoal com ele. O Juan Bosco Salomon, eu o conheci muito e trabalhei como bolsista no Programa de Medicina Comunitária de Planaltina. Me interessou mais a proposta do Frederico Simões Barbosa do Projeto de Medicina Comunitária de Planaltina. Ele ia implantar esse projeto a partir de 80, 76 com financiamento da Fundação Kellog e da Fundação Interamericana. Aliás, implantaram esse projeto em 75. Errei aqui o ano, em 75. E a opção que eu tinha era de fazer com ele o progra... Errei na residência que eu gostaria que fizesse. Foram essas as palavras dele: “nós vamos fazer juntos esse projeto”, “você vai fazer, vai dizer o que é importante para um programa de Medicina Comunitária”, “você precisa arranjar mais alguns colegas, porque não dá para fazer uma residência só para um”. Minha turma era muito grande, eram 150 alunos. E eu comecei a conversar com vários colegas que estavam lá sem perspectiva de uma residência. Naquela fase em que a gente termina a faculdade e fica na dúvida de qual especialidade fazer. Embora, egresso de um curso que dizia que quando o médico saísse dele, não era para ser especialista, mas na verdade todo mundo estava pensando que especialidade queria fazer. Eu consegui mais quatro, não sei se quatro ou cinco colegas, que aceitaram participar dessa nova residência que iria ser criada lá no Projeto Planaltina. Era uma residência em Saúde Comunitária. Tal residência funcionou de 75 até 78, quando o reitor da universidade, por enfrentamentos políticos com o Frederico Simões Barbosa, mandou fechar o Projeto Planaltina, cancelar os convênios e demitir todo o pessoal que era vinculado ao projeto, com exceção dos professores. Porque demitir professor, embora na ditadura, já estava na abertura lenta e gradual, principalmente um professor importante, como era o Frederico Simões Barbosa. Mas em 78, acabou a residência e tal. A residência teve uma vida curta, mas representava uma coisa de interesse para mim, trabalhar com um projeto novo, com uma intensa atividade prática e fazendo aplicações da epidemiologia, da antropologia, da sociologia, das ciências, do serviço social, uma equipe multidisciplinar que tinha no Projeto Planaltina para trabalhar com as comunidades tanto na zona urbana, quanto na zona rural de Planaltina. Então, esse era o meu ideal em fazer uma boa especialização em Saúde Pública ou Medicina Preventiva.


FA – O que, exatamente, foi o Projeto Planaltina?


JP – O Projeto Planaltina reunia uma série de aspirações. A Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília, quando foi criada para ser um currículo totalmente novo. E não foi. Quer dizer, todas as turmas que saíram formadas, a partir da primeira turma, eram raros os que se dedicavam à Medicina Comunitária, porque não tinha mercado de trabalho. Não tinha mercado de trabalho nem para a Saúde Pública nessa época. Então, as pessoas iam trabalhando em especialidades. Uma das coisas que o Projeto Planaltina pretendeu responder, foi a retomada do projeto original de integração docente-assistencial que formasse um médico para as necessidades de saúde das comunidades pobres do Brasil. O Projeto Planaltina tinha essa dimensão. Tinha uma outra vertente, devido a características bem locais do Projeto Planaltina, o Projeto Planaltina tinha um dos primeiros sanitaristas de Brasília, que já faleceu, doutor Átila de Carvalho. Ele dirigia o posto de saúde, o centro de saúde e o hospital de Planaltina desde sua inauguração. Era a única comunidade e a única cidade satélite de Brasília onde existia, realmente, um programa de Saúde Pública, ordenado por ele e por uma enfermeira que chamava se Maria Morita. Por várias outras pessoas, mas eles dois eram a base desse negócio. Ele como médico, sanitarista e diretor do centro de saúde e a Morita, que era enfermeira, cuidava dos programas de Saúde Pública, especialmente na zona rural. Outra característica local de Planaltina era um centro de desenvolvimento social, que foi uma entidade criada pelo governo militar e implantado em muitas cidades do Brasil. Eram centros para compensar os efeitos da repressão a comunidades carentes. Então, criava-se aquele centro de desenvolvimento social como uma forma de canalizar o discurso da ditadura na época, as forças vivas da comunidade para o desenvolvimento e para a vida social e dentre outras coisas. No CDS de Planaltina, foi trabalhar uma mulher do professor da universidade que era a Miriam Lavor, que era mulher do Carlile Lavor, que foi um dos primeiros adeptos do Projeto Planaltina no corpo docente da UnB. Em relação aos estudantes havia uma expectativa de um certo tipo de idealismo. Na experiência de Sobradinho tinha sido imitado o hospital que no começo era uma Unidade Integrada de Saúde de Sobradinho, virou um hospital mesmo. Os estudantes não saíam de dentro do hospital nos últimos anos já. Então, a idéia de Planaltina era um pouco assim, como se ela fosse resgatar a prática de Medicina Comunitária, de Saúde na comunidade, que a experiência de Sobradinho não tinha conseguido perpetuar. Então, o Projeto de Planaltina veio com essa idéia. É... Isso do ponto de vista do ambiente interno da faculdade, ou das características locais da cidade de Planaltina, não é? Um terceiro elemento importante nesse projeto é que ele fazia parte de um conjunto de iniciativas que existiam em toda a América Latina, e no Brasil, que eram os projetos de integração docente-assistencial financiados pela Fundação Kellog, não é? Então, a Fundação Kellog tinha essa proposta de financiar projetos de Medicina Comunitária em vários lugares da América Latina e [tosse] o professor Frederico Simões Barbosa tinha conseguido aprovação para que um desse... dos projetos do Brasil fosse lá em Planaltina. Então, era uma proposta viável do ponto de vista, digamos assim, da aceitação interna da comunidade docente, dos alunos, com uma grande receptividade, um grande interesse das lideranças políticas da cidade satélite. Políticas que eu digo, assim, que as instituições governamentais, que era autoridade de Saúde, autoridade de Desenvolvimento Social e a autoridade, que seria o prefeito da cidade de Planaltina, que se chama até hoje, em Brasília, administrador regional. O administrador regional de Planaltina, nessa época, dava total apoio. Ele, pessoalmente, se empenhou na aprovação e nas condições materiais para que o Projeto Planaltina, da Universidade de Brasília, fosse implantado lá, na cidade dele. Então, essas características, quer dizer, da parte da universidade, da parte da cidade de Planaltina e como parte de um movimento nacional, quer dizer, os projetos IDA [Integração Docente-Assistencial], não é? Nessa época, o governo tinha criado no IPEA [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada], um órgão que se chamava... Centro Nacional de Recursos Humanos, que era um grupo de pessoas selecionadas para pensar grandes projetos de desenvolvimento na área de recursos humanos de saúde, não é? A equipe inicial desse projeto foi o Eduardo Geertz, o Solon Magalhães Viana, que eu já citei, que era da Secretaria de Saúde, nessa época passou ao IPEA, e um jovem, gaúcho, que foi pra lá não sei como, que foi o [Sergio Francisco] Piola, que até hoje está no IPEA. Eu não sei se o centro, o CNRH tinha mais gente, mas eu me lembro bem desses três, o Eduardo Geertz, o Piola e o Solon. Então, essa idéia de que era uma coisa importante ter um projeto com essas características era uma coisa que tinha assim boa repercussão, quer dizer, era uma proposta promovida em vários outros países. O CNRH achava que isso era uma coisa inovadora, né? A faculdade queria dar continuidade a um projeto que já era patente naquela época e tinha fraquejado em Sobradinho. O Projeto Planaltina. Agora, tem a minha visão pessoal. O que era Planaltina para mim? Foi a opção que eu tive para entrar no campo da Medicina Social, da Medicina Comunitária ou da Saúde Pública, sem depender dos mecanismos tradicionais ou convencionais, que era fazer um curso na ENSP ou uma residência de Medicina Preventiva que tinha exigência de fazer um estágio rotatório em áreas básicas. Não me agradavam porque Medicina eu já sabia. Eu tinha aprendido Medicina no curso de Medicina. Eu sabia atender criança, adulto e velho.


CH – O senhor trabalhou pouco mais de dois anos nesse projeto?


JP – Eu trabalhei quatro anos nele, de 75...


CH – No currículo consta “agosto de 76 até dezembro de 78”.


JP – Porque eu fui contratado em agosto de 76, mas, na verdade, eu já trabalhava lá como residente. Na fase em que eu era voluntário.


JC – Então, o senhor iniciou em 75. E concluiu quando? Em 78?


JP – Eu saí do Projeto Planaltina em 78, teoricamente. Porque, em 79, eu ainda continuei, mesmo desempregado do projeto. Saí do cargo que eu tinha como coordenador do Projeto Planaltina, mas eu continuei participando das atividades, não me desvinculei dos trabalhos que estavam sendo realizados. Eu só, efetivamente, me desliguei psicológica e efetivamente de Planaltina já quase no final do ano de 79. Embora eu tenha me afastado do cargo. O cargo de coordenador local do Projeto Planaltina, em dezembro de 1978. Ainda continuei, emocionalmente ligado a Planaltina durante muitos meses.


JC – Paranaguá, você tem um trabalho acadêmico sobre o Projeto Planaltina?


JP – Têm vários.


JC – Você que escreveu?


JP – Eu escrevi sempre junto com o Frederico Simões Barbosa ou Carlile. Tem com a Flora. Nós publicamos na revista da ABEM [Associação Brasileira de Educação Médica] e em uma revista na OPAS. Tem relatórios do próprio Projeto Planaltina. Tem a minha dissertação de mestrado, que foi feito na área do mestrado na UnB. Era sobre Medicina Tropical. Na verdade, foi um mestrado em Epidemiologia Aplicada a Serviços. Eu fiz uma dissertação sobre avaliação do impacto do programa de Atenção à Saúde Infantil. Estudei a incidência da diarréia em crianças menores de um ano em Planaltina. Já em termos de publicações, tem algumas. Eu acho que publiquei um ou dois artigos em jornais de Brasília também sobre o Projeto Planaltina. Acho que deve ter uma meia dúzia de referências na literatura sobre Planaltina.


CH – Eu pediria que falasse um pouco mais sobre o impacto desse projeto na sua formação e na sua trajetória profissional.


JP – Eu diria que Projeto Planaltina foi determinante para toda a minha vida profissional posterior. Eu terminei o curso com uma experiência boa de clínica. Só não gostava de cirurgia. Eu detestava centro cirúrgico. Gostava da enfermaria e de cirurgia porque eu lidava com as pessoas. Fiz clínica cirúrgica, mas não fiz cirurgia. Trabalhei muito com pediatria. Na área de Saúde Pública, eu tive, durante o curso, uma experiência interessante, porque nós fazíamos uma disciplina de Medicina Comunitária no programa de Saúde integrado de Saúde Materno Infantil, que era coordenado pelo professor Salomon, Juan Bosco Salomon. Eu, por necessidade de renda, me candidatei e ganhei uma bolsa do programa de Saúde Materno Infantil do Bosco. E trabalhei além do tempo que fiz a disciplina. Trabalhei lá um ano e meio fazendo a revisão e o cadastramento de todas as famílias, das condições sócioeconômicas e sanitárias de toda a cidade de Sobradinho. Eu ajudei a organizar todo o sistema de referência, todas as informações sócioeconômicas e sanitárias da comunidade de Planaltina no projeto do Bosco. Fiz isso sem uma motivação maior, sem saber que depois eu iria trabalhar e me interessar por esse campo. Eu gostava da clínica, inclusive, gostava muito de pronto-socorro, da área de laboratório, de fazer pesquisa com rato com insuficiência renal crônica. Eu tinha uma diversidade muito grande de interesses. Meus professores, nessa época, quer dizer, o grupo de pesquisa, o grupo de Medicina Comunitária e os de clínica, todos eles ficavam brincando comigo: Quando é que você vai se decidir, quando é que você fica do nosso lado?”. Quando eu resolvi ficar do “nosso lado”, foi do lado que representava o grupo do Frederico Simões Barbosa. Tive uma relação muito positiva e amiga com o professor Frederico. Me tornei um grande admirador e um grande amigo dele. Ele me deu muitas oportunidades, quer dizer, me convidou para trabalhar e me deu liberdade para pensar a residência que a gente ia fazer em Planaltina. Eu tinha muita liberdade de trabalhar com ele. Conversávamos muito. Eu pegava carona duas vezes por semana com ele para ir a Planaltina. A gente ia conversando no carro. São 50 km. Na época, era 30 minutos de viagem. Então a convivência com ele e com o Carlile Lavor, que depois teve uma história também muito interessante na Saúde Pública no Estado do Ceará, foi o inventor do agente comunitário de saúde do Ceará e uma das pessoas, que assegurou a implantação do Programa Saúde da Família no Ceará, que é o protótipo do Programa de Saúde da Família no Brasil. O Átila era um velho sanitarista, uma pessoa que, aquela, quer dizer, tinha uma formação de sanitarista e sespiana . Ele tinha uma atitude muito formal, você olhava para ele, parecia que ele era aquele sujeito formalíssimo. Ele era de uma irreverência, de uma ironia muito grande na intimidade. Então, até no corredor, ele era um sujeito que você olha assim, pensava que ele era formal, chato e sisudo. Quando fechava a porta da sala dele, ele conversava, abria o jogo, denunciava as coisas e pedia para eu fazer denúncias porque ele não queria fazer de coisas que achava erradas. Ela achava como eu era mais novo, então podia fazer. Dizia que não tinha mais idade para fazer essas denúncias. Então, foram pessoas muito importantes, porque eles tinham experiência e boa formação científica. E eu convivi com eles intensamente durante esses quatro anos. No segundo semestre de 75, eu estava à busca de uma residência e não achei, terminei fazendo a residência. Confundi o ano novamente, foi o segundo semestre de 74. Em 75 já fiz a residência. De forma que entre o segundo semestre de 74 até 78, eu convivi com essas pessoas diariamente. Tem uma outra grande amiga que era uma professora da área de ginecologia, e depois foi para a área de dermatologia. Era professora de gineco-obstetrícia que largou tudo. Eu não vou dizer na expressão dela porque que ela deixou gineco-obstetrícia para fazer dermatologia e foi trabalhar em Planaltina com a gente. Toda a repercussão que esse programa tinha quando a OPAS começou a trabalhar no programa de cooperação e no Plano Geral para o Desenvolvimento de Recursos Humanos no Brasil. O Projeto Planaltina foi convidado para participar da reunião de apresentação desse programa do projeto PPREPS [Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde]. Porque tinha a situação de ser um projeto da Universidade de Brasília, na capital federal. Então, era uma coisa que tinha prestígio. Me motivava muito. Então, eu tinha chance de estudar, de conviver com pessoas que tinham grande experiência. Conheci, nessa época, o professor Mário Chaves, que era o representante da Fundação Kellog. Ele esteve várias vezes em Brasília para discutir conosco o projeto que visitou Planaltina. Era uma oportunidade de conhecer pessoas importantes e com experiência. Tais pessoas tinham sido convidadas por Frederico Simões Barbosa para visitar o projeto. Enfim, foi meu aprendizado; Planaltina foi a minha pós-graduação em Saúde Pública. Eu fiz a residência, depois fiz um mestrado, que nominalmente foi em Medicina Tropical. Se eu pudesse mudar o título do meu mestrado, seria mestrado em Medicina Comunitária de Planaltina. Foi uma experiência tão marcante que, quando o reitor acabou com o projeto por motivos políticos, principalmente de desentendimento político com Frederico Simões Barbosa, eu cheguei a pensar em juntar alguns remanescentes. Andei conversando sobre isso, acho que o pessoal achava que eu estava descompensado mentalmente, porque eu queria fazer uma escola médica independente, em Brasília, para dar continuidade ao Projeto Planaltina. Durante vários meses eu andei falando isso. Acho que tem muita gente, na época, que pensou que eu tinha endoidado porque tinha perdido o emprego.



FIM DA FITA 1/LADO B



Entrevista 2

Início da página

PROJETO:

HISTÓRIA DA COOPERAÇÃO TÉCNICA EM RECURSOS HUMANOS EM SAÚDE NO BRASIL


Data:

21 de fevereiro de 2005


Depoente:

JP – José Francisco Paranaguá de Santana


Entrevistadores:

CH – Carlos Henrique Assunção Paiva

FA – Fernando Pires Alves

GH – Gilberto Hochman

JC – Janete Lima de Castro


Entrevista:

 

Código: 2/8


Transcrito por:

Andrea Ribeiro – Setembro 2005



FITA 2/ LADO A



GH – Fita 2...


CH – Fita 2, lado A. Bem, como é que recursos humanos surgiu como tema ou como campo de trabalho na sua carreira?


JP – Bom, de certa forma a minha experiência em Planaltina foi muito ligada com recursos humanos. O Projeto Planaltina tinha algumas metas, como projeto ou como objetivos do projeto, que eram todos ligados a recursos humanos, quer dizer, era uma proposta de desenvolver um currículo novo de Medicina, voltado para a atenção comunitária, experimentar um novo agente de saúde, que era o auxiliar de saúde, formar um auxiliar de saúde, né? Então, tinha um componente muito ligado a recursos humanos. Mas, a minha vinculação específica com essa área se deu quando o Projeto Planaltina foi extinto pela UnB, pelo reitor da universidade, e eu fui, por indicação de ex-professores meus, que me apresentaram ao assessor de educação médica do Ministério da Educação, o Carlos Marcílio de Souza, que é um professor da Universidade, professor lá da Bahia, que era o assessor de educação médica do Ministério da Educação naquela época, em 79. 78, 79. Então, em 79, eu fui trabalhar, no departamento... Ainda peguei com o nome de Departamento de Assuntos Universitários. Logo depois, foi transformado em Secretaria de Educação Superior do MEC. E trabalhei lá na implantação da residência, da Comissão Nacional de Residência Médica, da Secretaria Executiva da Comissão Nacional de Residência Médica, na área da criação da norma, da normalização, da regulamentação da residência em Medicina Preventiva e Social. E fui, por recomendação, por indicação do Carlos Marcílio, fui designado pela SESU [Secretaria de Educação Superior], como integrante desse grupo, assessor principal do acordo, que a OPAS tinha convênio brasileiro representado pelo Ministério da Educação, Ministério da Saúde e, que era um programa de desenvolvimento de recursos humanos em saúde no Brasil. Então, foi essa a minha vinculação, quer dizer, por intermédio do MEC, para integrar o grupo, grupo técnico do acordo de cooperação técnica da OPAS com o governo do Brasil, em 1979.


GH – E, deixa eu te perguntar uma coisa, você nos disse que o trabalho em Planaltina tinha muita relação com recursos humanos, esse é um ponto. Agora, em termos de literatura técnica, de leitura sobre o tema recursos humanos, isso você chegou a fazer investimentos? Em termos de ler, de leitura etc. Ou isso tem a ver muito mais, naquele momento, com prática?


CH – Referências teóricas, na verdade.


GH – Quer dizer, uma leitura nessa área, que viesse ou da área mesmo de administração, né, ou não?


JC – Ou até das consultas mesmo, que você fez com livros da OPAS.


JP – No fim dos anos 70, a literatura sobre recursos humanos era muito escassa, não é? Embora tivessem estudos que fossem, assim, referências, eu diria até referências luminosas, mas não eram, não, não existia uma literatura muito grande.


GH – Você se lembra dessas de referências luminosas?


JP – O livro do Juan Cesar García, que foi o primeiro estudo sobre educação médica feito em bases de análise, das ciências sociais, do que é o processo de produção de médicos, que foi a grande contribuição do Juan Cesar García. Talvez, um dos pioneiros da revisão do que quê é educação médica, que deixou de ser uma ilusão de modelos pedagógicos, pra ser interpretado como um processo de inserção num determinado modo de produção, de valores e de bens na sociedade. Então, essa é uma referência chave. A outra referência muito importante nessa época era da Cecília Donângelo, né? Um dos grandes nomes da minha escola, na área de Saúde Pública, que é o Eleutério Rodriguez Neto, foi aluno e discípulo da Cecília. E, por intermédio do Eleutério, com quem eu tinha, já nessa época, uma certa convivência, por ter sido estagiário dele. Eu era do quarto ano, ele era residente da lá da faculdade de Medicina de Brasília, né? Então, foi a primeira grande referência no campo do estudo do mercado de trabalho, né? No campo da educação propriamente dita, alguns artigos e alguns estudiosos, ou pelo menos, pessoas interessadas nesse campo, que eram mobilizados pela OPAS para a produção de artigos ou de documentos publicados pela OPAS. Então, quando o Zé Roberto [Ferreira] foi para dirigir o programa de recursos humanos da OPAS em Washington, ele teve maior dinamismo, não sei se foi ele próprio quem criou uma revista chamada Educácion Médica y Salud, né. E nessa revista, quer dizer, era praticamente o que se tinha sobre literatura de recursos humanos, principalmente na área de formação médica, de enfermagem, um pouco na área de odontologia, um pouco de pessoal auxiliar, muito mais na área, do chamado auxiliar de saúde, não é? Mas, com muito pouca coisa sobre educação técnica em saúde, que não tinha literatura sobre isso nessa época. Então, as grandes referências, que eu acho que a gente tinha na época, era Juan Cesar García, a Cecília Donângelo, tem um autor que tem vários artigos sobre educação médica, que é o [Jorge] Andrade. Eu, inclusive, fiz uma revisão na minha dissertação de mestrado sobre Medicina Comunitária e Medicina Social, caracterizando esses dois campos de doutrina e ação da Saúde Pública, ou da Medicina Social e Medicina Comunitária, que eram denominações que estavam se firmando naquele momento, na década de 70, não é? E de pessoas assim mais próximas, da minha convivência mais direta, alguns artigos que nunca foram publicados e a dissertação de mestrado do Roberto Nogueira, aqui na UERJ, sobre, por incrível que pareça, sobre o estudo das corporações médicas na Antiguidade. Aí, digo ‘por incrível que pareça’, porque as bases teóricas dessa análise do Roberto sobre as corporações da idade Média tem muito a ver com a organização das profissões na área da saúde, especialmente da Medicina, da profissão médica na atualidade. Então, o que tinha disponível, que era publicações da Educação Médica e Saúde, ou poucos livros, era o que a gente tinha na época, né? O [Sergio] Arouca, esqueci agora o nome dele, só lembro do apelido, o Palito. Eles coordenaram o projeto do PESES [Programa de Estudos Sócio-econômicos em Saúde] aqui na Fiocruz, e foi um dos pioneiros estudos sobre o ensino da Medicina Preventiva no Brasil, né? É, a própria tese do Arouca era uma dificuldade pra a gente conseguir, porque ele publicou uma tese em 75 de doutorado, lá na Unicamp, mas a gente só conseguia com xerox, porque a tese só foi divulgada agora, na última Conferência Nacional de Saúde, com um grupo de pessoas aí, se reuniu e editou a tese do Arouca, né? E outra referência também importante nesse momento, inclusive sob orientação da Cecília Donângelo, era a dissertação de mestrado do Eleutério sobre integração docente assistencial, né? Então, a literatura citada pelo Eleutério no que diz respeito às correntes doutrinárias da pedagogia, que estão envolvidas com essa questão da integração docente-assistencial. Então, essa temática toda, esse conjunto de referências bibliográficas era o que a gente lia, discutia e trabalhava nessa época, né?


CH – Já que estamos falando em referências, documentos como a Carta de Punta del Leste, os Planos Decenais de Saúde, as atas dos encontros de ministros...


JP – É, de todos eles. Inclusive, desde que foi criada a Organização Mundial da Saúde, em 48, houve uma reunião, se não me engano em Paris, que produziu um relatório que era sobre recursos humanos. Não sei se três ou quatro anos depois dessa reunião de Paris, houve uma reunião em Viña del Mar, aqui no Chile, que foi uma reunião sobre Medicina, de Medicina Preventiva, e que desencadeou a criação dos departamentos de Medicina Preventiva nas faculdades de Medicina no Brasil inteiro. Que eu saiba, assim de memória, tem dois departamentos, quer dizer, não são propriamente departamentos. Um é departamento até hoje, que é o Departamento de Medicina Preventiva e Social, da UFMG, que foi criado em 59. Claramente na esteira dessa reunião de Viña del Mar, né? E o Instituto de Medicina Preventiva, o IMEP, da Universidade Federal do Ceará, que esse eu conheci, porque eu fui estudante lá, inclusive fui aluno do IMEP, fui aluno do fundador do IMEP, um dos maiores pesquisadores do Brasil, professor [?] Alencar, que criou o IMEP em 59, não é? Depois, a literatura que era formada por poucos artigos, poucas publicações e alguns documentos oficiais da OPAS, e da própria ABEM [Associação Brasileira de Educação Médica], que eram os anais de reuniões da Associação Brasileira de Educação Médica sobre educação médica, a criação da ABEM. Quer dizer, tudo isso era o que tinha disponível sobre o tema em 72, quando houve a Reunião de Ministros de Saúde das Américas, o tema importante foi o de recursos humanos, porque, embora, a reunião fosse o Plano Decenal para a Saúde nas Américas, praticamente o eixo desse plano de saúde, o investimento em formação de pessoal para responder as necessidades que, naquela época, se consideravam, muito defasadas, entre disponibilidade de pessoal e as necessidades de atendimento à saúde nos países da América, do conjunto das Américas. Isso tudo tem, inclusive, muito a ver com a criação, no Brasil, no IPEA [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada], no Ministério do Planejamento. Aliás, na época, chamava Secretaria de Planejamento da Presidência da República, do CNRH, do Centro Nacional de Recursos Humanos. E a criação, também, no Brasil, da Secretaria de Recursos Humanos, em 75. Então, essas coisas estão ligadas uma a outra. E a reunião de ministros, o movimento de expansão da educação superior feito durante a gestão do Jarbas Passarinho no Ministério da Educação, né? Por sinal, o acordo básico de cooperação técnica entre o Brasil e a Organização Pan-americana, quem assina, pelo Ministério da Educação é Jarbas Passarinho, que foi o ministro da Educação, durante, a gestão na qual se houve, se fez a grande expansão das escolas médicas no Brasil, e se iniciou a expansão das escolas de enfermagem e odontologia, né? E a criação de alguns cursos novos, como o de Fisioterapia. O curso de Fisioterapia começou, a primeira turma de Fisioterapia no Brasil, começou aí por volta de 68, né? Então, tudo isso tem a ver com essa idéia de recursos humanos, toda a concepção de recursos humanos como insumo estratégico de desenvolvimento, a relevância que tinha o plano de desenvolvimento de recursos humanos, não só para a área de saúde, mas para todas as áreas, na estratégia de fortalecimento institucional, que o governo militar fez com o desenvolvimento das universidades, com a criação de vários mecanismos de desenvolvimento de recursos humanos. Para vocês terem uma idéia, é apenas um dado isolado, que aparentemente não tem nada a ver com essa história, mas que eu fiquei sabendo e disso, exatamente em Planaltina, porque em Planaltina tinha um dos centros de pesquisa da EMBRAPA [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], que foi um dos centros responsáveis pelo grande desenvolvimento da agropecuária na região Centro-Oeste, né. E, nessa época, só a EMBRAPA tinha aceito em 1976, 600 doutores, doutorandos financiados pela EMBRAPA, no exterior. Quer dizer, então, investimento em recursos humanos, naquela época, na década de 70, para o governo brasileiro, pra visão de desenvolvimento estratégico nacional, que tinham certos dirigentes da ditadura no Brasil, como era o General [Ernesto] Geisel, era uma coisa séria, né? A própria Fiocruz foi resgatada, em termos de organização institucional, de investimento, pelo Geisel, pelo governo Geisel, né. Então, eu acho que a idéia de investir em recursos humanos em todas as áreas, desenvolver universidades, dar oportunidade para os filhos da classe média pararem de encher o saco, em vez de querer fazer revolução, entrar pra universidade, né. Tudo isso tem a ver com esse processo de investimento em recursos humanos em saúde. Né? Só...


JC – Tem uma pergunta aqui sobre a Conferência Internacional sobre Recursos Humanos para a Saúde e Educação Médica realizado na Venezuela, em 67. Sempre aparece nos documentos pesquisados assim, como um encontro que foi importante, foi definidor de princípios. Você sabe alguma coisa sobre ele? Que importância ele teve pra a conformação da área, nos países e no Brasil?


JP – Sei não. Eu, particularmente, não tenho, digamos assim, nenhuma referência sobre essa reunião da Venezuela. Acho que, como várias outras reuniões internacionais, elas têm importância. Mas, eu, pessoalmente, nunca trabalhei com...


GH – Com referências dela.


JP – ... Referências dessa reunião da Venezuela. Sei dessa reunião, mas nunca, pra mim, ela não tem um significado especial.


GH – Agora, quando...


JP – Não fez parte da minha experiência...


GH – Mas, na sua experiência, desses documentos, reuniões internacionais etc, nos anos 70, quais são as referências que eram importantes, pelo menos eram citadas como referências, enfim, para o trabalho de recursos humanos em saúde?


JP – Pra mim, foi a Conferência de Ministros, de Viña del Mar. Em Viña del Mar, no Chile, em setenta e...


GH – Dois.


JP – Dois.


JC – Dois.


GH – Isso é, quer dizer, isso era uma referência pra todo mundo que estava trabalhando...


JP – Isso foi um ponto chave, eu acho que é um ponto chave pra todo mundo que trabalhou com recursos humanos, fez parte desse contexto, que no caso do Brasil, representava uma intensa mobilização e um debate político muito grande, quer dizer, 1972, foi considerado o auge da expansão da educação médica no Brasil, que era uma luta ideológica... Havia interesses corporativos, não queriam a expansão da educação médica de forma massiva, como se dizia na época. O mesmo discurso que está se fazendo hoje, contra a atual expansão, o ciclo atual de expansão de educação médica. Ele ocorreu nos últimos dez anos pra cá, não é? Então, entre 70, 67, 68 e 72, foram, digamos assim, ampliadas as vagas, os cursos de medicina no Brasil, não é? E foi a época em que se fez a unificação dos institutos da Previdência Social, com a criação do poderoso INPS [Instituto Nacional de Previdência Nacional]. Quer dizer, então, foi a época em que o governo criou, através da Caixa Econômica Federal, o FAS [Fundo de Ação Social], que era o Fundo de Apoio ao Social. E uma das grandes linhas de investimento do FAS, foi aprovar financiamento de hospital pelo Brasil inteiro, hospital privado. Então, o que teve de médico tomando dinheiro da Caixa, subsidiado pra fazer, o que hoje a gente chama de “trambiclínica”, e hospital sem viabilidade, hospital de 40 leitos, 50 leitos, né? Diz o Gonzalo [Vecina] Neto, antes de ser vigilante da saúde, quando ele era professor, professor de administração hospitalar, que “hospital com menos de 100 leitos...”, ou 150, não sei, “não tem viabilidade”. Pois o FAS financiou um monte de hospital, porque era uma forma garantida, você pega o dinheiro da Caixa, constrói um hospital, equipa. A indústria de expansão de equipamento médico-hospitalar estava entrando violentamente no Brasil, nessa época, vendia subsidiado pra esses grupos médicos, e o governo contratava o serviço através do INPS. Era uma coisa perfeita, quer dizer, eu tomo dinheiro emprestado, subsidiado, ou de graça, às vezes, sem retornar pagamento; compro equipamento das indústrias que financiam o equipamento, eu não preciso... Basta ter o CRM [registro no Conselho Regional de Medicina], boa vontade, que eu abro o negócio. Então, foi isso, era isso que estava acontecendo no Brasil nessa época. Que esses hospitais demandavam em formar gente. Então, é um contexto bem complexo, bem multifacético de fatores, de determinações sobre onde se instala no Brasil a importância de recursos humanos, né? Toda a visão que se tem, se você pegar, por exemplo, a literatura produzida em torno praticamente da década de 70, sobre recursos humanos enquanto fator de produção, a importância econômica de recursos humanos, tanto nos setores da economia, da agricultura e tudo mais. A expansão que houve da educação técnica, da educação agrícola, da educação industrial, através do sistema S, tudo isso estava aumentando muito no Brasil, na década de 70. Então, não há nenhuma peculiaridade do investimento que foi feito no campo da saúde com recursos humanos. E a preocupação era exatamente essa, quer dizer, aquilo que foi consubstanciado no plano de trabalho desse acordo da OPAS com os ministérios. Que foi o PPREPS [Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde], que era um projeto pra formar gente, ou melhorar, não era formar, era melhorar a articulação entre a universidade e os serviços de saúde, formar gente de nível médio e desenvolver a capacidade institucional das secretarias de saúde na área de recursos humanos. Então, se você pegar essas três coisas, e isso é tudo muito coerente com o investimento que o governo estava fazendo na formação de técnicos agrícolas, técnicos em pecuária, técnicos na indústria, técnico, e na expansão da universidade como um todo.


CH – Ainda sobre essa documentação oficial, da OPAS, essa documentação representa uma agenda que era negociada em esfera continental, não é? Não que isto seja uma plataforma alienígena ao panorama brasileiro, mas objetivamente, que tipo de contribuição isso tudo produziu para o contexto nacional, no Brasil?


JP – É, porque é interessante, a gente costuma falar da OPAS como se ela fosse uma entidade externa, não é? Até muito recentemente eu ouvi uma declaração durante o Fórum Mundial de Saúde de Porto Alegre, de uma pessoa da área de Saúde Pública, a meu ver, extremamente lamentável, como se a OPAS e a OMS fossem agências equivalentes ao Fundo Monetário Internacional e, que, por isso, eles queriam criar uma organização...


CH – imperialismo.


JP – ...De Saúde, né, do Fórum Mundial de Saúde, como se a Organização não fosse, não tivesse fazendo esse papel, que ele imagina que vai fazer com essa Organização, que ele pensa que vai criar, né? A Organização, na verdade, é um conjunto de pessoas dos países. O Brasil teve uma participação decisiva, quase a metade dos participantes da reunião de Viña del Mar, em 1955, eram do Brasil. Tinha o professor [?] Alencar lá do Ceará, tinha não sei quem de Pernambuco, tinha gente de Ribeirão Preto, gente da USP [Universidade de São Paulo], gente aqui da chamada Universidade do Brasil, não é? Quase a metade dos líderes de educação em Medicina Preventiva, que fizeram uma reunião sobre introdução da Medicina Preventiva na formação médica, na América Latina, eram do Brasil. E essas pessoas, iam lá para essa reunião, faziam isso e, ao mesmo tempo, usavam o relatório que eles próprios tinham feito pra fortalecer as posições, dentro das instituições. E ajudavam a Organização a tomar decisões. Quer dizer, o investimento que a OPAS fez a partir de 75, oferecendo bolsas para professores que iam fazer cursos de especialização em estatística, em demografia, em saúde pública, em nutrição e saúde pública, em epidemiologia, foi que essas pessoas que, eram os grupos de trabalho que eram formados para compor essa agenda. Então, na verdade, as decisões da Organização Pan-americana da Saúde, elas são as decisões que lideranças dos países tomam como Estados-membros da Organização. Então, a reunião de 72 não foi uma coisa externa que o Brasil aproveitou e obedeceu norma... Não, foi coisa feita por gente do Brasil que estava lá. Um dos principais artífices dessa reunião era exatamente o José Roberto Ferreira, que estava há dois anos na OPAS, foi para lá em 1970 e ajudou a organizar essa agenda da reunião de 72. E o que quê o José Roberto fez na década de 60, aqui no Brasil? Ajudou a criar a ABEM [Associação Brasileira de Educação Médica], ajudou a criar um bocado de faculdade de Medicina, era vice-reitor da Universidade de Brasília, que era uma universidade inovadora, antes de ir pra OPAS. Então, o que quê ele estava fazendo na OPAS? Era um agente internacional influenciando o Brasil, ou era uma liderança no Brasil, que ocupou o espaço internacional de projeção de uma organização de cooperação interpaíses para impulsionar um projeto, uma idéia, uma doutrina, não é? A mesma coisa que fez o Juan Cesar García. O Juan Cesar García trabalhava na Argentina, foi pra Organização e a partir do momento que ele estava na Organização e coordenou um estudo sobre educação médica na América Latina e publicou esse livro, ele não estava fazendo uma atuação imperialista ianque, em cima dos países da América Latina não. Pelo contrário, era um intelectual latino americano criador, um dos criadores do pensamento da chamada Medicina Social, era sociólogo e depois, se formou em Medicina e em pediatria. Era um sociólogo médico, que ajudava a construir uma agenda internacional para influenciar os movimentos dentro dos países. Então, se você pegar a relação dos participantes que fizeram essas reuniões internacionais da Organização Pan-americana da Saúde, você vai descobrir o que quê estava havendo, as relações entre os movimentos internos, isso, aparentemente isolados, não é? Os avanços da Medicina Preventiva em Ribeirão Preto, com o Ceará, com o pessoal de Minas Gerais, com a ABEM, aqui no Brasil, que foi uma das forças importantes desse movimento de recursos humanos em saúde. Embora, sempre estivesse muito dentro da área específica de educação médica e tal, mas teve um efeito, um efeito, uma influência muito grande nesses processos de recursos humanos.


GH – De certa forma, você está falando já sobre um contexto do acordo, quer dizer, o cenário desse acordo de cooperação técnica, não é? Você tem um cenário internacional, geral de conferências etc etc, e uma conjuntura, um contexto local de expansão e questões... Então, quer dizer, a gente talvez pudesse entrar, efetivamente em algumas questões sobre o acordo, não é? Talvez, eu poderia até pedir uma licença porque na ordem de coisas que a gente tinha pensado, uma surpresa: você sempre nos disse: “na data de 2005, vamos fazer 30 anos”. Aí, quando a gente pegou o documento do PPREPS, aí tem um acordo em 73.


JP – É.


GH – Então, a gente ficou pensando o seguinte, na verdade, foi assinado em 73, e depois, você tem em 75. Você tem alguma idéia porquê que essas duas datas? E porquê, efetivamente, a partir de 75 que as coisas acontecem, por quê não aconteceu em 73?


JP – O ano específico é assim, uma coisa um pouco arbitrária, né? Porque, na verdade, essa história de envolvimento do Brasil com uma proposta de desenvolvimento de recursos humanos, ela faz parte de uma fase, de um período da história, né? No caso da saúde, eu acho que essa história tem um ponto de...



FIM DA FITA 2/LADO A


FITA 2/LADO B



CH – Fita 2.


JP – É, então, você vê, quer dizer, a reunião de 72 tem uma participação e uma contribuição do Brasil muito importante, na reunião, não é? Vocês podem averiguar detalhes desse episódio, desta referência histórica com o José Roberto [Ferreira], porque ele era o diretor da divisão de recursos humanos da OPAS, na época, né? E foi a primeira reunião importante que ele participou como consultor da Organização. Dois anos depois que estava lá, depois que ele entrou, para a OPAS. Né? Mas, no ano seguinte, o Brasil e alguns outros países assinaram acordos dessa natureza, não é? Só que esses acordos, muitas vezes, eles são assinados, e os processos para se materializarem essas decisões levam tempo. Não é? Então, se vocês repararem na documentação desse processo, na verdade, o acordo só teve vigência, em termos operacionais, com liberação de financiamento para os projetos, a partir de 76. Quer dizer, entre 73 e 74, foi um processo de negociação política, de elaboração das propostas, de identificação, dentro da própria Organização, de quem viria para o Brasil trabalhar com esse projeto, porque, inclusive, neste momento, o Brasil tinha um consultor de recursos humanos aqui, que era o doutor [Carlos] Vidal, que já tinha, inclusive, voltado, se transferido pra Washington. Então, a escolha de um brasileiro que viesse para o Brasil participar de um programa de cooperação no Brasil, eu creio que deve também ter levado algum tempo nisso. Caiu a escolha, recaiu sobre o Carlyle [Guerra de] Macedo, né? Eu não conheço os detalhes de como foi feita essa escolha, mas, certamente, não foi um processo automático. Até porque, que eu saiba, o Carlyle não tinha a ver com essa idéia, aqui no Brasil. Nesse momento, eu estava trabalhando não sei se, acho que em Santiago [do Chile], num programa, de capacitação e planejamento de saúde. Estava trabalhando, acho que o Mário Testa e o [Juan Jose] Barrenechea num projeto de pensar planejamento em moldes estratégicos, não em moldes normativos como eram as propostas de planejamento até aquela época. Então, a minha idéia, adotar o ano de 75, é porque em 75, já tinha a base institucional e legal assinada, e estava designado um consultor da OPAS pra trabalhar nesse projeto no Brasil. Carlyle veio para o Brasil, em 75, ele já estava trabalhando. E reuniu algumas pessoas, não é? Que foram os primeiros quadros técnicos desse projeto pra elaborar o plano de ação do projeto. Que foi batizado com o nome de PPREPS [Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde]. Essa equipe, dessa equipe inicial, quase participa o próprio [Sergio] Arouca. O Arouca chegou a ficar alguns meses em Brasília pra participar desse projeto, não sei porquê cargas d’água acabou não ficando e tal, partiu pra outra, né? Então, 75 tem essa referência, quer dizer, estava assinado o acordo, começou alguma coisa a funcionar, não é? E, em segundo lugar, foi o ano em que o governo empenhou recursos para financiamento do projeto. Foi assinado um acordo onde o Ministério da Saúde botou ´x`, e o Ministério da educação botou ´x` de dinheiro para financiar o projeto. Então, foi o chamado Acordo Complementar, sei lá o quê, da Cooperação Técnica. Então, em 75, tinha um antecedente da reunião no Chile, tinha as assinaturas do convênio com o governo brasileiro, não sei o quê, não sei o quê, e era um governo novo que estava começando. Gestão Paulo de Almeida Machado no ministério, secretário geral, José Carlos Seixas, não é? Então, esse é um marco importante, começa um governo, cinco anos de duração. Os governos da ditadura eram mais ou menos estáveis. O ministro da Saúde entrou e saiu junto com o Presidente da República, né?


CH – Na OPAS também, né? Acho que era o [Hector] Acuña?


JP – É, na OPAS, tinha o Acuña, que já vinha de um mandato anterior, né? Então, foi uma época em que, eu acho que 75, a meu ver, é um referencial que você pode tomar... Agora, tem uma certa arbitrariedade. Poderia ter começado em 74, 76...


GH – Não era nem... O problema da gente era mais tentar entender essas referências.


JC – Esse hiato, esse hiato de 73, 75.


GH – ... que poderia estar acontecendo.


FP – Nessa mesma linha e tentando pensar de que maneira o caso brasileiro tem alguma especificidade. Esse movimento tinha amplitude latino-americana? Ele se repetia em outros países?


JP – Eu diria que sim. Agora, detalhes sobre essa situação, eu acho que a melhor pessoa pra isso é o José Roberto Ferreira porque foi o articulador institucional, na OPAS, dessas iniciativas todas, não é? É como eu digo, ele entrou pra OPAS em 1970, acompanhou e participou da preparação da Conferência de Saúde, de 72 no Chile; esteve envolvido com a negociação desse acordo em todas as etapas dele, né? Eu vim a saber dele, outro dia, que a primeira proposta desse acordo, do plano de trabalho desse acordo, foi escrita pelo Vidal, como consultor de recursos humanos da OPAS aqui no Brasil, que chamava Zonex Quinta, Zona Cinco, né, era um escritório ali no Flamengo, na rua Paissandú. Então, o Vidal é que fez essa proposta e o do plano de trabalho que não sei que destino teve. Mas, enfim, serviu para assinatura de um convênio do governo com a Organização.


GH - Eu acho que esse é um marco importantíssimo, quer dizer, o governo assina um acordo com a Organização Pan-americana [da Saúde] para um plano geral de desenvolvimento de recursos humanos em saúde no país, dentro de um movimento semelhante em vários outros países?


JP - Detalhes, não conheço, teria que ver a literatura agora. Como nos estamos fazendo, falando, história oral, é só perguntar pro Zé [José Roberto Ferreira], que ele conta.


JC – Só esclarecendo ainda esse acordo, eu fico em dúvida. O PPREPS [Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde], você disse que o PPREPS é o plano de ação do projeto. Quando você se refere ao projeto, é o acordo que você está se referindo, ou seja, o PPREPS é a concretização desse acordo? Só tem ele ou tem um outro projeto aí?


JP – Não, não tem. O acordo, eu chamo isso com alguns termos que são muitos semelhantes em termos de significado. Acordo, projeto, programa ou PPREPS, em determinado momento, se confundem, não é? A coisa começou como acordo de cooperação. Que é o nome do documento, “Acordo de Cooperação Técnica para um Plano de Desenvolvimento de Recursos Humanos em Saúde no Brasil”. Esse acordo tinha previsto a criação de atividades, de coisas que não estavam definidas no próprio acordo. O documento desse acordo, que é o programa de trabalho, já nasceu com o nome PPREPS, “Programa de Preparação Estratégica de Pessoal em Saúde no Brasil”, não é? De onde é que veio esse nome, eu não sei, porque não estava nesse grupo. Só entrei nesse acordo em fim fins de 79...


GH – 79.


JP – ... já numa fase posterior dele. Então o acordo inicial, ele foi feito pra vigorar até 78. Nesse período ele deveria, como todo projeto, com certa dose de megalomania, fazer algumas coisas que, evidentemente, não fez até o prazo final dele, até 78. Que era implantar dez regiões docentes assistenciais, né? Cumpriu uma outra meta com certa aproximação, tinha uma previsão de treinar cento e tantos mil, pessoal auxiliar, não é? Acho que formou, treinou uns 80 mil, não é? E um outro que era um projeto de desenvolvimento institucional das secretarias e tal, que andou também muito pouco nesse período, né? Então, terminou 78, e o projeto, ou o programa, ou o acordo, tinha produzido resultados, tinha criado movimento, tinha reforçado as instâncias que vinham lutando contra a reforma sanitária. Pela implantação da reforma sanitária, pela instituição das cátedras, quer dizer, esse programa fez parte dessa história, quer dizer, nessa época, fim da década de 70, ainda tinha muito catedrático a fim de voltar à cátedra, né? Então, tudo isso foi influenciado, teve relação com a história desse programa de cooperação técnica no Brasil. É, foi a época do PIASS [Programa de Interiorização das Ações de Saúde], foi a época da consolidação do CNRH [Conselho Nacional de Recursos Humanos] na Secretaria de Planejamento da Presidência da República. Foi a época de várias reformas da estrutura do Ministério da Educação, até ter essas linhas de trabalho que vêm mantendo nos últimos vinte ou vinte e cinco anos. Quer dizer, então, o projeto PPREPS fez parte desse momento, né? Inclusive, é muito interessante a história dele durante o ano de 79, que foi o último ano do governo Geisel, e vésperas do governo Figueiredo, onde, eu acho que, eu tenho ouvido muitas conversas, muitas referências desse período, mas nada sistematizado sobre isso. E o ano de 79 foi praticamente um ano em que, do ponto de vista operacional, o PPREPS, quase desaparece, porque o acordo tinha encerrado em 78 e havia muita discussão, pelo menos o que eu me lembre, tenho assim de referências de algumas conversas informais de que estava se discutindo, se ia ou não se renovar e, embora, houvesse bastante expectativa favorável pela renovação, isso não era uma coisa pacífica. Tanto que eu trabalhava como assessor do Carlos Marcílio no MEC, na época, e durante todo o ano de 79, inclusive, participei, acompanhando o Carlos Marcílio, em algumas reuniões com o Ministério da Saúde e com a OPAS, e com o Ministério da Previdência também, porque foi também a época em que se discutia a participação formal do Ministério da Previdência, por causa do INAMPS [Instituto Nacional Assistência Médica da Previdência Social], no acordo, pra que ele deixasse de ser um acordo só do Ministério da Saúde, MEC, e incluísse o Ministério da Previdência pra permitir a participação do INAMPS, né? Então, 79, foi um ano, novamente, assim de negociações, de deliberações: continua ou não continua e tal. Quando começou o governo [João Batista] Figueiredo, foi realmente retomado o projeto de cooperação, o acordo de cooperação. E, a partir desse momento, que foi a época que eu comecei a participar nessa proposta, já se falava do PPREPS assim, como sendo a fase PPREPS do acordo. Quer dizer, de 80 pra diante, ele não era mais PPREPS. Embora, muita gente falasse “ah, da equipe do PPREPS”, “ah, isso é um projeto do PPREPS”. Ainda continuou o nome. Que dizer, uma grife, ou um apelido que se dá a um projeto, ele não desaparece só porque o governo assinou um termo e tal. Então, continuou. Eu, durante muitos anos, continuei, entrei nesse projeto quando ele parece que já não era mais PPREPS. Mas, todo mundo chamava, ‘ah, você trabalha no PPREPS?’, ah, em vez de explicar um mocado de coisa pra dizer que...


JC – Não era mais PPREPS.


JP – Não era mais PPREPS, deixava.


JC – E foi ah, não era no mais PPREPS, até quando?


JP – Não, ele com o tempo foi indo. Nós não, eu, por exemplo, depois que entrei na OPAS, eu não fiz nenhum, nenhuma proposta, nenhum documento, com o nome de PPREPS, né. Eu participei de alguns projetos desse acordo, todos eles, o que a gente colocava era “acordo MEC [Ministério da Educação e Cultura], MS [Ministério da Saúde], MPAS [Ministério da Previdência e Assistência Social], OPAS”. Aí, vinha lá, “componente integração docente assistencial, pesquisa sobre educação médica, ampliação da pós-graduação em saúde coletiva” que foram os projetos que eu, pessoalmente, participei, né? Mas, nenhum deles colocava a sigla PPREPS, né. As pessoas continuavam... Recebia um documento, “ah, esse é o projeto, a... proposta do PPREPS para residência médica”. Não tinha o PPREPS em lugar nenhum, mas as pessoas chamavam aqui “a proposta do PPREPS” pra residência em saúde coletiva, né? Então, o PPREPS foi marcante porque ele criou essa sigla, né?


JC – Mas, oficialmente, ele foi até...


JP – Acho que, oficialmente, ele foi considerado PPREPS até 78, 79, né?


CH – Quando era ainda PPREPS mesmo, durante essa chamada primeira fase, você chegou a participar de reuniões que avaliavam os resultados finais do projeto.Ele, sem dúvida, superdimensionou suas metas, como você já disse, não é? Só para a gente ter uma idéia, como era a avaliação desses projetos financiados pelo PPREPS, qual o balanço final das atividades?


JP – Foi, foi tudo isso, foi feito avaliação. Por exemplo, o componente de formação, de treinamento de pessoal auxiliar foi um projeto de avaliação com metodologia, com indicadores e tudo. Esse foi, inclusive, um estudo feito por uma pessoa que depois veio a integrar a equipe do PPREPS na segunda etapa, quando não era mais PPREPS, foi o Roberto Nogueira. Roberto fez parte da equipe que avaliou o treinamento de pessoal auxiliar. A avaliação dos projetos IDA [Integração Docente Assistencial], que era a idéia das regiões docentes assistenciais, fazia parte de um acordo que a OPAS tinha com a Fundação Kellog pra fazer avaliação dos projetos IDA, que a Kellog tinha, inclusive, em outros países. Então, tem vários relatos, tem vários documentos que foram avaliações da situação e dos projetos de integração docente-assistencial que foram apoiados pelo projeto PPREPS nessa época. E todos eles, digamos assim, receptores ou candidatos a receber recursos da Fundação Kellog. Por exemplo, se você encontrar nos documentos do PPREPS, o fato de que o Piauí era uma das regiões docentes-assistenciais, você pode, de forma muito jocosa, dizer: “ah, é porque o Carlyle era piauiense”. Não é não, é porque a Universidade Federal do Piauí tinha um projeto financiado pela Fundação Kellog nesse momento. Segundo lugar, o governo, na época, estava criando a universidade, consolidando a Universidade Federal do Piauí. A Universidade do Piauí foi criada em 71. Então, em 76 o diretor do Centro de Ciências da Saúde, era o professor Nathan Portela, irmão do Petrônio Portela, que era um elemento poderoso na república militar, no processo de abertura lenta e gradual. Então, pra Fundação Kellog financiar um projeto da universidade do Piauí, não é porque a universidade do Piauí era prestigiada. Era bonitinha ou era coitadinha, que a Kellog ia ajudar, não. Era porque era o estado do senador Petrônio Portela. É claro que o doutor Mário Chaves não devia considerar e nem explicitar essas coisas, mas é que essas coisas tem a ver umas com as outras, não tem jeito. A gente não pode negar. Então, não é porque o Piauí, o Carlyle era piauiense, que o Piauí foi incluído como as duas primeiras regiões docentes assistenciais. Era o Piauí, o segundo, acho que foi o projeto de Vitória de Santantão, em Pernambuco, financiado pela Fundação Kellog também. Outro projeto incluído entre os dez: o projeto de integração docente-assistencial da Universidade Federal da Paraíba. Universidade Federal da Paraíba tinha novo reitor, uma pessoa que depois veio a ser o presidente da Fundação Oswaldo Cruz, o doutor Guilardo...


GH – Guilardo.


JP – ... Martins Alves, não é, né? O Guilardo foi reitor da Universidade da Paraíba e, digamos assim, turbinou o maior processo de crescimento institucional de universidade do Nordeste e, em toda história do ensino da universidade do Nordeste. Quer dizer, nenhuma universidade do Nordeste cresceu tanto, em termos de docentes, alunos, construção, campus avançados etc etc, como a Universidade Federal da Paraíba na gestão do Guilardo. Então, você diz: “ah, escolha da Paraíba, por quê?”, tem outras explicações, não é? Então..... já me perdi. Agora, nem lembro mais porque comecei a falar dessa história. [risos]


GH – Você estava falando da avaliação.


JC – Falava do Carlyle e a avaliação no PPREPS.


GH – E avaliação, avaliação


JP – Ah, sim. Então, a idéia era essa, quer dizer, a avaliação desempenho desse PPREPS nesse período teve, não é? Eu não tenho assim, não sei nem qual é a referência, nem onde é que está esse trabalho que o Roberto [Nogueira] fez, que eu sei que em um o Roberto.... eu digo porque ele fez parte do grupo. Tinha Izabel [dos Santos], Roberto [Nogueira] e outras pessoas, o Roberto não era ainda da equipe do PPREPS, na primeira etapa. Ele fez esse trabalho de avaliação, de impacto e tal, e que tinha muito a ver com o PIASS, que estava investindo também na formação de pessoal auxiliar no Nordeste, né.


GH – Agora, para ficar claro, 79, quer dizer, você está ingressando nesse processo, no final de 79, mas está acompanhando. Qual era, quer dizer, afinal, a avaliação que se fazia, em 79, desse acordo? Do ponto de vista do que você ouviu, do que você...


JP – Olha, 79, você tem que contextualizar essa história, fim de governo, não é? Fim de governo, estava lá um acordo que não estava financiado. Então, equipe de governo em final de governo está muito mais interessada em saber se vai continuar no próximo governo ou não. Eu acho que um depoimento assim mais, mais apropriado, mais com uma visão de conjunto desse processo, quem pode dar é o [José Carlos] Seixas, que era secretário geral do ministério nessa época. O próprio Carlyle, que estava, era o pivô dessa história toda, que ele era o coordenador da equipe técnica, não é? Eu, o que eu sei desse processo nesse momento...


GH – E, eu queria também só, antes de você continuar, qual era a sua sensação ao entrar nisso? [risos], a sensação do ponto de vista do que quê tinha acontecido. Vamos imaginar, em 79, pegando carona em uma segunda fase do acordo, já tinha acontecido uma série de coisas, então, evidentemente, a nova fase espelhava ou a experiência anterior ou correções etc. Qual era, enfim, a tua sensação?


JP – Olha, a minha sensação era uma sensação assim, muito, muito misturada de avaliação política, de avaliação técnica e de desejo, não é? Eu era parte interessada na aprovação desse acordo. Embora, eu não tivesse a menor capacidade de influência. Eu era um jovem, tinha o quê? Quatro, cinco anos de formado, não é. Tinha trabalhado em um projeto local em Planaltina e estava numa equipe de assessoria do Ministério da Educação. Por que quê eu digo que eu era parte interessada nisso? Porque, nesse momento, eu estava ocupando um cargo na Universidade de Brasília de professor, de auxiliar de ensino, porque quando eu fui demitido como coordenador do Projeto Planaltina, meu contrato era financiado com recursos da Fundação Kellog. Aí, a universidade mandou cancelar o convênio da Fundação Kellog e eu fiquei desempregado. Só que eu estava, nessa época, que fui demitido do convênio da UnB com a Kelllog, eu já estava em fase final de ser contratado como professor auxiliar de ensino da Universidade de Brasília. Porque era um interesse dos professores, que coordenavam essa área, de que eu entrasse pra equipe deles, né. Eu já fazia parte das disciplinas todas do currículo de Saúde Pública da faculdade, como médico coordenador do Programa, do Projeto Planaltina. Então, em 79, acabou o Projeto Planaltina, eu fiquei como auxiliar de ensino. Só que o salário de auxiliar de ensino não dava pra me sustentar. Minha mulher é professora, igual minha mãe, professora, minha mãe era professora primária, porque não tinha ainda... Mas, minha mulher era professora de Jardim. Então, não era um salário alto também. Então, juntava um professor de Jardim de Infância com um auxiliar de ensino, era pouco.


JC – com o salário dela.


JP – Então, eu precisava arranjar um jeito de ganhar minha vida e ter uma perspectiva de futuro. Só que eu não queria ficar na Universidade de Brasília só, não é? Eu tinha interesse em trabalhar em outra coisa. Eu não sabia exatamente o que quê era. Então, eu vi no projeto da OPAS uma perspectiva de me engajar em uma coisa de âmbito nacional, de influência maior na área, de política, né. Nesse tempo eu participava da fundação do CEBES [Centro Brasileiro de Estudos de Saúde], em Brasília. Acompanhei as notícias e as articulações pra criação da ABRASCO [Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva], não é? E, quando eu fui trabalhar no MEC, em 79, a perspectiva de eu continuar trabalhando na assessoria do MEC era, uma delas, era integrar a equipe técnica desse acordo. Então, eu fazia uma torcida enorme pro negócio dar certo. Só que eu não tinha poder nenhum, eu não tinha influência, nem nada. E acompanhei algumas das reuniões, algumas das tratativas que foram feitas pra, na época, renovação desse acordo, que começou a vigorar, efetivamente, quando entrou o novo governo, o governo Figueiredo. E mais, ainda teve um período, durante o governo Figueiredo, que quase nada foi feito, que foi a gestão do ministro [Mario Augusto Jorge de] Castro Lima, não é? Ele ficou no Ministério da Saúde uns oito meses e era um ministro que ele próprio, não tinha muita, muita disposição de ser ministro. Acho que ele se arrependeu de aceitar a indicação do Antonio Carlos Magalhães pra ser ministro da Saúde. E, enfim, o projeto da cooperação da OPAS também não andou muito nesse período. Então, a avaliação desse momento era de que era um projeto importante, tinha aliados, em todos os estados onde tinham sido feitas reuniões, cursos, seminários, ou que receberam financiamentos para os projetos de capacitação do pessoal auxiliar, ou de apoio à região docente-assistencial, quer dizer, então, havia uma expectativa favorável de que o projeto continuasse, né? Então, mas, não, não, não tenho elementos assim de avaliação maior dessa fase, porque, realmente, quando eu entrei no projeto já foi na fase...


FP – O projeto de 75, ele prevê, ele é um grande arranjo entre instituições públicas, esferas de governo e tem objetivos bastante claros em alguns âmbitos de intervenção. Essas diretrizes permanecem, a partir de 78? Ou isso é alterado?


JP – Permanece. Agora, eu acho que existe uma certa, uma certa cont.. não, não... Eu pensei em falar em certa contradição, mas não é propriamente isso. É que a gente tem que ver assim, o contexto em que essas coisas estavam acontecendo. Em 75, não existia nenhuma secretaria de saúde com área de desenvolvimento de recursos humanos. O que elas tinham era um setor de pessoal que cuidava de fazer o acompanhamento, registros e tal do pessoal que era contratado e que era designado pra ir pra secretaria. Não existiam órgãos que cuidassem de políticas de recursos humanos. O próprio Ministério da Saúde não tinha essa secretaria que hoje é a Sgtes [Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde], o remanescente, o pré-histórico da Sgtes era uma secretaria da Secretaria Executiva. A Secretaria Executiva do ministério tinha duas ou três secretarias. Não sei porquê, eles, em vez de chamar de subsecretaria, chamavam secretaria também. Só que era uma secretaria dentro da Secretaria Executiva, que, na época, chamava Secretaria Geral. Então, a Secretaria Geral do ministério tinha uma Secretaria de Planejamento, uma Secretaria de Recursos Humanos, que foi criada em 75, no início do governo [Ernesto] Geisel, pelo [Paulo de] Almeida Machado, não é? E pelo [José Carlos] Seixas, que era o secretário geral, né. Então, o Projeto PPREPS ocupava esse espaço e tinha que, no seu plano de trabalho, falar de todas essas articulações com o Ministério do Trabalho, com a CNRH da Secretaria de Planejamento da Presidência da República, do Ministério do Interior, onde tinha os programas de desenvolvimento. Porque tinha que fazer esse discurso de uma articulação muito grande e tal, pra, inclusive, se fortalecer, como, como uma estratégia de política de governo...



FIM DA FITA 2/LADO B



Entrevista 3

Início da página

PROJETO:

HISTÓRIA DA COOPERAÇÃO TÉCNICA EM RECURSOS HUMANOS EM SAÚDE NO BRASIL


Data:

21 e 22 de Fevereiro 2005


Depoente:

JP – José Francisco Nogueira Paranaguá de Santana


Entrevistadores:

CH – Carlos Henrique Assunção Paiva

FP – Fernando Pires Alves

GH – Gilberto Hochman

JC – Janete Lima de Castro


Entrevista:


Código: 3/8


Transcrito por:

Andrea Ribeiro – Setembro 2005



FITA 3/LADO A



CH – Do ponto de vista dos objetivos do programa, quais foram os estados em que os projetos de trabalho foram mais bem sucedidos? E quais estados, em sua experiência, isto é, durante a segunda fase da cooperação, que a agenda de trabalho foi mais complicada?


GH – Aí eu vou complementar, como é que a questão política estadual interferia nessas relações? Quer dizer, você tem aqui um grupo, você tem alguns estados, havia um processo de centralização das propostas dos projetos, enfim, alguns foram mais bem sucedidos do que outros. Esses avanços e atrasos, dependendo das mudanças políticas locais, ou não. Quer dizer, como é que se dava essa relação com os estados?


JP – Isso variava sempre, quer dizer, o princípio básico é de que qualquer ação da cooperação técnica da OPAS nos estados [federativos], ela depende de uma anuência ou de uma participação efetiva do governo federal, seja através do Ministério da Saúde, no caso desse acordo, ou do Ministério da Educação, e na época, do Ministério da Previdência, não é? E dos dirigentes, da instituição no estado, seja a universidade, ou a reitoria da universidade, a direção do Centro de Ciências de Saúde, ou da Faculdade de Medicina ou Enfermagem, que participava, que tinha o projeto, seja do secretário de saúde.... Saúde, já tinham o que, na época, tinha uma sigla, que era muito interessante, que representava uma das metas do PPREPS [Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde], que era o desenvolvimento de estruturas de recursos humanos nas secreta... [interrupção]...ODRH, Órgão de Desenvolvimento de Recursos Humanos. Então, várias secretarias já tinham os ODRH, umas das primeiras que estruturou isso, na época do PPREPS, foi a da Bahia, por uma pessoa que hoje é a vice-presidente, aqui da Fiocruz, a Tânia Celeste [Matos Nunes], né. Então, era um contexto totalmente diferente da primeira fase, não é? É, na primeira, no período 75-80, vamos, digamos, arredondar isso, pra não falar do período de negociações do ano de 79, quer dizer, nesse período as experiências de integração docente-assistencial, de medicina comunitária, de medicina social, eram assim, pólos isolados. Nesse período, elas constituem rede. Quer dizer, a reunião de lançamento do PPREPS, em 76, em Brasília, reuniu essas pessoas todas. Todos os participantes de projetos IDA, na época, projeto Materno Infantil, foram convidados pra ir a essa reunião, não é. A reunião da ABRASCO [Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva] feita, resultou na criação da ABRASCO, e que foi também financiada por esse programa de cooperação técnica, ele reuniu todas as pessoas que estavam envolvidas com capacitação de pessoal em Saúde Pública, tanto na área de serviços, quanto na área acadêmica. Então, esse programa, durante o ciclo 75-80, ele mobilizou, opiniões, vontades, interesses, atores, em torno dessa questão, de forma muito forte. Quer dizer, é uma coisa que marca. Você conversar com o pessoal que acompanhou os congressos de Educação Médica, quer dizer, uma reunião marcante na história dos congressos da ABEM [Associação Brasileira de Educação Médica] foi o congresso de Poços de Caldas, em 78, que foi quando, pela primeira vez a ABEM, porque a ABEM, depois de ter sido criada com o apoio da OPAS, diz o Zé Roberto Ferreira que, tirando os ciúmes e deixando de lado, a ABEM foi criada foi pela OPAS mesmo, não é? Mas ela teve uma fase em que ela achava que tinha que ter independência. O que é muito correto, né? Mas, em 78, houve uma aproximação grande entre a ABEM e a OPAS, tanto que o discurso, a conferência de abertura do congresso de Poços de Caldas foi proferida pelo Carlyle [Guerra de Macedo], como uma mensagem de desafio à integração da universidade com o sistema nacional de saúde, que foi aprovado pelo congresso em 75 e que era letra morta até esse momento. Então, a primeira fase desse acordo de cooperação técnica, ele teve muito mais do que as metas quantitativas do projeto, esse efeito de fermentação, de agilizar, de turbinar motivações, valorizar uma área técnica e de mobilizar atores, em situações concretas e específicas dentro do próprio país. Porque até, anteriormente, as pessoas que iam para alguma reunião internacional, saía cada um de um lugar no Brasil e se encontravam lá. Quer dizer, eu acho que entre 75 e 80, não só através do acordo com a OPAS, nem só uma ação da OPAS. Até porque, esse projeto de OPAS tinha muito pouco, enquanto influência, de escritórios da OPAS fora do Brasil. Era um projeto totalmente nacional. O coordenador do projeto era brasileiro, os técnicos eram brasileiros. Se vocês conversarem com uma das participantes desse projeto, na época, que é a Izabel dos Santos... Aliás, não precisa conversar, basta ler, a...


GH – As revistas.


JP – ... as entrevistas dela. Quer dizer, não tem nada a ver com a OPAS, a presença da Izabel, nessa fase desse projeto, não é? Então, onde você mistura assim, a OPAS é o quê? A OPAS foi o que nós fizemos dela aqui no Brasil. A mesma coisa, eu acho, que ocorre em outros países. A diferença importante é que esse projeto da OPAS no Brasil conseguiu, por decisão dos próprios participantes, eu sou um caso típico dessa decisão, de permanecer nesse projeto durante muito tempo. Enquanto que nos outros países, como ele foi montado com consultores de outros países, a transição fragilizava o processo. Então, a iniciativa, com um projeto semelhante ao do Brasil na Argentina, no Peru, onde quer que acontecesse, ele fragilizava quando os consultores mudavam. É muito natural isso, quer dizer, cada um tem seu estilo, tem seu jeito, tem sua forma, tem sua proposta de trabalho. Então, é claro que se esse projeto fosse formado por consultores internacionais, que vinham aqui de outros países, tivessem ficado de 75 a 80, e tinham dois deles, [Florentino Garcia] Scarponi, que era um argentino, e o [Francisco] Salázar, que era um chileno, que participaram desse projeto nessa fase. E foi uma coisa tão interessante que eles um pouco se “abrasileiraram’ quando estavam trabalhando aqui, inclusive, foram os primeiros casos de longa permanência de consultores estrangeiros no Brasil. Geralmente, eles passam quatro ou cinco anos no Brasil. Salázar ficou aqui uns seis ou sete. O García Scarponi a mesma coisa. Porque era um projeto muito típico da OPAS. Isso é que devia ser considerado projeto típico da OPAS, um projeto que ajuda o país a mudar dentro das suas próprias condições e das suas próprias estruturas.


GH – A sensação que eu tenho é que, pelo que você acabou de narrar, é que a cooperação técnica tem implicações pra além do próprio domínio, digamos assim, de recursos humanos. Ela exerceu uma função, num certo sentido, estruturante do próprio campo de Saúde Coletiva.


JP – Ah, tranquilo. Esse projeto começou como projeto de recursos humanos. Vou te dar um exemplo bem concreto e personalizado. Hoje, está aqui e mora aqui no Rio [de Janeiro], desde o ano passado, o [Alberto] Pellegrini [Filho], aposentou-se da OPAS. O Pellegrini foi trabalhar, ele acompanhava o PPREPS, ele era assessor da Secretaria de Serviços Médicos do Ministério da Previdência, era professor da Unicamp e tinha feito concurso, para a Fiocruz, parece, na época. Enfim, o Pelé entrou pra esse projeto nessa segunda etapa. Só que o Pellegrini não foi trabalhar com recursos humanos, o Pellegrini se envolveu muito mais com investigação, começou com a história de investigação em recursos humanos, terminou naquela, acompanhando o processo de consolidação da linha de Saúde Coletiva dentro do CNPq, e terminou um especialista na área de política de ciência e tecnologia em saúde. E, durante algum tempo, durante alguns anos, ele trabalhava na equipe desse acordo, como se fosse da equipe de recursos humanos. A partir de um certo momento também, eu acho que, não sei bem se, acho que foi depois que o Carlyle foi eleito diretor da OPAS e fez uma reestruturação, na organização da OPAS como um todo, e criou uma área chamada de infra-estrutura. Então, aqui no Brasil, o programa de recursos humanos se confundiu com a área de infra-estrutura. E passou a integrar recursos humanos, serviços de saúde, ciência e tecnologia, emergência e desastres. Tudo isso estava dentro da área, do que antes era a equipe de recursos humanos. Quer dizer, o Propício Caldas, que foi consultor da nossa equipe lá, nesse período de 80 pra cá, ele era responsável pelo programa de emergência e desastres. Mas, era da equipe de recursos humanos. Aí pode dizer, claro, que emergência e desastres tem a ver com recursos humanos, que é treinando recursos humanos que você qualifica as instituições pra trabalhar com emergências e desastres.


GH – O que é muito curioso aqui e que a gente já estava conversando depois das nossas leituras, assim, o sentido da palavra, quer dizer, o que quê o termo cooperação técnica significa, né. Porque, hoje, não sei se ele significava a mesma coisa, enfim...


JC – O que significa para a OPAS?


GH – Para a OPAS. Porque você estava falando aqui, respondendo ao Fernando, ‘esse é um típico projeto da OPAS’. Então, eu fiquei aqui, querendo te ouvir, exatamente, o que quê é um típico, o que você define como típico projeto da OPAS, né? Quer dizer, por que quê você fez essa definição, porque eu acho interessante, porque provavelmente têm outros que não são típicos. Mas, o que quê definia um típico projeto da OPAS? O outro é cooperação técnica, quer dizer, isso muda, quer dizer, a idéia de cooperação, quer dizer a idéia é quase, como, como um termo, né, quase que um conceito entre aspas. Ele muda ao longo do tempo. Eu fico perguntando também, qual o interesse da OPAS, que ao mesmo tempo se confundiu, enfim, num processo, com o próprio interesse brasileiro, dos grupos etc, nesse processo, a ponto de tê-lo mantido como cooperação, esse tempo todo. Então, eu queria te ouvir nessas duas coisas. O que quê é um projeto típico da OPAS? E um pouco essa idéia de cooperação quase que permanente nesse campo. Quer dizer, há um interesse da OPAS? E, provavelmente, esses interesses - temos aí 30 anos de percurso - quer dizer, eles mudam nesse processo? É isso que estou te perguntando.


CH – Eu posso fazer uma questão, correlata a esta. O senhor quando se referiu a cooperação técnica me fez pensar o seguinte: o acordo de 75, de imediato, criou o PPREPS, quase como se fosse uma agência operacional do próprio acordo, ou alguma coisa que tornou o acordo possível. Podemos dizer que o PPREPS foi a cooperação técnica possível? De outro modo, qual a distância que há entre o acordo de cooperação técnica assinado e o PPREPS? Enfim, do Acordo formal ao que ele se tornou?


JP – Vamos por partes.


JC – São duas perguntas.


GH? – Como diria o esquartejador [risos]


JC – E não esqueça...


GH – “Vamos por partes”, como diria Jack, o estripador.


JC – Só um minuto, não esqueça de uma pergunta que ele fez.


JP – Ah, a pergunta inicial...


GH – São três questões aí.


JC – Só.


JP – ... quer dizer, Cooperação e assistência. Acho que são termos que estão presentes, tanto no discurso, quanto no ideário das Nações Unidas desde a criação dela, e que fazem parte desse processo de reorganização das relações entre os países depois da Segunda Guerra Mundial. Quer dizer, assistência técnica é uma idéia que pode ser, de forma muito simplificada, dito da seguinte forma: os países ricos, ou desenvolvidos, dão assistência técnica, que inclui conhecimento e financiamento a países pobres, por intermédio, de várias formas, entre elas os organismos internacionais, as agências de cooperação, ou as agências de assistência técnica. Aí, você inclui a OMS, OPAS, no caso das Américas, a FAO [Food and Agriculture Organization], enfim, a Unesco [United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization], o PNUD [Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento], a Unicef [The United Nations Children's Fund], todas elas, não é? O que quê diferencia a idéia de assistência pra cooperação? Isso tem muito a ver com essa diferenciação, com a experiência da OPAS no Brasil, na América. É, um dos principais mobilizadores de opinião política, de decisão pra criação da OPAS em 1902 foi o Brasil. Quer dizer, tem muito a ver com o desenvolvimento e com as preocupações do que era o campo médico, ou a saúde pública no Brasil, naquela época. Tem a ver com a criação do que hoje é a Fundação Oswaldo Cruz. Tem a ver com a história de Oswaldo Cruz. Quer dizer, Oswaldo Cruz não surgiu do nada, ele foi uma pessoa integrada ao seu meio, ao seu ambiente. E, no Brasil, existia uma construção de um pensamento, de uma doutrina, que estava transitando entre a concepção da chamada medicina tropical, que era muito bem representada pelo pensamento da escola baiana, que foi a mais antiga escola médica do Brasil, e que tinha muito a ver com a influência européia, não é? E uma nova concepção desse campo médico que estava se desenvolvendo em São Paulo, e que tem muito a ver com o fato de que São Paulo, a despeito de ser, já de muito tempo, um estado muito poderoso, do ponto de vista econômico e político, na federação brasileira, só veio ter escola de medicina já na quase na segunda década do século XX...


GH – 1912.


JP – Foi um dos estados mais atrasados, se você pode dizer, entre os estados mais importantes do Brasil, o que, por último criou uma faculdade de Medicina. Então, essa idéia da cooperação, ela tem a ver com essa coisa de que, desde o começo, no Brasil, na Venezuela, no Peru existiam pessoas que tinham conhecimento da sua própria realidade, da sua própria necessidade, do quanto sabiam , o porquê, como resolver os seus problemas. Quer dizer, não precisava que viesse algum americano, que era o país rico do continente, chegar aqui e dizer... Não, não tinha nenhum americano que viesse pra nenhum país da América Latina ajudar a resolver os problemas de Saúde Pública que tinham no país. Pelo contrário, quando tinha um problema de saúde num país, convidava outro latino americano pra ir ajudar a resolver. Então, a história da cooperação técnica da OPAS, ela tem essa diferença, ela já nasceu viciada pra ser cooperação em vez de assistência. Agora, o problema é que isso é muito difícil de fazer, porque quem manda é quem tem dinheiro. Então, é, quando eu digo que, e eu quero fazer um reparo, a forma como me expressei, quer dizer, é um projeto típico da OPAS, talvez, o que eu estou querendo dizer é assim: é que é um projeto típico que a OPAS deveria ter. A atual diretora, por exemplo, vem falando em programa de cooperação técnica descentralizada. Eu acho que a maior experiência de cooperação técnica descentralizada foi a experiência do acordo de cooperação Brasil–OPAS, que recebeu esse apelido “Projeto PPREPS”, que foi o nome que deram. Eu respondo a sua pergunta, foi o nome que deram ao plano de ação do acordo, no período de vigência no acordo de 75 a 78. Então, PPREPS é o nome do plano de ação do acordo de cooperação. Ele era um programa, acho que tem uma expressão, um depoimento da Fabíola Aguiar, num documento que eu trouxe pra entregar pra vocês, que é a ata da comissão de coordenação do programa, que é, eu vou ler só a ementa do título dela, “reunião extraordinária da Comissão de Coordenação do Programa de Desenvolvimento de Recursos Humanos para a Saúde no Brasil, realizada no dia 27 de dezembro de 82, na Secretaria Geral do Ministério da Saúde”, quer dizer, o que quê era 27 de dezembro de 82? Doutor Carlyle, coordenador deste programa até este momento, eleito, dois meses antes, novo diretor da Organização Pan-americana da Saúde, não é? O contexto do Ministério da Saúde, do Ministério da Educação e do Ministério da Previdência em grande efervescência, quer dizer, no Ministério da Saúde se consolidando e avançando, em termos de desenvolvimento institucional, a Secretaria de Recursos Humanos da Secretaria Geral, com uma equipe técnica, não é? Pela primeira vez se constituiu uma equipe técnica na Secretaria de Recursos Humanos. Porque entre 75 e 80, praticamente tinha a secretária que era a Stela Winge. Em 80, quan... Em 80, no final de 80, depois que mudou o ministro, que assumiu o Waldyr Arcoverde praticamente, em 81, entrou a Lia Fanuck e compôs uma equipe com apoio do secretário geral do ministério, do Ministro da Saúde, compôs uma equipe técnica. E, na área do MEC, a consolidação da área de saúde no MEC. A área de saúde no MEC era basicamente educação médica até aquele momento, em 82, ela estava se consolidando, até mudou de nome. Em vez de Assessoria em Educação Médica, passou a se chamar Centro de Ciências da Saúde da SESU [Secretaria de Educação Superior]. E no Ministério da Previdência, o aborto, não é, porque já estava na fase de morte do Prev-Saúde. Mas, de qualquer jeito, a idéia da SAS [Secretaria de Atenção a Saúde], quer dizer, então, esse momento tem essas características. Então, nesse momento, se fez uma decisão acordada entre a OPAS, o Ministério da Saúde, o Ministério da Educação, o Ministério da Previdência para a reestruturação do programa. E, avançando naquilo que eu chamaria de uma estratégia de nacionalização do programa. E de fortalecimento do que deveria ser um programa típico da Organização, ou seja, a Organização deveria investir nesse modelo de cooperação. Eu estou citando essa reunião porque tem aqui uma expressão da Fabíola, que era representante do MEC nesse grupo, que é exatamente isso que ela diz. “A doutora Fabíola manifestou sua expectativa de que essas modificações não provoquem mudança no modo de trabalhar do GAP [Grupo Assessor Principal]”, que era o grupo técnico desse acordo. Segundo ela, o GAP constitui-se numa forma tão inteligente quanto rara de cooperação técnica da OPS com o país, pelo que pôde observar em suas experiências anteriores como funcionária e contraparte da Organização. Fabíola tinha, além de ser contraparte, de ser representante do ministério nas relações, no caso do Brasil, com a OPAS, e foi, inclusive, convidada pra muitas reuniões da OPAS e tal. Ela foi funcionária da OPAS na América Latina durante dois ou três anos, ou na América Central. Então, o que ela dizia é isso que eu estou querendo dizer, quer dizer, era uma forma de se fazer cooperação descentralizada, onde a OPAS, enquanto organização, ela dá suporte a um processo, a uma forma de organizar o processo de cooperação técnica, que é próprio e que é peculiar daquele país. E não obedece a esse modelo geral de que tem que ter um consultor, padrão, que é igual em todo país e que muda de cinco em cinco anos. Então, o reparo que eu faço é esse, quando eu digo...


GH? – Não estou entendo.


JP – ... Quer dizer, é um projeto típico da OPAS, é um modelo de cooperação pra OPAS. Infelizmente, ele não é típico no sentido de que é o praticado de forma, mais frequente, de forma distribuída em todos os países. Pelo contrário, a experiência desse projeto aqui, não é fácil de ser absorvida pela Organização. Existe uma tradição muito forte de consultores internacionais que vão, passam um tempo no país, depois mudam pra outro país e tal. E que é da natureza dos organismos internacionais, não se, é...


CH – Paranaguá, como é que se deu esse processo de escolher ou indicar pessoas para ingressar no grupo técnico, mesmo depois vai virar GAP? Quer dizer, como é que ocorreu sua inserção dentro do PPREPS e... dos demais?


JP – Teoricamente, formalmente é como se fosse uma indicação do ministério, contraparte da OPAS. Então, meu caso pessoal, e de dois colegas que foram indicados pelo MEC, na época, foram indicados pelas três instâncias do MEC, que indicavam os participantes nesse projeto. E por negociações internas, não é? Eu participei desse projeto, porque a pessoa com quem eu trabalhava, no Ministério da Educação, que é o Carlos Marcílio de Souza, ele tinha capacidade de mobilizar a decisão do ministro da Educação a favor do meu nome. Eu não tinha capacidade nenhuma. Eu pessoalmente. E não houve um processo de concurso pra isso, não é. A seleção dos candidatos do Ministério da Saúde passava por consultas, por conhecimento prévio, não é? Na época, em que nós fizemos entrevista com a Izabel dos Santos, perguntamos pra ela como é que ela entrou pra isso. “Ah, porque o [João] Yunes me conhecia”, o que quê o Yunes tinha a ver com isso, “ah, porque o Yunes coordenou no Brasil uma grande pesquisa sobre mortalidade infantil, em 79, e eu era o ponto focal dessa pesquisa em 70 e...”, aliás, em 69, em 79 não, em 69 e tal, “... e quando o Yunes estava no ministério e tal, estavam procurando uma pessoa assim, e lembrou, tem uma Izabel [dos Santos], lá de Recife e tal”. Chamaram a Izabel. Então, não, não, não sei.


JC – Quem eram as outras pessoas que participavam desse grupo?


JP – Eu sei que tinha muita consulta, convidavam gente, as pessoas iam, conversavam e tal. É como eu citei há pouco, quer dizer, o [Sergio] Arouca foi convidado, ficou lá uns tempos e depois... Não sei porquê, não resolveu ficar, né?


JC – Paranaguá, você citou você mesmo, Izabel [dos Santos], Arouca, você lembra de outros nomes que participavam desse grupo central?


JP – Não, o Arouca foi convidado na primeira etapa, quando eu não estava lá. Eu sei que ele foi convidado porque a gente sabia sempre onde é que o Arouca andava. Ele era muito famoso naquele tempo, principalmente, que andava todo mundo com medo da ditadura pegar ele e enquadrar, naquele tempo. Então, era assim, “onde é que o Arouca está?”, “está escondido em Brasília, fazendo entrevista com o pessoal, para ver se ele entra no PPREPS”. Então, ele foi convidado, teve lá algum tempo, mas não ficou, né? A Izabel, ela própria disse que foi por indicação do Yunes, não é? Que era o coordenador da área materno infantil do ministério naquela época, em 70 e... Desde 72, 73, que o Yunes era, acho que era, chamava Departamento da Criança, ou Departamento Materno Infantil do Ministério da Saúde. É, eu entrei por indicação da SESU. Mas, precisamente do doutor Carlos Marcílio de Souza. Eu nem conhecia o diretor da SESU na época, que era o Edson Machado. Conhecia assim, fui apresentado a ele porque fui trabalhar na assessoria do MEC, e ele era o chefe. Mas, eu não, nunca tive dois dedos de prosa com ele, não é? É, quem me indicou mesmo foi o chefe da assessoria de saúde, de educação médica do MEC, que era o Marcílio, né? Os outros dois candidatos do MEC eram uma técnica de educação, a Regina Coeli Nogueira, que foi mobilizada porque a Izabel andava atrás de uma pessoa que mexesse com educação técnica, e já era dentro do plano da Izabel de envolver gente da área de educação com a proposta de formação de nível médio em saúde, do Larga Escala. Então, ela tratou de articular, de saber e tal, e mobilizar e de negociar com o MEC a indicação de quem ia para trabalhar nesse projeto lá, né? E o Francisco Lopes, que era um técnico de carreira do Ministério da Educação, que, na época, era assessor do secretário geral, e foi indicado pelo secretário geral para compor essa equipe técnica. E fazia o perfil, porque eu era médico, a outra era educadora e o Francisco era administrador. Então, a idéia era que a gente par...


FIM DA FITA 3/LADO A



FITA 3/LADO B



JP - ...das linhas de trabalho do MEC, desenvolvimento institucional de recursos humanos, de política de plano de carreira, que era a área que o Chico Lopes trabalhava, desenvolvimento da educação técnica, que era a área da Regina [Coeli], e essa parte de integração docente assistencial, de pós-graduação em saúde coletiva, que era eu que trabalhava.


GH – [Alberto] Pellegrini [Filho] entra nesse mesmo momento?


JP – O Pellegrini entrou na época que eu entrei também, com uma diferença, ele já vinha acompanhando esse projeto como assessor, pelo Ministério da Previdência. Então, quando ele entrou para o projeto, ou para o programa, ou para o acordo, melhor dizendo, em 1980, o programa era um programa de cooperação em recursos humanos, só que ele tinha como área de trabalho e como relações institucionais, por mais difícil que seja explicar isso, acho que no dia em que vocês fizerem a entrevista com ele, vocês talvez descubram o que é que houve, né? Ele trabalhava era com o CNPq, criando aquilo que hoje é o Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde. Vem desde esse tempo a idéia de criar uma área de regulação da ciência e tecnologia e tal. Porque, é aquilo que vocês disseram ainda agora, por que quê o PPREPS, o documento, o plano de trabalho fala numa coisa tão grande? Porque é isso, você não pode pensar recursos humanos sem pensar desenvolvimento científico e tecnológico. Por quê? Porque tecnologia método, tecnologia hardware ou software, leve ou pesada, não sei o... O nome que se der, o apelido que se der à tecnologia, tem a ver com trabalho humano, não é? E o desenvolvimento da tecnologia determina e tem relações com o desempenho, o componente humano do processo de trabalho, né? Por que quê esse programa terminou incorporando, entre aspas, a área de serviço de saúde durante uns dez anos, né? Entre 93, quando Carlyle [Guerra de Macedo] foi diretor da OPAS, até, é...


CH – 83.


JP – Os 12 anos que ele foi diretor, a equipe que era do projeto de recursos humanos passou a ser chamada equipe de infra-estrutura da OPAS, que, incluía recursos humanos, serviço de saúde, ciência e tecnologia, não é? Então, era uma visão de que não dá pra trabalhar isoladamente com propostas ou...


[interrupção]


GH – Continuando, você tava falando, portanto, que você tinha uma idéia de infra-estrutura que incluía tudo. Então...


FP – Serviços, né?


GH – Então...


FP – Incorporava...


GH – Não sei se você queria fazer mais algum comentário...


CH – Gostaria de saber mais como é que era o trabalho dentro desse grupo.


GH – Eu acho que essa questão vai ser pra amanhã.


JP – [risos]


GH – Porque a gente queria saber...



[interrupção]


GH – Bom, dia 22 de fevereiro, Rio de Janeiro, a continuação da entrevista com José Paranaguá. Estão presentes: Janete Castro, Gilberto Hochman, Carlos Paiva, Fernando Pires-Alves. Então, a gente queria continuar a entrevista de ontem, um pouco que você tentasse repassar os nomes dos grupos, enfim, as pessoas que formaram os grupos técnicos, a primeira geração, conforme você mesmo está colocando, ‘a primeira fase do PPREPS [Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde]’.


JP – A primeira equipe técnica do acordo de cooperação foi constituída pelo Carlyle [Guerra de Macedo], que era o coordenador do grupo técnico, que era consultor de recursos humanos da Organização Pan-americana da Saúde, e que estava em missão no Chile quando foi convidado pra vir assumir esse cargo aqui no Brasil. A equipe foi se constituindo ao longo do ano de 75, e a partir de 76, meados do ano, ela estava praticamente pronta. Composta pelo Cesar Vieira, que era oriundo da Secretaria de Saúde de Minas Gerais, da área de planejamento; a Izabel dos Santos, que era professora da Universidade Federal de Pernambuco; pelo Francisco Salazar, que era um consultor da OPAS de naturalidade chilena; e...


GH – Você sabe se ele está vivo?


JP – Está sim. E ainda bem...


JC - Bem vivo.


JP – Bem vivo.


GH – Bom.


JP – É, o Danilo Prado Garcia.


JC – Danilo Prado, quem era?


JP – Danilo Prado Garcia era um cirurgião muito, muito bem sucedido em São Paulo. Essas histórias da vida, resolveu sair de uma promissora atividade de cirurgia em São Paulo para a Saúde Pública, pra esse campo de recursos humanos, né? Se vocês tiverem algum dia a oportunidade de entrevistar o Danilo, ele, atualmente é psicanalista, em São Paulo. Ele pode explicar pra vocês essa transição dele da cirurgia, especialista em vias biliares, super especialista, pra área de Saúde Pública, específicamente para um programa de recursos humanos. Basicamente esse pequeno grupo, que funcionou como a equipe técnica do acordo.


GH – Nesse momento, o secretário do ministério era o [José Carlos] Seixas?


JP – Nesse momento, o secretário geral do Ministério da Saúde era o Seixas, e faziam parte também da coordenação do programa, porque esse era uma das características desse programa de cooperação técnica, que era um programa totalmente descentralizado, quer dizer, o apoio, a infra-estrutura, a contratação da equipe técnica era feita pela Organização Pan-americana da Saúde, mas com financiamento nacional e sob a coordenação política e orientação técnica, em linhas gerais, de autoridades nacionais, que era o Ministério da Saúde, o Ministério da Educação. E, no momento seguinte, logo no início, ainda na fase de composição de equipe técnica, a inclusão da Fundação Oswaldo Cruz, que funcionava como que a instância de operação dos projetos que eram financiados, com os recursos desse acordo. Então, a equipe técnica, recordando, era o Danilo, Izabel dos Santos, Francisco Salazar e...


GH – Cesar.


JP – E Cesar Vieira.


JC – Cesar


FP – A Stela...


JP – A Stela Winge era secretária de recursos humanos do Ministério da Saúde. Foi a primeira secretária, quando foi criada a secretaria, ela foi nomeada pelo ministro da Saúde, Paulo de Almeida Machado, e pelo secretário executivo, que era o Seixas, né? Porque essa Secretaria de Recursos Humanos fazia parte da Secretaria Geral. Ela não era uma secretaria nacional, uma secretaria própria do ministério. Com o nome de secretaria, na verdade, ela era como se fosse uma subsecretaria da Secretaria Geral.


CH – Além do GTC [Grupo Técnico Central] tinha também uma comissão, não é? A Comissão de Coordenação.


JP – É, a equipe técnica foram as pessoas contratadas para as atividades de operação dos projetos. A Comissão de Coordenação era constituída pelas autoridades dos dois ministérios e, no momento seguinte, creio que em 76, ou 75 ainda, isso não sei precisar de memória, mas tem nos documentos, o presidente da Fiocruz. Então, era o representante do Ministério da Educação, do Ministério da Saúde e o presidente da Fiocruz, né? Seu presidente ou seu representante legal, designado pelo presidente da Fiocruz. Esse era a comissão de coordenação. Era quem dava as orientações do que quê podia ser feito, aprovava o plano de trabalho. Isso, o plano de trabalho que foi designado como PPREPS, que era o Programa de Preparação Estratégica de Pessoal [de Saúde], ele foi aprovado por essa Comissão de Coordenação, e tinha como característica essa composição técnica e operacional, não é? A equipe técnica nacional, que na época se chamava Equipe Técnica Central, se não me engano. Depois, passou a ter a denominação, não sei em que momento, ela passou a ser designada como Grupo Assessor Principal, o GAP, né?


GH – O GAP.


JP – Tinha a comissão de coordenação, que eram os dirigentes nacionais de saúde e de educação, com a participação da Fiocruz. E as equipes técnicas dos projetos realizados nos estados ou nas regiões onde esses projetos se situavam, nas instituições onde esses projetos eram implantados. Então, sejam projetos sediados na universidade ou secretarias estaduais de saúde, tinham as suas respectivas equipes técnicas. Daí a explicação desse negócio do GTC, do Grupo Técnico Central, do Grupo Assessor Principal. É porque os outros eram as equipes técnicas...


JC – Locais.


JP – ... dos projetos locais, nos estados [federados], não é? Sediados ou em secretarias, quando era o caso de projeto de desenvolvimento institucional da área de recursos humanos nas secretarias, ou projetos de treinamento que eram coordenados por secretarias ou projetos chamados de integração docente-assistencial, que eram sediados nas universidades.


JC – Paranaguá, ontem, você falou sobre um dos ramos do PPREPS, que era a questão do desenvolvimento institucional. Alguns documentos, a gente viu a relação entre o PPREPS e ele, assim, como uma mola que impulsionou a criação desses órgãos de desenvolvimento de recursos humanos. Isto é verdade? Se foi, como se deu? E uma outra pergunta, tem alguma relação do PPREPS com a criação da Secretaria de Recursos Humanos, na época, em 1975? Ou, ela se dá um pouco antes do acordo? Quer dizer, a invenção da secretaria, a criação da secretaria.


JP – Não, a criação da secretaria é uma espécie de irmã siamesa do programa, não é? Só que o programa, o acordo e a equipe técnica do acordo, ela tinha uma identidade ou uma composição e uma certa autonomia. Porque eram recursos oriundos de dois ministérios, e que mantinham uma equipe técnica, para operação desse projeto. A Secretaria de Recursos Humanos foi criada e não, tinha essa, digamos assim, esses recursos disponíveis. O próprio orçamento da Secretaria de Recursos Humanos do ministério era relativamente pequeno, em comparação com o orçamento do acordo. E a equipe técnica da Secretaria de Recursos Humanos, nessa fase, também era menor, e tinha menor capacidade de, digamos assim, de mobilização de especialistas, ou de recursos humanos, do que o acordo. Pelas características que o acordo tinha, quer dizer, era um acordo interministerial, criado por um convênio com um organismo internacional, que era a Organização Pan-americana da Saúde, e que tinha recursos para seu funcionamento, que eram aportados pelo MEC e pelo Ministério da Saúde. Então, essa fase do projeto é caracterizada por essa relativa autonomia do programa de trabalho, quer dizer, ele tinha financiamento, tinha instância de deliberação política e institucional, mas, o projeto tinha, relativamente, autonomia. Porque ele tinha uma equipe financiada, um orçamento para se alocado em projetos, baseados nas diretrizes, no plano de trabalho que foi aprovado e publicado, em meados de 76, né, que é esse documento PPREPS, né? Então, nessa fase, o acordo de cooperação técnica tinha essas peculiaridades e, eu diria até, esse charme, não é? A transição para o que passou a ser uma segunda etapa do acordo de cooperação técnica poderia ser, sob esse aspecto, da relativa autonomia do grupo, quer dizer, isso caracteriza uma transição muito importante. E é o que consta na história do projeto, numa ata da comissão de coordenação, que foi realizada em dezembro de 1982, e que foi, e que teve, exatamente, o objetivo de reestruturação da equipe técnica do acordo de cooperação e de redefinição dos compromissos financeiros do governo com o acordo, não é? Trocando em miúdos, a partir de 83, a equipe técnica não foi mais mantida e contratada pela OPAS. Os técnicos, na época, foram demitidos da OPAS. E não houve aporte de contribuições financeiras dos ministérios com a regularidade. E na forma como tinham funcionado na primeira [fase], na fase anterior do programa de cooperação, não é. Ele se mantinha o compromisso do governo e tal, mas era uma situação muito mais delicada, não é?


GH – A gente pulou aqui para 82/83, quando você já fala de uma mudança na forma de operação do acordo. Talvez, a gente possa voltar um pouquinho aqui na sua entrada, né? Que a gente ficou um pouco ontem. Você tinha explicado ontem, como você chegou até entrar, na... né?


JC – Sua entrada no PPREPS.


GH – No PPREPS, né? Seu ingresso.


JP – Seu comentário é interessante porque até me faz rever essa idéia de fases, do programa, na perspectiva da estrutura e da operação dele. Porque, na verdade, eu estou me referindo agora, já, ao que seria uma terceira fase. Quer dizer, a primeira fase foi uma primeira equipe, que, cujo termo de convênio, de acordo, cujo termo legal tinha vigência até dezembro de 78. Depois, teve um novo, uma nova fase, que foi de 78, de praticamente de 80, com o novo governo, é o início do novo governo, o governo [João Batista] Figueiredo, e com nova equipe ministerial. E nesse momento, com a participação do Ministério da Previdência Social e com uma nova equipe técnica, não é?


GH – Quem estava com você?


JP – Nessa equipe técnica, que foi composta no finalzinho de 79, nas negociações para o novo governo nacional, foram eu, já fui dessa nova equipe, o Francisco Lopes e a Regina Coeli Nogueira, que éramos os técnicos integrantes, já nesse momento chamado de Grupo Assessor Principal. Me lembro disso porque, quando entrei, já fui, entrei com essa...


CH – GAP.


JP – Com esse apelido, né, GAP. Então, e foi a primeira vez em que o MEC, efetivamente, indicou participantes para a equipe técnica do projeto. Porque, na primeira fase, não houve indicação de participantes do Ministério da Educação, não é. Então, o Ministério da Educação indicou, efetivamente, três participantes, uma da Secretaria de Educação Média, que era o nome dela. Hoje, tem outro nome, no Ministério da Educação. A Secretaria de Educação Superior, que era eu. E um da Secretaria Geral do Ministério da Educação, que era o Francisco Lopes. E como técnicos indicados pelo Ministério da Saúde, estavam a Izabel dos Santos, o Roberto Nogueira e o Cesar Vieira, que teve um período, porque da primeira para segunda fase, ele teve ausente do país. Ele é professor da Universidade Federal de Minas Gerais e se candidatou à bolsa de doutorado, ou mestrado, não me recordo, na universidade inglesa, acho que a Universidade de Sussex e esteve dois ou três anos fora do Brasil. Então, ele foi o terceiro técnico, digamos, da cota do Ministério da Saúde que integrava o GAP. E...


GH – Quer dizer, a Izabel então, e ele, já vinham do...


JP – Já vinham do primeiro. E ingressaram pela cota do Ministério da Previdência, o Danilo Prado Garcia, que também já estava na primeira etapa, fez também um período no exterior, foi pra Paris fazer um doutorado. Se não me engano, essa tese de doutorado é um pouco na linha de História, ou até de referência à Casa de Oswaldo Cruz. Eu acho que a tese do Danilo tem algo a ver com História, né? E o Alberto Pellegrini, não é? Então, esse era a nova equipe técnica do projeto e continuava o Carlyle [Guerra de Macedo] como coordenador.


GH – Mas, o Ministério da Previdência, então, só indicou dois nomes?


JP – Só indicou dois nomes. O terceiro nome, por alguma razão, que eu não me recordo, e sempre se cogitava quem era, não era, não havia, enfim, nunca foi designado. Porque era um pouco assim, aquele problema, quer dizer, indicar uma pessoa mais, significava o compromisso de um recurso a ser reservado para a contratação desse consultor, que deveria ser repassado do ministério para a OPAS, por intermédio da Fiocruz, que era uma operação...


CH – Mas, o grupo aumentou.


JP – Aumentou, né? Na primeira fase, ele era, parece que constituído de cinco ou seis pessoas, cinco ou seis pessoas. E nessa segunda fase, ele chegou a ter oito pessoas contando com o coordenador, que era o Carlyle. É, na terceira fase, do ponto de vista dessa seqüência...


GH – Mas, vamos ficar na segunda. Vamos ficar na segunda Paranaguá.


JP - ... Do grupo é que foi uma mudança radical, tanto na operação, quanto na composição da equipe. Mas, isso a gente deixa pra mais adiante.


CH – É, a pergunta que faço é exatamente sobre essa segunda fase, gostaria de explorar um pouco mais a rotina, o dia-a-dia do seu trabalho, a sua autonomia de decisão frente o grupo, como é que se negociava, efetivamente, as decisões?


JP – Nessa fase, nós tínhamos um grupo pequeno, de oito pessoas interagindo muito cotidianamente com a Secretaria de Serviços Médicos do Ministério da Previdência, com algumas pessoas da direção do INAMPS, era aqui no Rio de Janeiro.


GH – Vocês se encontravam aonde?


JP – Nos encontrávamos, geralmente, na própria OPAS, ou em reuniões também nos ministérios. E, principalmente com as equipes do Ministério da Saúde, da Secretaria Geral do Ministério da Saúde, né? E mais especificamente com a Secretaria de Recursos Humanos do Ministério da Saúde, que nessa fase já tinha uma certa estabilidade, já tinha se estruturado melhor, quer dizer, já tinha realizado avanços em relação à situação institucional, à fragilidade institucional, que tinha essa secretaria nos primeiros anos da sua criação, né? Então, já era uma secretaria mais forte, mais estruturada. E também já contava com referências e relações institucionais, do ministério, com os órgãos de desenvolvimento de recursos humanos, que já vinham sendo criados na estrutura das secretarias estaduais, na forma de assessoria de recursos humanos, ou ainda grupo dentro da área de planejamento das secretarias de saúde. Enfim, as formas, as modalidades de organização de recursos humanos, de desenvolvimento de recursos humanos nas secretarias estaduais variou muito, né? Uma das estruturas mais organizadas dentro desse novo modelo foi a Secretaria de Saúde da Bahia. Até comentei ontem, que a Tânia Celeste [Matos Nunes] , atual vice-presidente de ensino da Fiocruz, era a jovem sanitarista que implantou o CENDRHU, que é o Centro de Desenvolvimento de Recursos Humanos do Estado da Bahia, e foi, se não me falha a memória e se não cometo alguma injustiça, um dos órgãos de desenvolvimento de recursos humanos nos estados mais bem estruturados na época. Se alguém reclamar, tem todo o direito e prove que era melhor do que o CENDRHU. Mas, eu tenho assim, de memória rápida, que o CENDRHU teve essa característica, né? Mas era uma coisa geral, quer dizer, todas as secretarias de saúde estavam buscando se consolidar no campo da política e da gestão, do desenvolvimento de recursos humanos. De forma que isso dava à Secretaria de Recursos Humanos do ministério, mais consistência, mais projeção política e tal. E a relação da equipe técnica do GAP com o Ministério da Saúde, com o Ministério da Educação, na área de educação superior e na educação de nível médio, e com o Ministério da Previdência, tanto por intermédio da Secretaria de Serviços Médicos, tanto da direção geral do INAMPS, era relativamente freqüente. Inclusive, se procurava estimular a participação e fazer contatos com o pessoal do INAMPS aqui no Rio, porque, por conta da distância, sempre tinha uma certa dificuldade maior da gente interagir, né? Mas, se procurava uma aproximação e fortalecer a aproximação com o INAMPS. E com o Ministério da Educação, né? Porque a relação do GAP com os projetos de integração docente-assistencial, que estavam no campo do Ministério da Educação, eles eram muito fortes com as universidades que sediavam esses projetos. E as universidades têm uma relativa autonomia da direção do MEC, quer dizer, da tradição da política educacional, que é muito diferente da política de saúde é essa autonomia das universidades em relação ao MEC, do que são as secretarias em relação ao governo federal. Quer dizer, as secretarias sempre foram muito mais dependentes do poder político e financeiro do Ministério da Saúde. Esse, aliás, é um dos avanços que precisam ser realizados no próprio Sistema Único de Saúde.


FP – Secretarias, nesse caso, secretarias de estado de saúde.


JP – Secretarias estaduais de saúde. De forma que os projetos da área de educação da cooperação técnica da OPAS, eles tinham muito mais uma relação com as próprias universidades, que tinham capacidade de tomar decisão e tal, quando precisavam do apoio político, financeiro ou institucional do Ministério da Educação, eles próprios iam lá. Nós acompanhávamos ou participávamos, mas não tinha aquela característica do Ministério da Saúde, que fazia muito mais um papel de comando mesmo, né? Quer dizer, o Ministério da Saúde sempre advoga uma certa mediação entre, na relação da OPAS com as secretarias de saúde, né? O que eu acho normal, faz parte da concepção de operação das organizações internacionais no país, tem que ter um órgão nacional que coordene, e que seja a contraparte da atuação das organizações internacionais. Mesmo sendo organizações do tipo das Nações Unidas, tem que ter uma instância nacional de articulação. De fato...


JC – Essa é a realidade até hoje. Você falou “sempre advoga”. É assim até hoje?


JP – Não, ela sempre existe. Inclusive, faz parte da posição política e institucional da OPAS que essa referência a programas nacionais, sejam a base para projetos específicos nos estados. Agora, o que varia muito é o estilo de cada autoridade. Quer dizer, houve épocas ou pessoas na direção do Ministério da Saúde que claramente definem os espaços. Quer dizer, consultor da OPAS tem que ir ao estado acompanhado por um representante do Ministério da Saúde. Outras vezes, isso não acontece, não é? Como também varia o estilo do representante da OPAS. Alguns representantes são mais formais, fazem questão de qualquer relação da OPAS com as secretarias estaduais ou municipais, que ela seja acompanhada, ou pelo menos noticiada às autoridades do Ministério da Saúde. Outros não têm essa...

FIM DA FITA 3/LADO B

Entrevista 4


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PROJETO:
HISTÓRIA DA COOPERAÇÃO TÉCNICA EM RECURSOS HUMANOS EM SAÚDE NO BRASIL

Data:
22 de Fevereiro 2005


Depoente:
JP – José Francisco Nogueira Paranaguá de Santana

Entrevistadores:
CH – Carlos Henrique Assunção Paiva

FP – Fernando Pires Alves

GH – Gilberto Hochman

JC – Janete Lima de Castro


Entrevista:

Código: 4/8


Transcrito por:

Andrea Ribeiro – setembro 2005



FITA 4/LADO A


JP - Outros não têm essa preocupação tão evidente. É uma situação que é mais ou menos flexível. Os técnicos do programa de cooperação são nacionais de convivência relativamente fácil. No meu caso, sou o mais antigo remanescente e hoje o único remanescente dessa equipe técnica, estando nessa posição durante mais de duas décadas. É uma situação relativamente fácil de manejar, porque os dirigentes da área da saúde, com freqüência foram pessoas, em momentos anteriores, que tiveram alguma relação com a própria OPAS [Organização Pan-Americana da Saúde] em termos de projetos estaduais ou municipais. Ou seja, são pessoas que não são estranhas do ponto de vista das relações políticas, institucionais e, às vezes, até pessoais. Essa relação não é simples, mas é de manejo viável. Esse é o tipo de relação institucional do funcionamento da equipe técnica da OPAS e dos profissionais nacionais dentro desse programa de cooperação.


CH – Já que a gente está falando da relação do PPREPS [Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde] com as secretarias estaduais, do ponto de vista do objetivo do programa, quais foram os estados em que o programa foi mais bem sucedido? E em quais estados a experiência, pelo menos na segunda fase, que o senhor trabalhou, a agenda de trabalho foi mais complicada?


GH – Como é que a questão política estadual interferia nessas relações? Considerando que você tem aqui um grupo de estados em que, provavelmente, o processo de descentralização de algumas propostas dos projetos foram mais bem sucedidas do que outras. Os avanços e os atrasos do acordo talvez tenham dependido das mudanças políticas locais ou não. Sendo assim, como é que se dava essa relação com os estados [federados]?


JP – Isso variava sempre, pois o princípio básico é de que qualquer ação da cooperação técnica da OPAS nos estados depende de uma anuência ou de uma participação efetiva do governo federal, seja através do Ministério da Saúde, no caso desse acordo, ou do Ministério da Educação. E também do envolvimento com a universidade ou a reitoria da universidade, a direção do Centro de Ciências de Saúde ou da faculdade de Medicina ou Enfermagem. Agora, mudança de secretário ou transição de governo, sempre leva à redefinição de prioridades, de diretrizes, às vezes, até de orientação do próprio projeto. As autoridades estaduais, municipais, universitárias e educacionais têm uma visão muito positiva e idealizada da OPAS, como uma instituição realmente neutra, que não tem as dependências de política partidária. Então, num estado onde o governo do estado era de um outro partido, que não era do governo federal, as relações entre a secretaria de saúde e o Ministério da Saúde, em geral, têm que levar em conta essa vicissitude. No caso da participação da OPAS, isso era amenizado. Nós sempre utilizamos muito essa vantagem comparativa da participação da OPAS, de ajudar a continuidade e a sobrevivência de projetos que iam bem numa gestão, na transição, seja de secretário, seja de governador ou na transição de reitorias de Centro de Ciências da Saúde. Isso era ajudado pelo fato de que as novas autoridades não tinham, em geral, resistências a reconhecer a OPAS como instituição cooperante para os seus objetivos institucionais naquele momento, no início daquela nova gestão. Até porque, é uma posição e uma recomendação explícita da direção da Organização para os consultores e os funcionários da Organização, de que a Organização não tem, por princípio, objetivos próprios. A não ser aqueles que são transformados em metas ou em projetos aprovados pelo próprio Conselho de Ministros. Ou seja, a Organização não inventa um projeto e nem decide que vai ter ação A ou B. Um programa regional é aprovado pelo Conselho de Ministros, órgão deliberativo superior da Organização, ou aprovado entre a representação e a autoridade nacional ou estadual que define o que quê vai ser feito. Não existe a autonomia da Organização inventar, a Organização não tem nenhum poder de intervenção e nem de execução próprios. Então, trabalhar nessa lógica é vantajoso do ponto de vista da perpetuidade, da permanência de objetivos, que são coisas indispensáveis para uma boa administração pública.


JC – Eu gostaria explorar um pouco ainda sobre aquela história do órgão de desenvolvimento. Tem um texto muito antigo, Paranaguá, da Anete [Pereira Simões], na época da 8ª Conferência [Nacional de Saúde], que ela diz que na conjuntura da criação e implantação do PPREPS, chega até a criação dos órgãos de desenvolvimento de recursos humanos, começou a instituir ou a se inserir nas instituições de saúde, em especial nas secretarias estaduais, a cultura de discutir planejamento de recursos humanos, a formação de recursos humanos, planejamento de recursos humanos de acordo com as necessidades de serviço e capacitação, mais tarde, formação de recursos humanos. Antes isso era tratado como algo voltado para a questão de administração. Minha pergunta primeira é: como isso aconteceu? E se isso realmente aconteceu, a gente pode dizer que o PPREPS [Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde] foi algo que conformou a área de recursos humanos, como a gente conhece hoje?


JP – Eu acho que a participação do PPREPS sucedeu a esse plano de trabalho, e foi adotado na nova alcunha da equipe do PPREPS, que passou a se chamar GAP [Grupo Assessor Principal], teve muito a ver com esse processo de desenvolvimento institucional da área de recursos humanos, nas secretarias estaduais e, posteriormente, nas secretarias municipais com essa equipe técnica do acordo de cooperação da OPAS. Claro que isso constituiu, desde 75, um objetivo e uma demanda do Ministério da Saúde. Está colocado no plano de trabalho, na proposta do Ministério da Saúde, que a Secretaria de Recursos Humanos do ministério era uma irmã siamesa do acordo, pois havia a necessidade de fortalecer tanto no ministério, quanto nas secretarias, a área de recursos humanos. Esse fortalecimento incluía essas dimensões, o pensar recursos humanos enquanto um objeto de planejamento, de intervenção no campo das relações de trabalho, um objeto de investigação. Para que se conheçam melhor quais são os problemas e se formulem projetos de intervenção baseados em diagnósticos desses problemas e não em impressões ou em fantasias. Então, esse é um marco importante ao longo do tempo, pois tiveram várias estratégias que responderam a essa demanda de desenvolvimento institucional de recursos humanos no Sistema Nacional de Saúde. Uma das primeiras foi o apoio à realização de cursos de especialização em Saúde Pública. Não sei se vocês recordam, em 1976, contemporâneo do PPREPS, a Escola Nacional de Saúde Pública [Sergio Arouca/Fiocruz] deslanchou um programa nacional de descentralização de cursos de Saúde Pública. A equipe do PPREPS, na época, e depois o GAP, na década de 80, ajudavam na realização de vários desses cursos, inclusive, assumindo a coordenação didática de alguns módulos do curso, quando era necessário.


GH – Você se lembra quem era a figura na ENSP [Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fiocruz] nesse momento?


JP – Quem coordenou o projeto de descentralização na ENSP foi o Mário Hamilton, que tinha recém-chegado na ENSP. Ele foi a pessoa que encarnava esse espírito de forma mais evidente. Tinha o coordenador do projeto, um professor, não me lembro agora, que também era a pessoa que cuidava da operação dos projetos descentralizados. Uma das estratégias dos cursos descentralizados de Saúde Pública era qualificar e motivar, até estimular a participação de gente que tinha alguma ligação ou que estava sendo designado para a função de assessor, de coordenador e de chefe do Núcleo de Recursos Humanos da secretaria. A esses era indicado a fazer os cursos de Saúde Pública. Logo depois, por volta 83, começou-se a pensar em capacitação específica para a área de recursos humanos. Eu me recordo, não sei se estou enganado, mas o primeiro curso para uma equipe de recursos humanos de várias secretarias foi dado pelo Ministério da Saúde através de nossa colaboração técnica na Secretaria de Saúde de Minas Gerais, na Escola de Saúde Pública da Escola de Saúde da Fundação Ezequiel Dias da Secretaria de Saúde de Minas nessa época. Fora as atividades mais específicas de capacitação realizadas no país em forma muito mais intensiva, também aconteciam capacitação na linha de educação técnica, de formação de pessoal técnico e auxiliar de saúde, que era a área de trabalho da Izabel Santos. A Izabel, logo no início dos anos 80, a partir de 80 ou 81, começou o projeto Larga Escala, que tinha como finalidade a realização de projeto de capacitação de equipes técnicas para trabalhar com uma concepção curricular. Através do Larga Escala foram capacitados mais de 2 mil pessoas, enfermeiros, enfermeiras. Essa proposta recebeu a denominação de capacitação metodológica para o desenvolvimento de currículo integrado de formação e de formação de pessoal auxiliar de saúde.


FP – Como membro do GAP, qual era a sua relação com a condução do projeto do Larga Escala?


GH – Antes disso, eu gostaria de explorar mais um pouquinho o funcionamento das suas atividades de projetos. Pois você falou que a Izabel foi por esse caminho. Isso se deu pelo fato de alguns serem representantes do Ministério da Saúde e outros do MEC [Ministério da Educação e da Cultura]?


FP - Tinha, na verdade, uma certa divisão de trabalho?


JP – A idéia de divisão de trabalho, de acordo com a orientação foi assumida de forma muito persistente e radical. A gente sempre estava trabalhando e participando de algum modo em todas as áreas. Cada um tinha uma área mais diferenciada, onde ocupava de forma preferencial com sua capacidade e disponibilidade de trabalho. Eu atuava mais no campo das relações de cooperação entre universidades e secretarias, que eram os projetos IDA [Integração Docente Assistencial]. Trabalhei muito por conta da demanda prioritária para o Ministério da Educação, num projeto de avaliação das escolas médicas. O Ministério da Educação tinha feito um estudo sobre as escolas médicas executado diretamente pela Comissão de Educação Médica, durante a primeira fase da cooperação técnica do qual o PPREPS [Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde] não participou. Era um trabalho feito pessoalmente, feito pelos membros da Comissão de Educação Médica do MEC. Na década de 80, quando foi criada a área de assessoria de saúde, dentro da SESU [Secretaria de Educação Superior], o coordenador dessa área de saúde, era o doutor Cícero Adolpho da Silva, professor da Universidade Federal da Bahia. Ele demandou, através de entendimentos conosco, para que a gente fizesse um estudo das escolas médicas. Então, nós preparamos todo o projeto. O próprio secretário da SESU, o professor Carlos Benedito Rodrigues da Silva foi quem deu apoio direto à execução desse projeto. Fizemos isso através de uma equipe técnica grande. Era um dos projetos onde eu me envolvi durante, praticamente, três anos com quase a metade do meu tempo de trabalho dedicado e ele. Outro projeto que eu me envolvi, nesse período, no início da década de 80, foi um projeto de expansão da pós-graduação em Medicina Preventiva. Especificamente, a idéia do projeto era de ampliação da pós-graduação. O que foi possível realizar, foi a expansão da residência médica em Medicina Preventiva. Nós pegamos as residências médicas que tinham 27 vagas anuais de bolsas de residência e passamos para dois anos ou três anos, não me recordo agora o período, com cerca de 120 ou 130 vagas anuais. Inclusive, criando essas residências em estados que não tinham nenhuma tradição de ensino de Medicina Preventiva.


FP – Por que quê não deu certo essa idéia da expansão da pós-graduação?


JP – Porque a expansão da pós-graduação incluía a expansão da oferta de cursos de especialização em Saúde Pública. E nós apoiávamos o projeto que já era da ENSP, onde dávamos alguns módulos. Tínhamos uma ação muito mais de apoio por demanda da ENSP. A sugestão do Ministério da Saúde era que a gente apoiasse um curso de uma secretaria com demanda. A ENSP não podia responder aquilo de imediato, então, se mobilizava a OPAS para responder aquilo. Então, no campo da Saúde Pública, a idéia era apoiar as iniciativas da ENSP. A residência em Medicina Preventiva que era uma espécie de patinho feio do programa, ninguém tomava conta disso e não existia nenhum órgão no MEC. A Comissão Nacional de Residência Médica tinha sérias restrições ideológicas à Medicina Preventiva, porque achava que Medicina Preventiva era um negócio que só atrapalha os clínicos e os cirurgiões. Então, foi preciso que se criasse um projeto de incentivo à ampliação e à oferta de vagas em Medicina Preventiva na época. Até porque esse programa de expansão da residência em Medicina Preventiva estava ligado a um outro projeto que nós estávamos participando de forma muito intensa, junto a Previdência Social, que era o Programa de Ações Integradas de Saúde. Que veio a ser o SUDS [Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde], que é SUS [Sistema [Único de Saúde]. Então, se achava que a implantação das ações, das AIS [Ações Integradas de Saúde], ia demandar capacidade de atuação de sanitaristas, de egressos das residências de Medicina Preventiva, e não tinham. Então, era importante que se estimulasse a criação de programas, a ampliação de vagas para que municípios ou estados que fossem implantar ações integradas de saúde pudessem dispor de uma pessoa com experiência e formação acadêmica para essa função. Outras pessoas trabalhavam em outras áreas mais específicas. Mas, sempre procurando participar das outras. Nesses três projetos foi que se deu a minha atuação nesse período, participavam todos os outros. Seja nas discussões, sejam nas críticas. Os documentos que eu preparava eram baseados em consenso anterior. E eram revistos pelo grupo como um conjunto. A gente tinha sempre esse método de trabalho. Era viável porque nós éramos um grupo pequeno e com muitas identidades. E tínhamos, realmente, uma eficiência muito grande como grupo de trabalho.


GH – Algum projeto seu não emplacou? Você se lembra?


JP – Não, desses projetos que eu estou falando.


GH – Algum outro que você tenha?


JP – Não, tem um outro projeto, que ele veio emplacar muito tempo depois. Eu não sei se ainda emplacou. Acho que nós estamos vivendo essa história ainda, que é o projeto originário do próprio PPREPS, que era a tal das regiões docente-assistenciais. Eu comentei na entrevista ontem, que o plano de trabalho do PPREPS tinha certas características, hiper dimensionadas de implantar a apoiar dez regiões docente-assistenciais. Porque era uma proposta do Ministério da Educação, do Ministério da Saúde e de várias secretarias de saúde, na época. O Claúdio [?] chamava isso de “distrito docente assistencial”, de “centro saúde escola”. Os projetos IDA eram apoiados pela Fundação Kellog, tinham dezenas de experiências. Existia essa proposta. Agora, as dez regiões docente-assistenciais, foi muito mais um processo de transbordamento doutrinário, que era uma discussão insulada nos departamentos de Medicina Preventiva, ou de pediatria, que eram os mais abertos a esses projetos de articulação com o serviço de saúde, para ser uma discussão do conjunto da universidade. Eu acho que esse foi o avanço, e não o fracasso. Agora, se você perguntar: foram implantados essas regiões docente-assistenciais? Não. Eu acho que houve avanços muito grandes enquanto movimento ideológico, enquanto concepção institucional. Isso era coerente com a idéia da reforma universitária, que dizer, as cátedras eram vistas como instâncias ou territórios independentes dentro da estrutura acadêmica. E os Centros de Ciências da Saúde que tinham essa sensibilidade maior para uma relação interdisciplinar e multiprofissional, que era coerente com essa proposta da integração docente-assistencial e da criação de distritos etc. Nessa fase, um outro projeto no qual eu estava envolvido, era a história das regiões docente-assistenciais, que já tinham mudado de nome, eram projetos IDA [Integração Docente Assistencial]. E nós fizemos e foi publicado pelo Ministério da Educação, aquilo que seria o Programa Nacional de Integração Docente Assistencial, que é uma publicação do MEC, que nós fizemos junto com o MEC, todo o GAP [Grupo Assessor Principal] ajudou. Eu fui o elemento de contato do GAP com o MEC, na elaboração desse projeto. No MEC, a pessoa que estava à frente desse projeto e que algum tempo depois veio aqui para Fiocruz, foi o Frederico Simões Barbosa. Nós publicamos, nessa época, um documento oficial, chamado de “O Programa de Integração Docente Assistencial”. Agora, vocês sabem que o Programa de Integração Docente Assistencial ainda é o mesmo problema hoje. O Ministério da Saúde com uma nova secretaria passou a investir pesado na criação e implantação da proposta dos pólos de educação permanente. O que quê são os pólos de educação permanente? A proposta de regiões docente-assistenciais, a proposta de integração docente-assistencial, aquilo que o [Sergio] Arouca chamou muito bem na tese dele de “energizar um conceito antigo para conferir-lhe atualidade e originalidade”. Então, eu acho que tem essa diferenças, esses avanços ou retrocessos. Mas, a idéia central é essa, nós temos um problema, que é uma dissociação entre a universidade e os serviços de saúde. Essa dissociação que está ligada muito ao problema da universidade hoje. A reforma universitária proposta pelo Ministério da Educação, neste momento, como projeto de lei no Congresso Nacional saiu inicialmente como medida provisória. Quer dizer, a universidade vai se redefinir. Em quê sentido a universidade interage? Como a universidade interage com a sociedade, com as demandas sociais? Quais são os compromissos da sociedade com o povo? Não com as elites ou com as empresas capitalistas instaladas no país, nacionais ou internacionais. Essa é a discussão. Então, no campo da saúde essa discussão avançou. Foi levada para nível político. Isso era um tema das reuniões nacionais, das reuniões estaduais, de congressos, da Associação Brasileira de Educação Médica, da Associação Médica Brasileira, do Conselho Federal de Medicina, da Associação Brasileira de Enfermagem e da Federação Nacional de Odontologia. Todos esses temas eram assuntos levados para essas discussões políticas e onde o grupo técnico da OPAS buscava apoiar e estimular essas iniciativas. Eu diria, além dos outros três projetos que, concretamente, têm resultados mais palpáveis.... Você aumenta, tem uma ação de ampliar residência médica. Isso mudou de 27 vagas para 150. Ainda agora, eu falei 120, não tenho idéia desse número, foi um aumento enorme. O programa de Minas Gerais, que foi a maior expansão, passou de meia dúzia de bolsistas, para 15 bolsistas por ano. Então, a idéia era ampliar essa coisa. O outro projeto de investigação foi a educação médica, um trabalho feito junto das 76 escolas existentes na época. Foi desenvolvido um método de análise de interpretação dessa realidade, quer dizer, toda uma documentação científica. Uma proposta de concepção metodológica baseada nas idéias do Juan Cesar García, que 15 anos antes, tinha feito um estudo sobre as escolas médicas de toda a região da América Latina. Quer dizer, tem um resultado concreto que é uma publicação feita e muitas reuniões com todos os diretores de escolas e coordenadores de cursos. Os Coordenadores de curso é uma coisa interessante, pois as escolas têm, além do diretor, um coordenador do colegiado de curso, que faz a integração entre os departamentos para garantir a unidade do currículo. Então, esse foi um movimento importante para mudar muito a idéia de que fazer reforma de educação médica é um negócio de ajustamento de planos de disciplina, de fazer uma disciplina com mais tecnologia educacional. Não se trata de um problema só pedagógico, mas também de um problema de natureza política que tem que ser revisto. Acho que tem um resultado concreto. Agora, as regiões docentes assistenciais ficaram em uma publicação. Até hoje isso vem representando o principal desafio para o Ministério da Saúde no campo da gestão da educação, que é o nome dessa nova secretaria. Quer dizer, implantar os pólos de educação permanente.


FP – O Paranaguá foi respondendo no meio do caminho, sem perder de vista que você estava percorrendo a distribuição de funções no interior do GAP. Eu não queria perder isso. Você comentou quase todos os tópicos, eu te perguntaria se você teria alguma coisa a complementar com relação ao desenvolvimento, seus êxitos e dificuldades com relação às ações integradas de saúde?


FIM DA FITA 4/LADO A




FITA 4/LADO B


JP – O sucesso ou o insucesso da cooperação técnica no campo das ações integradas de saúde, acho que são o sucesso ou os insucessos das próprias ações integradas de saúde. Eu e mais alguns colegas do GAP, especialmente o [Alberto] Pellegrini [Filho], o Roberto [Nogueira], a Izabel [dos Santos] e o Danilo [Garcia], que nessa época já tinha saído do GAP, mas estava como assessor da Secretaria de Serviços Médicos durante um período, que nós trabalhávamos diretamente com a equipe coordenada pelo Eleutério [Rodriguez Neto] no INAMPS [Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social], e depois na Secretaria de Serviços Médicos nos projeto das AIS, eu cheguei, inclusive, a participar e colaborar com alguns projetos pilotos deles, que era em Santa Catarina, que foi a primeira experiência descentralizada das AIS. Agora a nossa participação nas AIS era de aproveitamento da experiência que a gente tinha de trabalhar com as universidades, de conhecer dirigentes de universidades, facilitar e ajudar a motivar, e ver como é que se poderia mobilizar os dirigentes das universidades e os professores para um projeto de reorganização dos serviços que depende, essencialmente, de trabalhadores com o novo perfil. Essa era diferença marcante tanto no campo de recursos humanos, quanto no campo do planejamento. Antes de pensar a administração de recursos humanos como um objeto estático e desprovido de vontade, a nova concepção de recursos humanos, acho que foi uma contribuição importante na consolidação dessa idéia no país todo, trabalhar a idéia de trabalhar com a gestão do trabalho, que significa reconhecer que o trabalho não é uma entidade abstrata, mas que se arquiva num corpo humano, quer dizer, o trabalho é a pessoa que tem capacidade de decisão, de opinião e que tem vontade. No campo do planejamento, passasse pensar que não adianta planejar se as pessoas não tiverem motivadas pelo mesmo interesse do planejador. Se não o planejador fica falando no deserto, ou com os peixes. Ou fica só fazendo discurso.


JC – A minha pergunta é a seguinte: em todo período que você fez parte do GAP, você era Ministério da Educação ou teve um período que você passou a ser OPAS?


JP – Essa era uma situação que a gente chamava até de “anfíbia”, quer dizer, nós éramos da OPAS. Mas, o financiamento do nosso contrato, quando éramos contratados pela OPAS, era dos ministérios. Por exemplo, fui contratado pela OPAS durante três anos, entrei em 79 e saí, quando o meu cargo foi extinto, em 83. Durante esses três anos eu era contratado pela OPAS, mas o financiamento desse contrato era do Ministério da Educação. Eu trabalhava, prioritariamente, em projetos de interesse do Ministério da Educação. Participava de todos os outros projetos, ia às reuniões, representava a OPAS nas reuniões com o Ministério da Saúde, quando era necessário. Nós não fazíamos essa distinção, “se eu era do MEC, eu não podia ir trabalhar”. Não tinha diferença.


JC – Para todos?


JP – Quando o Ministério da Saúde precisava de alguém, em algum estado para resolver um problema, ajudar a resolver um problema, qualquer um de nós ia. É claro que, ia aquele que tinha mais aproximação com o problema. Mas, se houvesse necessidade, quando era uma questão mais institucional, qualquer um podia ir. Não havia diferença entre ser oriundo, indicado ou patrocinado pelo MEC, não havia essa diferença. Mas, no meu contrato era com a OPAS, financiado pelo MEC, eu atuava prioritariamente em projetos explicitamente demandados ou negociados com o MEC. Por isso, eu trabalhei, prioritariamente, em projeto de residência médica, que era projeto do MEC; assim como integração-docente assistencial; e avaliação de escolas médicas Enfim, essa era uma lógica de articulação institucional. Eu acho que isso é que era o valioso nessa experiência. Mas isso foi se perdendo, aquilo que eu comentei, um pouco antes, sobre a transição para uma nova etapa, considerando essa periodização e tomando a questão da organização da equipe e o financiamento do plano de trabalho que mudou a partir de 83, como referências. Essa foi uma mudança radical, quer dizer, nas duas primeiras fases, o financiamento era dos ministérios, contratação e a coordenação técnica do grupo eram feitas pela OPAS, na pessoa do Carlyle [Guerra de Macedo], que era o coordenador do grupo técnico. Mas, a coordenação técnica e política eram feitas pelas autoridades nacionais. Agora, ninguém é ingênuo de saber que esta coordenação mais geral não era influenciada pelo próprio grupo. Quer dizer, aquela mesma referência que eu fiz sobre a gestão de recursos humanos implica em reconhecer que as pessoas são dotadas de vontade, ideais e decisões próprias. Então, nós, tanto o coordenador, o doutor Carlyle, como cada um de nós do grupo técnico, interagíamos muito intensamente com os dirigentes dos ministérios, discutindo quais eram as prioridades que nós tínhamos que incluir no plano de trabalho do GAP. Não era uma coisa burocrática. O doutor Cícero [Adolpho], como coordenador da área de saúde da SESU fazia um ofício para OPAS dizendo “quero um... Sai um estudo de escolas médicas”. É claro que foi um ofício assim, mas, primeiro nós conversamos muitas vezes o que quê era esse projeto. Negociamos que não ia ser um levantamento nos moldes da investigação feita, anteriormente, pela própria Comissão de Educação Médica. Porque nós íamos adotar, como referencial metodológico, o protocolo e as bases doutrinárias do Juan Cesar García. Esse era um processo de interação com o próprio ministério. Quer dizer, não era uma coisa burocrática, pede e recebe o produto que a OPAS inventou. Era tudo muito negociado. Inclusive, esse projeto, foi discutido e apresentado à Comissão de Educação Médica do MEC, na época. E não passou impune. Ele teve debate e teve críticas. Mas, foi aprovado. A mesma coisa se fazia com todas as áreas e com todas as decisões que iam para o comitê de coordenação. Todo mundo sabe que comitê de coordenação se reúne depois que as coisas estão, mais ou menos, negociadas. E assim funcionava também o acordo da OPAS.


JC – Deixa eu esclarecer melhor ainda o meu interesse nessa pergunta. Neste grupo, o único que não era anfíbio, então, era Carlyle?


JP – Exatamente. Porque, de certa forma, ele era uma coisa rara na OPAS, pois era um consultor da OPAS trabalhando no próprio país de origem.


JC – Certo, mas era consultor da OPAS?


JP – Porque a tradição dos organismos internacionais, especialmente na OPAS, que os consultores são estrangeiros. E o Carlyle não. O Carlyle foi o primeiro consultor brasileiro trabalhando num programa duradouro no Brasil. Porque nenhum brasileiro deu alguma consultoria para OPAS no próprio Brasil. Isso aconteceu de forma episódica numa coisa muito específica. Mas, dentro de um programa duradouro como esse, o Carlyle ficou durante oito anos coordenador de um programa, de 75 a 82.


JC – Paranaguá, e essa sua situação de anfíbio acabou em 83? Pois você entra na OPAS como consultor?


JP – Do ponto de vista do contrato.


JC – Do contrato?


JP – É, eu deixei de ser contratado pela OPAS, mas continuei anfíbio, porque eu trabalhava na OPAS, sendo brasileiro, e indicado pelo Ministério da Educação. Eu continuava pago pelo Ministério da Educação.


JC – Quando é que você entra como consultor, como você é hoje, na OPAS?


JP – Aí que está a diferença. Eu entrei como consultor da OPAS em 79, por contratos provisórios. Até que a burocracia liberou meu contrato anual. A OPAS tem uma modalidade de contratação que, às vezes, demora a liberação do contrato anual. Todo consultor que entra na Organização, a não ser um cargo muito especial, que já tinha um prazo de cinco anos, ou é permanente, coisa que, inclusive, já foi extinto. Ele passa por um contrato de um ano. Depois, renova por dois anos ou quatro. Mas, é um contrato que vai se renovando. Só que, em geral, na maioria das vezes, ele se perpetua. Mas, no nosso caso, na época em que fui contratado era assim. Eu fui contratado por um ano, depois, por dois anos e, nesse momento, o financiamento do meu contrato era repassado do Ministério da Educação para a OPAS, por intermédio da Fundação Oswaldo Cruz, numa certa época. Depois, passou a ser direto, o financiamento do ministério à própria OPAS. Em 82, eu digo que seria a terceira fase do acordo de cooperação técnica, porque mudou a lógica, do ponto de vista do financiamento, do plano de trabalho e do vínculo político e jurídico da equipe técnica. Os cargos foram extintos pelo diretor recém empossado da OPAS, ex-coordenador do próprio grupo técnico. Ele extinguiu mediante uma negociação e uma aprovação feita pelo próprio governo.


GH – Por quê?


JP - Está escrito na própria ata, vocês podem ler. Uma das razões está na ata, que, aliás, foi redigida pelo próprio Carlyle, que ainda estava na função de coordenador do grupo, em 27 de dezembro de 82. Vou ler o parágrafo: “além disso, o fato de os técnicos do GAP serem remunerados em dólares, fez com que seus salários se distanciassem dos níveis salariais nacionais, que lhes correspondiam quando foram estabelecidos inicialmente. Conseqüentemente, os contratos de trabalho desses técnicos terão de ser revistos, para que a remuneração correspondente se faça em cruzeiros e em bases equiparáveis aos níveis vigentes no mercado de trabalho nacional”.


FP – É essa?


JP – Essa é uma das razões.


FP – Uma das?


JP – São várias outras.


GH – Eu estou interessado nas outras, não as que estão escrito, pois a gente vai ler.


JP – Havia outras.


GH - Os ministérios perderam o interesse?


JP – Não, ao contrário, nessa própria ata tem uma declaração da representante do Ministério da Educação, que foi aprovada e reconhecida por todos, de que estas modificações não deveriam alterar o produto e a natureza do grupo técnico porque era uma experiência valiosa, tanto para o país, quanto para Organização. Agora, havia fatores de várias ordens, quer dizer, não só o financiamento dos contratos que correspondia algo em torno de 15% do orçamento da cooperação técnica desse acordo. Mas, o próprio repasse que era feito pelo governo em dólar. E vocês sabem que no início da década de 80 começou a ter a crise financeira do país. Então, qualquer dólar que o ministro da Fazenda liberava para o Ministério da Educação ou para o Ministério da Saúde era disputadíssimo por outras despesas que o ministério tinha que fazer. Então, é aquela coisa, quer dizer, na hora de cortar as despesas em dólar, era preciso uma solução imediata para acabar com a contribuição que os ministérios dão à Organização em dólar. Essa contribuição passaria a ser feita em cruzeiros, na época.


JO – O segundo era a defasagem de salários entre os consultores do GAP e dos ministérios?


GH – Deveria ter um certo ciúme?


JP – Claro, passava muito por pela questão do ciúme. É um ciúme mal resolvido, porque os outros consultores da Organização, tanto da OMS [Organização Mundial da Saúde], quanto de qualquer organismo internacional, continuam trabalhando no país, até hoje, ganhando salários em dólar. E não há nenhuma medida do próprio governo de dizer o seguinte: ‘não, de agora em diante, nós queremos que consultores internacionais que trabalhem no país trabalhem em com escalas salariais compatíveis com o mercado de trabalho nacional’. Quer dizer, então, foi uma medida que você interpreta como um ciúme muito mal resolvido. Porque tinha muito mais objetos de ciúme do que os sete funcionários dessa equipe técnica. Outra razão que vocês podem, talvez, na entrevista com o próprio.


FP – Uma das características de inovação que você estava indicando na montagem dessa equipe era exatamente a constituição de quadros nacionais, que exerciam uma função no território brasileiro de uma característica de permanência.


JP – Exatamente. Todo mundo.


FP – Isso foi o preço pago?


JP – Foi.


FP – Isso a princípio foi uma discussão?


JP – Aparecer como uma coisa diferente.


GH – Brasileira?


JP - E essa diferença era vista, aqui no Brasil, entre os dirigentes ou técnicos ou contrapartes dos ministérios, da equipe da OPAS. Mas, também era visto como uma coisa diferente dentro da própria OPAS, quer dizer, isso trazia problemas, ou pelo menos certa capacidade de lidar com essas diferenças por parte da direção da Organização, que lidava com problemas de contratação de pessoal em muitos outros países. Então, havia um reconhecimento geral do ministério, ou dos ministérios, e da OPAS de que essa era uma solução boa, mas tinha que acabar, porque era diferente. Eu acho que isso é uma interpretação que não tem comprovação, mas tem indícios. O salário da OPAS, no início equivalia, na época, a um DAS-3 do Ministério da Saúde. Quando eu entrei em 79, era mais ou menos equivalente a isso. Três anos depois, esse salário deveria estar representando algo como duas vezes o salário do DAS-3. Eu não me lembro dessas relações, estou chutando.


JP – Então, era uma situação diferente. Por que esta diferença havia? Porque os salários do serviço público brasileiro estavam sendo sucateados. Porque não houve aumento salarial para o Grupo Assessor Principal dentro da tabela de remuneração da OPAS. Eu acho que essa era a briga que sobra a sardinha na briga com o tubarão. Está todo mundo sendo sucateado, se tem alguém que escapou do sucateamento, tem que ir para o cadafalso. Dentro da OPAS é a mesma coisa. Quer dizer, “será que essa moda vai pegar, de ter consultor nacional em todo lugar. Que quê vai ser dos cargos de consultor internacional?”, “Ah, é lindo o programa no Brasil, muy lindo, pero...”.


FP – Mas isso significou que apenas mudou a moeda corrente da remuneração do grupo, ou mudou a vinculação profissional? Isso não ficou claro para mim.


JP – Se houvesse um engajamento político do grupo com esse programa, ele tinha desaparecido. Eu posso dizer isso sem nenhum proselitismo, foi a minha opção, a da Izabel [dos Santos], a do Roberto Nogueira e a do Francisco Lopes, que permanecemos nesse grupo. O [Alberto] Pellegrini [Filho] foi convidado pelo novo diretor para trabalhar na área de ciência e tecnologia na direção geral da OPAS, em Washington. O César Vieira também foi convidado para trabalhar na área de planejamento da OPAS, em Washington. E a Regina Coeli que era a sétima integrante da equipe, fora o Carlyle, optou, por razões pessoais, de encerrar a vida funcional dela, retirou-se e perdeu o contato conosco. Nós, durante alguns anos, ainda continuávamos mantendo algum contato com ela. Creio até que ela deve ter se mudado de Brasília, mas, por razões puramente pessoais. Ela nem chegou a dizer porquê. Ela deixou de trabalhar, inclusive, no Ministério da Educação. Ela era funcionária do MEC. Não sei se pediu demissão ou pediu aposentadoria proporcional, ou se ela deixou de trabalhar no serviço público. Então, os quatro que permaneceram no programa, em Brasília, a partir de 1983, eu, a Izabel Santos, o Roberto Nogueira e o Francisco Lopes, optamos por permanecer e continuar com esse programa. E vou dizer, por razões bem práticas. O Francisco Lopes tinha um salário de servidor do MEC, esse sim era defasado, porque não era um DAS. Então, a diferença de salário que ele passou a ter quando foi extinto o cargo da OPAS e reassumiu o cargo de funcionário do Ministério da Educação, era de diferença muito grande. Mas, ele se propôs e continuou, sem ganho adicional, fazendo o que ele fazia antes. Eu fiquei literalmente desempregado durante nove meses. E depois entrei num processo seletivo para a primeira universidade que abriu seleção para cargo de médico no final de 83. Aí sim eu entrei para a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Mas, durante esse período eu ganhava um contrato de produto da própria OPAS. O Cesar Vieira substituiu o Carlyle na coordenação do grupo técnico. Ele dispunha de algum recurso de operação que sobrou do convênio, ou de recurso próprio da OPAS. E, quando tinha algum trabalho específico, que estava dentro da minha área de interesse, eu ganhava um contrato de produto. Fazer tal atividade. Fazia uma remuneração mediante uma das instituições que eram subvencionadas pelo Ministério da Educação. Foi uma opção pessoal de continuar um trabalho técnico. E com a complacência da direção da Organização. O diretor da Organização, doutor Carlyle, que era nosso ex-coordenador do grupo técnico do GAP, permitiu que nós continuássemos trabalhando, simplesmente com a indicação formal do Ministério da Educação, a manutenção do técnico fulano, no caso, o José Paranaguá de Santana. Era um acordo tácito de que estava tudo resolvido, sem estar nada resolvido. Eu, por negociações pessoais com o MEC e com a universidade, localizei onde era que ia abrir uma vaga de médico. E foi exatamente mais uma dessas vezes em que a minha vida se cruzou com a do meu querido mestre, Frederico Simões Barbosa. Ele trabalhava no MEC, depois que foi retirado à força pelo reitor da Universidade de Brasília, que o demitiu da Universidade. Ele era médico da Universidade de Mato Grosso do Sul, e requisitado para a assessoria do ministro em Brasília. Então, eu fiz o processo seletivo para esse mesmo cargo, porque ele, na época, tinha acabado de fazer o concurso para professor titular da ENSP. Então, abriu a vaga na Universidade de Mato Grosso do Sul, e eu me candidatei a essa vaga. E passei a ser funcionário da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, requisitado pelo ministro da Educação para trabalhar no acordo de cooperação técnica com a OPAS. Qual foi a situação da Izabel [dos Santos]? A Izabel a mesma coisa. Ela era funcionária de carreira, sanitarista, do Ministério da Saúde, da antiga Fundação SESP [Serviço Especial de Saúde Pública]. Entrou na Fundação SESP quando se formou, e ficou fazendo a mesma coisa que ela fazia antes, com um cargo que ela tinha no próprio Ministério da Saúde. E o Roberto Nogueira, que era outro que não tinha vínculo também, ficou na mesma situação minha, com um contrato com a OPAS. Até que a própria OPAS criou, acho, aí por volta de 84, por aí, um cargo que se chama “profissional nacional”. É um contrato similar em todas as outras agências das Nações Unidas que é o de profissional nacional, ou oficial de projetos, como eles chamam em outros lugares. O profissional nacional tem uma tabela própria, contratado com recursos da própria OPAS. A não ser que seja dentro de um acordo específico em que o ministério repasse o recurso para contratar um profissional nacional de comum acordo. Como tem duas ou três pessoas hoje, na OPAS, trabalhando com financiamento do Ministério da Saúde, como profissional nacional. Então, hoje, eu sou profissional nacional da OPAS. Ainda numa situação anfíbia. Porque, até outubro do ano passado, eu tinha vínculo com a Universidade de Mato Grosso do Sul, depois passei para Universidade Federal do Piauí, depois migrei para a Fundação Nacional de Saúde, e o ano passado, pedi minha redistribuição para a Fiocruz.


GH – O nosso convênio?


JP – Exatamente, nesse momento, eu sou colega de vocês como funcionário público, RJU, redistribuído para a Fundação Oswaldo Cruz. Qual a razão dessas migrações sucessivas? É aquilo que eu disse antes, é o compromisso político com um projeto de trabalho. Então, eu assumi como meta, como minha missão de vida, meu interesse profissional e político, o projeto de cooperação técnica da OPAS no Brasil. Não aceitei os convites e nem as oportunidades de trabalhar em outros países, na própria Organização, que teria sido uma vantagem muito grande do ponto de vista financeiro e salarial para mim. Porque tive essa opção? É uma questão de foro íntimo. Eu optei por isto, para trabalhar nesse projeto de cooperação técnica no meu país. Então, migrei por duas universidades, depois na Fundação Nacional de Saúde, por que? Para escapar de constrangimentos políticos nessas universidades. Por que eu saí da Universidade de Mato Grosso do Sul? Porque o reitor da universidade, na época, teve um desentendimento com o ministro da Educação. Quando voltou para Campo Grande, reuniu o conselho universitário e o conselho aprovou, por imposição dele, uma medida recolhendo todos os servidores lotados em Brasília. Então, ele atirou foi chumbo grosso, não foi só no ministro da Educação. Tinha funcionário da Universidade de Mato Grosso do Sul cedido para Câmara dos Deputados, para o CNPq, e o maior número para o MEC. Volta todo mundo ou vai demitido, porque os contratos com as universidades eram seletistas. Ou demite, ou obedece a ordem do Conselho Universitário. Então, eu, nessa época, estava assessorando a universidade como funcionário desse projeto, na criação do mestrado em Saúde Coletiva da universidade, que foi criado junto com a Secretaria de Saúde, financiado pela Secretaria de Saúde, em Mato Grosso. Nem assim, estando trabalhando num projeto de interesse da universidade, isso foi levado em consideração. Cheguei a ter um despacho pessoal com o reitor para tratar disso. Ele disse que lamentava, mas era uma decisão do Conselho Universitário. Mentira. Foi uma decisão resultante dele.


FIM DA FITA 4/LADO B

Entrevista 5

Início da página

PROJETO:

HISTÓRIA DA COOPERAÇÃO TÉCNICA EM RECURSOS HUMANOS EM SAÚDE NO BRASIL


Data:

22 de Fevereiro 2005


Depoente:

JP – José Franscisco Nogueira Paranaguá de Santana


Entrevistadores:

CH – Carlos Henrique Assunção Paiva

FP – Fernando Pires Alves

GH – Gilberto Hochman

JC – Janete Lima de Castro


Entrevista:

Código: 5/8


Transcrito por:

Andrea Ribeiro – Setembro 2005


 

FITA 5/LADO A


JP - ... Razoável! Servidores requisitados das universidades, assim como o Ministério da Saúde requisitava gente da Fundação SESP [Serviço Especial de Saúde Pública], ou da SUCAM [Superintendência das Campanhas de Saúde Pública] ou de secretarias estaduais pra trabalhar no Ministério da Saúde. Hoje não, contrata através do PNUD [Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento], da Unesco, da própria OPAS [Organização Pan-americana da Saúde], não é? Que é a questão da formação técnica, a questão da aproximação entre ensino e serviço nas universidades, na graduação e na pós-graduação, envolve toda essa área que é chamada integração-docente assistencial, e o desenvolvimento institucional da área de recursos humanos. E também a capacidade de gestão, que inclui a pesquisa e inclui o que hoje são os Observatórios [de Recursos Humanos em Saúde]. Quer dizer, tudo isso tem a origem comum no projeto que só, naquele tempo, em vez de falar em Observatório, falava lá, estudo sobre as necessidades de recursos humanos, sobre as políticas. Está lá.


FP – Ok.


JP - Então, eu acho que talvez a gente pudesse fechar essa coisa do...


CH - E isso era pauta já desde os anos 60...?


JP - Eram metas permanentes da cooperação, e é o que motivou a decisão, que eu acho que foi uma decisão coletiva, que nós quatro tomamos na época. Nós queríamos continuar com esse projeto e dar curso à ele, inclusive, com as aquisições que nós buscamos para ingressar no projeto. Entraram depois, não ficamos só nós quatro, entraram outras pessoas para trabalhar nesse projeto, inclusive, o Marcos Mandelli trabalhou sete anos no GAP [Grupo Assessor Principal], mobilizado por mim e pela Izabel [dos Santos].


FP - Eu queria insistir ainda, um pouquinho, nessa conjuntura de 82 e 83, porque o seu relato dessa reunião, e da decisão da OPAS, de mudar a lógica de remuneração do GAP, e depois, a situação real que esses profissionais encontraram nos seus ministérios, dependendo de um compromisso pessoal com a sustentação do grupo, a rigor, a meu ver, parece que, digamos assim, as agências estatais brasileiras desinvestiram nesse grupo. Eu fiquei com essa sensação, eu estou errado?


JP - Não, está certo. O compromisso do investimento anual para a composição do orçamento do plano de trabalho mudou completamente à partir de 83, não é? Até 82, existia uma contribuição do Ministério da Saúde, do Ministério da Educação e do Ministério da Previdência que era negociado, que era definido de acordo com as disponibilidades do ministério e tal. E eram, inclusive, repassados a OPAS em dólar, quer dizer, o próprio ministério fazia uma contribuição para o orçamento da Organização Pan-americana da Saúde, em dólar. É 85, por aí, um percentual da contribuição do ministério era em real, ou em cruzeiros mesmo, porque era para financiamento dos projetos que eram aprovados pela comissão de coordenação. Agora, 15%, que era repassado pra OPAS, era em dólar. E era com esses recursos que a OPAS contratava o grupo técnico. Em 83, isso mudou. O ministério não passou mais a transferir recursos para a OPAS em dólar. E, por isso, ela extinguiu os cargos do grupo de consultores nacionais, não é? Os ministérios, a partir daí, não tiveram mais, como anteriormente... quer dizer, como contribuição para um programa integrado entre os três ministérios, uma contribuição. Quer dizer, as contribuições passaram a ser mais específicas, não é? Eu não tenho registros, os elementos dessa história assim, pra dizer o que é que houve, mas foi uma mudança que foi sendo assim, quer dizer, hoje nós temos vários convênios, ou termos de cooperação, com o Ministério da Saúde, onde o ministério repassa recursos para a OPAS executar programas nacionais nos moldes do plano de trabalho no GAP. Só que, para coisas específicas. Então, tem um termo de cooperação com a SAS [Secretaria de Atenção à Saúde], outro com a Secretaria Executiva, outro com a SGTES [Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde], outro com a Secretaria de Vigilância, outro com a Fundação Nacional de Saúde, não é? Então, o que se aproveitou dessa experiência, inaugurada pelo projeto PPREPS [Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde], foi o mecanismo de usar vantagem comparativa, de parte do orçamento do ministério transferido para a Organização, porque ela tem mecanismos mais ágeis do que o governo para financiar projetos. Nós administramos, por exemplo, uma parte do orçamento da SGTES, da secretaria da doutora Luiza Jagger, que é repassado para a OPAS através de um termo de cooperação que chama TC8 [TC 08 – Capacitação Técnico-gerencial em Saúde], que é o que financia inclusive o projeto do Observatório [História e Saúde] aqui na Casa de Oswaldo Cruz, não é? E, neste ano que passou, por exemplo, pra vocês terem uma idéia da magnitude desses recursos, nós, a SGTES, transferiu cerca de... não sei se 12 a 15%, do orçamento da própria SGTES para a OPAS financiar os projetos que são de interesse da própria SGTES. Tipo os Observatórios de Recursos Humanos [em Saúde], os Pólos de Educação Permanente, os cursos de especialização em saúde da família, isso, aquilo, aquilo outro, quer dizer, uma infinidade de programas que o Ministério da Saúde financia com intermediação da OPAS hoje. Só que isso não é uma coisa da SGTES só, tem um programa igual na Secretaria de Atenção à Saúde, na SAS, tem outro projeto na Secretaria de Vigilância à Saúde, outro da Secretaria Geral, tem da Fundação Nacional da Saúde, não é? Além das contribuições que o Brasil faz para programas, como o programa de imunização, que é um fundo que administra recursos de vários países para a compra centralizada, que dá mais poder de barganha junto aos laboratórios, ou aos produtores de vacinas, não é? Também com o fundo de medicamentos que é usado para essa mesma finalidade, de fazer compras mais vantajosas da indústria farmacêutica, não é? Então, o que eu quero dizer é isso, quer dizer, houve, nessa época, essa mudança. E o que era do orçamento do GAP, ele desapareceu, assim, durante um certo período, quer dizer, na verdade, a OPAS continuava com o programa, o programa tinha vigência, aquele que começou em 80 tinha vigência até 86. Então, legalmente, existia um programa de cooperação técnica, praticamente tinha, a partir de 83, quatro técnicos que aceitaram as novas condições de trabalho, e permaneceram trabalhando nas mesmas atividades, em outras condições salariais e de remuneração e de vínculo como um todo, não é? E isso foi mudando a partir de 86, quando foi inclusive renovado o acordo de cooperação técnica novamente e permanece vigente até hoje, sob a denominação de Termo de Cooperação nº 8, o remanescente do acordo de cooperação do PPREPS em 75, hoje, chama-se TC8, não é? Então, ele foi se reeditando em diversas formas, não é? E durante o período em que eu estava na direção geral do INAMPS [Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social] eu me afastei do cargo de profissional nacional da OPAS, numa negociação feita entre o presidente do INAMPS, recém nomeado pelo Presidente da República, na época, doutor Hésio Cordeiro e o doutor Carlyle [Guerra de Macedo], Diretor da OPAS, numa reunião feita aqui, na casa, na Casa Amarela, não é? Eu fui com o Hésio, buscar o Carlyle no aeroporto, viemos pra a Casa Amarela. E negociamos a minha ausência transitória durante alguns meses, para implantação de um departamento de desenvolvimento de recursos humanos na Direção Geral do INAMPS. Só que esses poucos meses, terminaram em três anos, não é? Mas, o Acordo foi mantido com o doutor Carlyle, de forma que, quando eu retornei, eu fui novamente contratado como profissional nacional. E o que que é esse contrato de profissional nacional hoje? É um contrato que é, usando uma metáfora, uma espécie de irmão siamês ou equivalente de um DAS, em termos da legislação nacional. Então, a OPAS me dá um contrato, desconta o valor que eu recebo do meu emprego nacional, porque eu sou funcionário da Fundação, ou, antes da Fundação Nacional de Saúde, agora da Fundação Oswaldo Cruz. Então, a OPAS desconta o que eu recebo, e me paga a diferença. Nós somos hoje cerca de 10 ou 12 profissionais nacionais na representação do Brasil. Só tem eu nessa condição. Antigamente, tinha o Francisco Lopes, teve a Izabel [dos Santos], tinha muita gente. Agora, só tem eu. Eu sou o último dos moicanos nessa história. Então...


FP – De um trabalhador nacional?


JP – Trabalhador nacional, com vínculo ainda ativo, à disposição do programa de cooperação técnica, porque tanto a Universidade de Mato Grosso, a Universidade do Piauí, a Fundação Nacional de Saúde e, agora, a Fundação Oswaldo Cruz, através do seu ilustre presidente Paulo Buss, né, a OPAS, dizem que eu continuo integrando a equipe técnica deste Acordo. Portanto, sigo cumprindo a minha missão de funcionário do Sistema Único de Saúde, do programa de cooperação técnica. Com isso, a OPAS mantém o meu vínculo de profissional nacional, igual o DAS. O DAS você tem um valor do DAS, se você é funcionário de carreira você recebe só uma complementação. Então, é o que é minha situação há muitos anos na OPAS.


GH – Só, voltando aqui um pouquinho no tempo, esse período que vai, vamos dizer, de 83 até 85, até você ir para o INAMPS, do ponto de vista do programa, quer dizer, que está completamente reformulado, o grupo está reduzido, não é? E, quais ações, projetos deram continuidade do período anterior à essa remodelação? O quê que pôde ser feito?


JP –É, o principal projeto, nessa época, era a articulação do plano da abertura política. O que nós trabalhávamos era pra isto, nas AIS [Ações Integradas de Saúde] e tal. Quando entrou a Nova República, quer dizer, nós tínhamos a situação, nós estávamos assim, na situação institucional mais precária, no entanto, nós estávamos com a situação política mais firme, porque a pessoa com a qual nós tínhamos trabalhado de forma muito intensa era o Ministro da Educação da Nova República, Carlos Santana, o Secretário Geral do Ministério da Saúde, que era o Eleutério [Rodriguez Neto], que era o coordenador da SAS, e o chefe de gabinete do Ministro da Saúde, que era o doutor Cícero Adolpho, que era o assessor de saúde da SESU [Secretaria de Educação Superior], com o qual nós íamos, eu principalmente trabalhava já, há cinco anos, como, digamos assim, como o coordenador, por parte do Ministério da Educação do projeto. Então, o que nos estávamos trabalhando nessa época, era dando continuidade a esse projeto, integração docente-assistencial, residência em Medicina Preventiva, articular apoio às AIS e tal. Mas, com forte articulação com o movimento político de desenvolvimento da reforma sanitária brasileira, não é? Quer dizer, o projeto de cooperação técnica da OPAS, ele tinha uma atuação visível e uma atuação invisível, sempre. Em 1979, nós fizemos uma reunião, lá na sede da OPAS, que se chamava “Seminário Nacional sobre Oferta e Demanda de Recursos Humanos em Nível Superior em Saúde”. Esse era o propósito visível da reunião. O propósito invisível era criar a ABRASCO [Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva]. Uma associação civil que ia organizar aqueles pensamentos avançados, que todo mundo chamava na época, os comunistas, os marxistas da Saúde Pública, não é? Outro projeto invisível, que sempre apoiamos de forma mais intensa, ou menos intensa, cada um dos membros do GAP, foram as Campanhas da Fraternidade da Igreja Católica, assessorando a CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil]. Nessa época, a Secretaria Geral da CNBB era dirigida por um padre piauiense, meu velho conhecido de Teresina, não é?


FP - Era?


JP - Era o padre Raimundo José, padre Raimundo José [Soares] era Secretário Geral da CNBB. E, nós ajudávamos a Secretaria Geral da CNBB nas Campanhas da Fraternidade.


FP – Mas, essa condição dele ser piauiense, ajudou a articulação?


JP - Não, foi só coincidência, era uma forma, digamos assim, de você ter mais articulação com as pessoas. Eu, inclusive, com o nosso grupo, não era o mais próximo da CNBB. Quem tinha mais proximidade com a CNBB do grupo era o [Alberto] Pellegrini [Filho]. Então, o Carlyle, que era coordenador do grupo, só não queria que se fizesse a divulgação disso: “por que diabos é que a OPAS está mexendo com assessoria à CNBB?”, que era vista com muita desconfiança pelos generais do governo.


JC - Pois é, eu não estou entendendo o que é esse projeto invisível. Esse projeto invisível é um projeto da OPAS, ou era um projeto sediado na OPAS?


JP - Não, era um projeto de político, um projeto político. Todas as pessoas que trabalham dentro das instituições, elas fazem política a vida inteira...



JC – Sim, sim.


JP – E nós fazíamos, não é? E é por essa motivação que eu decidi, não trabalhava fora da OPAS, fora do Brasil, na OPAS. Eu me interessei sempre em trabalhar na OPAS no Brasil.


CH - Paranaguá, já que você falou nos generais, deixa eu colocar uma questão, talvez, a gente já possa até passar de vez para os anos 80, e o chamado terceiro contexto... bom, a pergunta é a seguinte: o PPREPS representou, ou ele contribuiu para um processo de descentralização da formação de recursos humanos em saúde no Brasil, não é? E, no entanto, isto se deu em tempos duros, apesar da chamada abertura política lenta e gradual, ainda sob um regime autoritário. Como é que se dava essa aparente, vou chamar de aparente contradição, entre esse processo de descentralização proposto, e um governo federal autoritário? Talvez tenha a ver, um pouco, com a conversa, que a gente começou em 'off', não é? Antes de começarmos a gravar esta entrevista, você me falava que a OPAS teria sofrido mais, sofrido maior resistência, quando se acabaram os regimes autoritários. Peço que comente um pouco mais sobre isto.


JP - Não, o problema é que a descentralização não tem uma contradição, em essência, com o regime autoritário, quer dizer, a descentralização, a racionalização, a eficiência administrativa era um objetivo do governo autoritário. Quer dizer, depois do governo [Getúlio] Vargas que, por sinal, foi também um governo autoritário e que montou a máquina administrativa do poder público no Brasil, o novo salto de qualidade da administração pública brasileira, depois do governo da ditadura Vargas, foi na ditadura militar, especialmente, na década de 70. E, por maior dificuldade que a gente queira reconhecer, no governo [Emílio Garrastazu] Médici, que foi o chamado governo mais pesado, do ponto de vista da perseguição política. Mas, foi nesse período, no fim do governo [Humberto de Alencar] Castelo Branco, [Artur da] Costa e Silva, e consolidado no governo Médici, que se fez a racionalização da Previdência Social no Brasil, que foi uma coisa fantástica, quer dizer, unificar todos os IAPs [Instituto de Aposentadoria e Pensão], os IAPs, numa instituição única e descentralizada. O INPS [Instituto Nacional de Previdência Social], e depois o SINPAS [Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social], era uma estrutura descentralizada, racionalizada, nos moldes da administração tradicional, é claro, não é? Com a influência do Hélio Beltrão, que era o racionalizador, o gestor, não é? A concepção da gestão pública teve muita influência do Hélio Beltrão, quer dizer, foi durante o governo militar. Então, a lei do Sistema Nacional de Saúde, aprovada pelo Congresso, e com apoio do governo militar, era um projeto de descentralização. Agora, o problema é você falar no Brasil em descentralização como uma política oficial e praticá-la, porque é o mesmo dilema que tem hoje, nós temos o SUS, que é Sistema Único de Saúde, e os princípios fundamentais, constitucionais do SUS, do ponto de vista da organização, desde a descentralização. Agora, como é que funciona o orçamento do SUS? Dois terços oriundos da União, que são controlados pelo Ministério da Saúde, até hoje. E esse é o grande impasse que se tem hoje, no avanço do SUS, como é que se efetiva a descentralização? O problema da descentralização, ele é um problema recorrente da administração pública brasileira desde o império, ou desde a colônia, quer dizer, o central era Lisboa, e o reino mudou para cá, depois virou o império, que também era centralizado, uma República Velha que era centralizada, uma ditadura que era centralizada, não é? Uma ditadura militar que era centralizada, não é? Mas, todo mundo fala em descentralizar. E, hoje, um governo democrático que também tem como postulado a descentralização, mas tem sérias dificuldades de operar realmente a descentralização do poder, de financiamento da administração pública. Então, para nós, na época, como técnicos que trabalhavam na Assessoria do Ministério da Saúde, da Educação, da Previdência, ou nos estados, ou nas universidades, essa questão da racionalização, da eficiência da melhoria da qualidade do serviço público, esse era um discurso totalmente permitido, até elogiado, não é? O problema era de ordem, quer dizer, a repressão que se fazia, em outro campo mesmo, não é? Era na opção de militância partidária, na visão da participação do trabalhador em sindicato ou não. Então, o sindicato era coisa demonizada, não é? Foi preciso um movimento forte, de um metalúrgico que hoje é presidente, desencadear um processo de conquista muito grande do movimento sindical, na ditadura, não é? Então, o que era proibido era isso, era sindicato, era movimento sindical. Agora, tudo o que estava se propondo como projeto da reforma sanitária, em termos muito pessoais, por exemplo, o mesmo discurso na boca do Sérgio Arouca, do Hésio Cordeiro, era proibido, e na boca do ministro da Saúde e do secretário geral, era oficial. Falar em descentralização, desde que fosse numa palestra do Sérgio Arouca, era complicado. Agora, o ministro da Saúde ou o secretário geral, no caso, o Paulo de Almeida Machado, ou o doutor [José Carlos] Seixas, era normal, estava na lei do Sistema Nacional da Saúde. Então, a questão da repressão está muito mais na substância, quer dizer, no ator que fala, não é?


GH – Agora, então, se eu estou entendendo, essa fase de 83 a 85, a cooperação, ela não tem grandes inovações....

 

JP - Tem, tem.


GH – Tem?


JP – Tem. Eu acho que...


GH – Você falou do compromisso político...


JP – Acho que nesse período, exatamente, foi consolidada o que eu considero uma das coisas mais valiosas da cooperação técnica da OPAS, como um todo, não é só no Brasil não, que foi o desenvolvimento de um método pedagógico, aplicado no campo da saúde, que é a metodologia que foi apelidada durante muito tempo de método “Larga Escala”. Foi desenvolvido para a formação inicial, na época, era dirigido para formação de pessoal auxiliar, de visitador sanitário, que era categoria que existia nos serviços públicos de saúde, não é? Que depois foi redefinido, e coisa, mas essa concepção do currículo integrado, de você fazer um processo de aprendizado que tivesse completa aderência com o processo de trabalho, onde o trabalhador é aprendiz, é efetivamente reconhecido, foi consolidado nessa época. Essa metodologia, depois, a partir de 85 em diante, foi desenvolvida basicamente pela Izabel [dos Santos], nós tínhamos uma participação muito pequena. O Roberto Nogueira trabalhou muito com a Izabel no desenvolvimento dessa proposta, mais do que eu. Outras pessoas eram convidadas para participar desse projeto, tem uma pessoa que trabalhou muito com a Izabel sem ser do grupo, mas que é uma das pessoas com grande formação em pedagogia na área da saúde, que é a Alina de Souza, não é? Mas, eu acho que isso foi uma experiência importante. E foi nessa época que se começou a fazer em escala acelerada a capacitação de enfermeiros com essa metodologia, não é? Praticamente todo mês, tinha 20, 30 enfermeiras que começavam a encher o saco por aí, no Brasil inteiro, dizendo que do jeito que estava fazendo formação de pessoal não dava certo. Era riscar na água, que tinha que começar a fazer de outro jeito, que tinha que criar centro de formação de pessoal nas secretarias, e tinha...


JC - Pessoal do Ministério?


JP - ...Que criar escolas, quer dizer, que foi o movimento pela educação técnica que resultou no PROFAE [Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem], a partir da gestão do ministro [José] Serra, e que foi financiado e que entrou como projeto em fase de execução no ano 2000. E que está aí, está até hoje funcionando, ainda não terminou.


GH - A gente podia até trabalhar um pouquinho essa coisa do Larga Escala, dada a importância que você está dando, atribuindo, nesse período.


JP - Nós aproveitamos, com a assessoria da Izabel, que era quem sabia fazer essas coisas, e tinha uma legitimidade muito grande para desmascarar todas as resistências que a gente tinha ao método pedagógico. Que todos nós somos condicionados a trabalhar com uma metodologia que é hegemônica, desde a criação da universidade moderna no século XVII, XVIII, que é o método da transmissão do conhecimento, não é? Você fala, você ensina às pessoas um conjunto de disciplinas, e elas vão integrando esse conjunto de conhecimentos e descobrindo como é que elas vão usar essa capacidade intelectual para resolver problemas na vida. O método, que não é uma invenção da Izabel, está nos clássicos da literatura pedagógica, não é? Vai encontrar isso no, quem fez isso, aplicou isso, como método de alfabetização muito conhecido no Brasil, é o Paulo Freire, fez isso para alfabetização de adultos, quer dizer, como é que você faz do aprender uma coisa ligada à vida da pessoa. Então, o quê que é fazer isso no serviço de saúde? É fazer as pessoas, à revisar o seu próprio processo do trabalho. Então, a concepção desse método é o que deu o salto no projeto básico de formação de pessoal de nível médio, porque investimento em formar gente, foi feito sempre, entre 75 e 78, está aí no relatório. O PPREPS apoiou o treinamento de não sei se 80 mil, sei lá quantos mil agentes de saúde, inclusive, tinha o nome de agente comunitário de saúde. Tem documento do PPREPS que fala em treinamento de agente comunitário de saúde. Agora, o problema é que você treina essas pessoas, e a mesma avaliação tem em teses de mestrado, pós-graduação que estudam isso, eu me lembro muito de uma delas que é a do Mourad Ibrahim Belaciano, que hoje é diretor de uma faculdade de medicina em Brasília, que quando teve na Paraíba implantou e coordenou o PIASS [Programa de Interiorização das Ações de Saúde], no Estado da Paraíba, até o fim da década de 70. Entre 75 e 80, ele era diretor lá da Secretaria de Saúde da Paraíba. E, depois ele fez, uma dissertação de mestrado mostrando isso, quer dizer, você investe, só que é um investimento perdido, porque as pessoas mudam, saem de um local, vão pra outro, pegam uma função que remunera melhor, e larga aquela, porque as instituições de saúde pagam muito mal o pessoal auxiliar. Quer dizer, a idéia de formar gente, de dar qualificação profissional, em vez de treinamento, de fazer cursos usando a pedagogia da problematização, foi uma conquista desse período, não é?



FIM DA FITA 5/LADO A


FITA 5/LADO B


GH – Continuando.


JP - A experiência, que nós, como grupo, tivemos com os projetos de integração docente-assistencial, com a redação de documentos, com a realização de eventos em torno desse tema, o projeto de criação das residências em Medicina Preventiva, a avaliação, o estudo das escolas medicas, nos deu assim uma percepção de que a gente tinha que pensar uma instância operacional para essa relação entre academia e serviços. E a proposta, implantada a partir de 85, com muito sucesso, e eu acho que com a acumulação realizada nesse período, foi a dos Núcleos de Saúde Coletiva. Quer dizer, nessa época, quando eu fui trabalhar no INAMPS, eu não estava mudando de rota, de vida, de projeto político e profissional. Eu estava simplesmente ocupando um espaço que era mais poderoso para influenciar um processo, que era a chefia do departamento no Recursos Humanos, novo, departamento novo criado no INAMPS. Então, com isso, nós apoiamos essa proposta de uma articulação entre ensino e serviço, que é o Núcleo de Saúde Coletiva. E com isso, inclusive, a proposta de instalação desses núcleos, na época, eles estavam subordinados e eram aprovadas a criação e o financiamento de atividades dele, pelas comissões gestoras, intergestoras do SUDS [Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde], na época. Então, a idéia de você criar uma solução prática de relação entre a universidade e os serviços de saúde, e a idéia, que também foi original nossa, quem primeiro criou esses núcleos que eu tenho notícias, foi o [José Aristodemo] Pinotti, quando era reitor da Unicamp. E que eu saiba como projeto, um cara que trabalhava com ele lá, na reitoria, esqueci agora o nome dele, me tornei amigo dele, e foi através dele, que eu descobri que eram os núcleos da Unicamp que inventaram essa história de núcleos interdisciplinares. Então, nós adotamos a idéia dos núcleos interdisciplinares como sendo a solução para permitir a relação e a interação, a articulação. Abandonei, nessa época, a idéia de integração docente-assistencial. Até do ponto de vista conceitual, integrar significa enrijecer. Eu quero o meu braço e o meu antebraço articulados, eu não quero eles integrados, integrados eles vão ficar duros. Então, não tem integração pra mim. Mudou. A idéia é uma articulação, é uma relação negociada entre instituições, e tem que ter uma instância operacional para fazer isso, chama-se Núcleo de Saúde Coletiva.


FP - Qual foi a estratégia de constituição desses núcleos?


JP - Núcleos interdisciplinares com financiamento oriundo, conjuntamente do INAMPS, na época, do Ministério da Saúde, da própria secretaria, e dos municípios, que era o processo de descentralização que já estava em curso. Olha, evidentemente que nos estados onde existiam processo de descentralização, minimamente apontado, não é? Porque onde não, onde isso era negado, não tinha como fazer, não é? É a composição dessas equipes que deveria ser não de pesquisadores, ou de professores da universidade, mas de pessoas das instituições envolvidas na reforma sanitária. Fizemos vários seminários com a intenção de discutir a natureza desses núcleos, não é? Deviam ser núcleos de cooperação técnica, era uma espécie de como é que você faz, o PPREPS, em cada estado. Como é que você faz a articulação núcleo de cooperação técnica em cada estado, pra resolver desafios de formação de pessoal, de pesquisa, que precisava ser resolvido, não é? Na época, inclusive, uma das pessoas que advogava muito, de que os núcleos deviam resolver o problema da infecção hospitalar, pesquisar aonde é que era e tal, por causa da morte do Tancredo [Neves] por infecção hospitalar, né? Eram os núcleos, quer dizer, os núcleos depois, tiveram essa coisa, tinha que responder a coisa demais, e, segundo, que na maioria das universidades, eles terminaram se institucionalizando, e até virando uma unidade acadêmica.


FP - Um departamento.


JP - Um departamento, ou um instituto. Essas são as vicissitudes de uma idéia, as transformações pelas quais elas vão passando, não é?


GH - Mas vocês estavam apoiando a criação, ou a transformação...


JP - A criação de núcleos, a criação, apoiamos a criação. Agora, onde tinha uma escola de saúde publica não se cogita de criar um núcleo, pra quê? A idéia era ver se a escola faz esse papel. O problema é que as escolas, em geral, não fazem esse papel. A ENSP, por exemplo, só começou a fazer esse papel de forma mais clara, e até hoje está aprendendo a fazer, com o chamado projeto “Escola de Governo”. E começou quando? 94, quer dizer, eu me lembro na época, das discussões que nós tínhamos aqui com as equipes da ENSP, pra negociar cursos para os dirigentes do INAMPS. A rigidez que era, a seleção para o curso de especialização contratado por convênio com o INAMPS, não pode obedecer o critério tradicional da escola, pegar o currículo dos candidatos. Eu tenho gente no INAMPS, que está na função de planejamento, há dez anos, e que o superintendente vai indicar ele, qual é o currículo dele? Coisa nenhuma. Ele fez um curso de administração numa escola noturna, há dez anos atrás e até hoje ele nunca fez nada de coisa. Qualquer menino aqui do Rio de Janeiro, que terminou a faculdade, fez uma especialização, ganha dele, para a seleção. Mas, eu só pago curso nesse convênio se for esse o cara que vai entrar. Eu tive discussões assim com o pessoal da ENSP, na época. É claro que tinha aliados lá dentro, senão, eu não tinha negociado, não negociava. E isso era em todo o país. Eu cheguei a me reunir com o pró-reitor de graduação em várias universidades, pra aprovar o curso de especialização em gerência de unidades básicas, o GERUS , ou o CADRHU [Capacitação em Desenvolvimento de Recursos Humanos de Saúde], e pra esclarecer uma coisa que deveria ser do conhecimento deles e que eles não sabiam. Todo mundo achava que a universidade só pode dar curso de especialização, obedecendo uma portaria do Conselho Federal de Educação. Eu digo, “você já leu essa portaria, como é?”. Essa portaria diz: 'regulamenta o curso de especialização para a função docente'. Eu não quero curso de especialização para a função docente. Então, a universidade tem autonomia de aprovar um curso de especialização, do jeito que ela negociar com o serviço de saúde. Ela não precisa obedecer essa resolução. Ah, mas nós temos de obedecer as normas do MEC. Eu digo, “mas o MEC não define norma”. “Ah, então vocês têm que conversar com o MEC, ou com o Conselho Federal de Educação pra...”, eu digo: “não, eu não, ó, quem tem que fazer isso são vocês”. Em muitas universidades. Outras vezes, a reitoria era muito favorável, porque politicamente interessava um convênio com o Ministério da Saúde, ou com o INAMPS e com a cooperação da OPAS, mas, o departamento não queria, porque o curso não tinha sido projetado, o currículo não era um currículo padrão da OPAS. Não tem currículo padrão da OPAS, era um currículo que foi feito com professores convidados das próprias universidades brasileiras, porque todos esses projetos de capacitação eram feitos por equipes de trabalho de universidades brasileiras. Aí, chegava num determinado departamento, e o sujeito dizia:”não, não pode isso é um currículo, é, como é que se chama?” “É imposição da OPAS”. Não tem nada de imposição da OPAS. Aí, a reitoria dizia: ”eu não, tem que fazer, porque vocês não fizeram, eu mando fazer por outro departamento”. Então, essas histórias do efeito da cooperação técnica é que são, digamos assim, aquilo é que me dava gosto de trabalhar com esses negócios, com esses desafios, com essas propostas.


JC - Paranaguá, deixa eu voltar aqui ao projeto Larga Escala. Que experiências tiveram, beberam na fonte do projeto, ou senão, se essa experiência do projeto Larga Escala influenciou outros processos de capacitação, mas especialmente a sua concepção pedagógica, e quais processos?


JP - Todos. Pelo menos, da área de recursos humanos da OPAS, tudo teve a mesma influência original, que foi o método que a Izabel [dos Santos] desenvolveu para a formação do pessoal auxiliar, que nós aproveitamos para outras áreas, não é? Na formação do curso de especialização em gerência, de um curso de especialização, que sobreviveu uns dez anos, na Universidade Federal de Minas Gerais, mas que, na origem, era um projeto para ser desenvolvido em sete universidades. O problema é que das sete chamadas, só uma conseguiu chegar no fim, porque as outras todas, a tradição e a resistência das instâncias acadêmicas, e da cultura da transmissão do conhecimento, impediu que o curso fosse, chegasse a ser implantado, não é? Porque era um curso de especialização em enfermagem em Saúde Pública, voltado pra formar enfermeiros para trabalhar em um sistema descentralizado de saúde, que fosse capaz de trabalhar com gerência de processo de trabalho, gerência de problemas de saúde na comunidade etc etc; e de coordenar projetos do tipo desse que foi implantado mais recentemente, do Saúde da Família. Esse projeto, na época, nós convidamos sete universidades, sete escolas de enfermagem, só uma conseguiu implantar o curso, e recentemente fechou. [risos]


JC - Esse curso de gerir unidades, de gerência de unidades de saúde que você fala...


JP - Esse é o GERUS, foi também desse modelo, o CADRHU foi esse modelo, e vários outros, com menor ênfase na integração curricular, entre 80 e..., acho que foi em 88, final de 88, 89, nós trabalhamos num projeto que foi abortado em 90 pela gestão [Fernando] Collor, no Ministério da Saúde, porque o ministro da saúde, na mesma época, tinha um assessor de recursos humanos, que não sei da onde ele aprendeu alguma coisa sobre pedagogia que era, foi a pessoa mais, mais irresponsável que eu já, já vi ocupar uma posição assim, nível de proximidade com o ministro e de ter as idéias mais estapafúrdias sobre formação de recursos humanos, né? Então, esse projeto que era, chamava Programa de Desenvolvimento Gerencial, que tinha uma previsão de implantar, com o apoio dos núcleos de saúde coletiva nos estados, pelo menos 12 áreas, que eram consideradas estratégicas, que foram discutidas, com o CONASS [Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde], com o CONASEMS [Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde], aprovadas pela CIPLAN [Comissão Interministerial de Planejamento e Coordenação], que antes de instalação oficial do SUS, em 90, com a lei aprovada na nova Constituição aprovada, funcionava a CIPLAN, que era a Comissão Interministerial de Planejamento, formada pelo Ministério da Saúde, MEC, MPAS e, não sei se tinha mais outras coisas...


JC – OPAS.


JP – Não, a OPAS, era só assessora da CIPLAN. O GAP, inclusive, depois que de 83, quando, foi outra das diferenças do GAP, é que ele não tinha mais condição de coordenação. Cada um se virava, era Deus por todos, cada um por si e Deus por ninguém. Então, não tinha mais condição de coordenação, a partir de 83. Então, nós adotamos a CIPLAN como sendo a comissão de coordenação da cooperação técnica, não é? É, então, nós aprovamos, depois que eu saí do INAMPS, eu tive trabalhando uma época na, já na OPAS, mas praticamente dentro do Ministério da Previdência. Até por uma razão muito personalista, é que num primeiro momento porque, o [José] Saraiva Felipe, era muito amigo meu, era secretário de serviços médicos, quando eu saí do INAMPS, ele disse:”não, você não vai voltar pra OPAS, agora não. Eu vou pedir ao Carlyle, primeiro, você vai ficar aqui comigo”. Aí, eu fiquei trabalhando lá com ele. Só que aí a sustentação política do governo [José] Sarney mudou, em julho de 88, foi quando o doutor Ulisses [Guimarães] rachou com o Sarney, e tal. E aí, quem era apoiado pelo doutor Ulisses, na época, era o ministério da Previdência. Foi até aquele maranhense, o Renato Archer. Ele saiu do Ministério da Previdência. Aí, eu digo: “bom, agora também eu estou saindo do Ministério da Previdência, vou finalmente voltar a trabalhar no prédio da OPAS”, porque eu sempre estive trabalhando no projeto da cooperação técnica na BG do INAMPS aqui, e no Ministério da Previdência, lá em Brasília, um tempo. Aí, qual não foi minha surpresa, que o irmão do Carlyle foi ser secretário geral do Ministério da Previdência, no último ano do governo Sarney. E aí, não teve dúvida, ele só fez ligar pro Carlyle e comunicar para o irmão mais velho, e dizer:”olha, o Paranaguá...


JC – Permanece.


JP – “Pode mandar contratar o Paranaguá de novo aí pela OPAS, mas ele não vai pisar os pés na OPAS. Ele vai continuar trabalhando aqui comigo”. E aí, eu fiquei trabalhando lá. E o projeto era esse, entre outras coisas menores, não é, o meu projeto nessa época era a consolidação desse processo de articulação institucional, criando um programa que se chamava Programa de Desenvolvimento Gerencial, definidas em 12 áreas que eram prioritárias pra implantação dos processos de descentralização, de implantação do Sistema Único de Saúde, que incluía a área de recursos humanos, planejamento, vigilância sanitária. E aí, nós fizemos uma série de projetos, desse tipo, não é? Tinha na época o CAVISA [Curso de Aperfeiçoamento em Vigilância Sanitária], que era o curso de, não, era capacitação em vigilância sanitária, tinha o CAPSIS [Curso de Aperfeiçoamento em Planejamento em Sistemas de Saúde], que era capacitação em planejamento em sistemas integrados de saúde, tinha o CADRHU, que era capacitação em recursos humanos. E assim foi criando essas siglas miseráveis...


GH - Algumas resistem, né?


JP - O curso de CAST [Centro de Atenção a Saúde do Trabalhador], o de saúde trabalhador, meu Deus!, também tinha o CA, CA alguma coisa de saúde do trabalhador, não é? É, enfim, era a idéia de que você fosse tendo. Chegaram a ser realizados, acho que uma meia dúzia dessas áreas temáticas, não é? Aí, entrou o governo Collor, uniram o INAMPS com o Ministério da Saúde, e esse assessor do ministro da Saúde disse que não precisava de nada disso não. Que treinamento de pessoal na área da saúde era igual treinar pessoal em fábrica de fósforo. Você diz o que a pessoa tem que fazer, e ele tem que fazer, não é? Então, era...


JC - Deixa eu fazer a última pergunta sobre o Larga Escala, só para a gente encerrar essa etapa Larga Escala e outros processos. Qual foi o papel da cooperação técnica da OPAS na constituição e fortalecimento da rede de escolas, compreendendo rede de escolas, não como rede SUS é hoje, e sim a constituição de várias escolas...


JP - Escolas Técnicas?


JC - Escolas técnicas, não é, até o final da primeira fase. Eu estou chamando de final de primeira fase, antes do PROFAE.


JP - Olha, em mil novecentos e não sei, no fim da primeira etapa, foi feita uma avaliação da experiência realizada, que foi esses milhares de treinamentos de pessoal auxiliar. Pessoalmente, a Izabel já me disse, vocês se tiverem a oportunidade, podem revisar isso com ela. Ela própria já achava que essa experiência dessas capacitações, não ia dar certo mesmo, mas era o que tinha pra fazer, era o que estava aprovado. Ela disse que quando chegou, já estava assim definido e ela entrou nesse negócio. Quando se estava na fase de negociação do novo acordo, o que deve ter caraminholado na cabeça da Izabel, era esse projeto da nova escola, e como é que você cria centros formadores nas secretarias. Então, tem uma resolução da CIPLAN aprovada em 1980, aprovando essa proposta. E, como a Izabel não escreve, ela não gosta de escrever nada, ela bota a gente pra escrever pra ela, eu ajudei a escrever o documento que embasava essa proposta, não é? E sempre me encantou muito essa proposta da escola técnica, do currículo integrado. Mas, eu achava que a Izabel tinha muita implicância comigo, porque ela sempre me dava muita porrada, com esse negócio a minha forma, como eu tratava esse negócio. Depois, eu descobri, que é porque ela nunca acreditou que eu tinha realmente compreendido direito o quê que era a proposta pedagógica do currículo integrado. E, realmente, eu não compreendi, eu fui compreender isso dez anos depois. E, então, o primeiro passo foi esse, quer dizer, a idéia da criação dos centros formadores, do trabalho pra criação desses centros formadores, a busca de um técnico que tivesse legitimidade no campo da educação, que num primeiro momento foi a Regina Coeli, que foi a pessoa que ela buscou lá, na Secretaria de Educação de Nível Médio do MEC, pra fazer a ponte com o sistema educacional, com os conselhos estaduais de educação, né? Depois, a busca que ela fez quando a Regina Coeli resolveu mudar de opção de vida, e se retirar do serviço, quer dizer, foi demitida do cargo e aí, saiu, né? Então, ela garimpou e descobriu a Ena Galvão, que hoje é uma pessoa reconhecida e homenageada por todos as escolas, por ter ajudado a construir o regimento, e toda a base jurídica e as relações das escolas com os conselhos estaduais de educação. Então, esse foi um processo de criação de uma rede, que era uma rede de relações, uma rede de pessoas que compartilhavam um projeto no Brasil inteiro, não é? Eu acho que essa dimensão da rede, como movimento político, conceitual, é o passo mais importante. Depois, veio a fase em que nós apoiamos a criação, trabalhávamos pela criação. Eu ajudei a Izabel nisso também, e a Joana que era, na época, a secretária de recursos humanos. Aliás, não chamava mais de secretaria, porque tinha um...


JC - Coordenadora.


JP – Na época, era o Collor, tinham transformado a Secretaria de Recursos Humanos. Primeiro, extinguiram depois, voltou a criar, e criaram, terminou como coordenação geral. Então, a Joana era coordenadora geral de recursos humanos do ministério. E nós apoiamos o ministério e o CONASS, pra fazer uma reunião, aqui no Rio [de Janeiro], em 94, para a criação da rede de escolas técnicas, da rede de escolas, não é? Eu, inclusive, foi quando eu...


FP - Joana Azevedo?


JP - Joana Azevedo da Silva. É, foi nessa época, inclusive, que eu fiz o meu esforço mais efetivo de compreender o quê que era a proposta das escolas, porque anteriormente eu tinha feito um esforço inicial, mas ainda sem muito envolvimento, que foi quando nós, eu e a Izabel, convidamos o [Marcos] Mandelli, pra ir trabalhar no GAP, exatamente pra preparar um projeto de financiamento do MEC, para implantação de escolas técnicas em saúde. Se não me engano, isso deve ter sido em setembro, foi na época em que o ministro Carlos, que o Carlos Santana foi ministro da Educação. Então, como nós tínhamos um conhecimento com o ministro Carlos Santana, de longa data, da Comissão de Saúde da Câmara. A idéia nossa era que a gente iria conseguir com ele, como ministro, e a Fabíola [de Aguiar Nunes], como assessora e uma pessoa de muita influência no Ministério da Saúde, conseguir que o MEC apoiasse a criação de escolas técnicas na área da saúde. Só que a gente precisava de alguém que fizesse o projeto, bem feito. E, aí, fomos lá, e convidamos o Mandelli, e...


FP - Projeto de escola, ou de rede?


JP - Projeto de uma, não, projeto de implantação de escolas, no país. Seria o PROFAE, em outros termos, não é? É, eu estou misturando as histórias, porque elas são muito imbricadas, quer dizer, a rede de escolas com a idéia de criar as escolas, né? É, depois, o MEC transformou esse projeto que nós apresentamos de criar as escolas técnicas de saúde, pra criar cursos, a área de saúde nas escolas técnicas federais, e nas escolas técnicas, nas escolas agrotécnicas. Esse é um documento publicado pelo MEC. O outro foi um documento só reproduzido, mimeografado, como é que chama? Xerocado, que foi apresentado ao MEC, e foi discutido e tal, e resultou a contra proposta do MEC, que eles publicaram, que foi a criação da área de saúde nas escolas técnicas federais, de agrotécnicas, né? Mas, isso tudo ficou só no papel, continuou sem nada operacional, não foi implantado isso. Então, dentro dessa linha de criar condições pra uma tomada de decisão, nós tentamos, criar a rede, uma organização das escolas que já existiam, ou dos centros formadores, que a maioria, nessa época, inclusive, tinha o nome de centro formador.


JC – O primeiro foi de 84, não é?


JP - Que foi uma reunião realizada aqui no Hotel Novo Mundo, em 1994. Eu me lembro bem da data, porque uma das coisas que nós vimos passar na porta do Hotel Novo Mundo..


JC - Só um minuto, em 1994, é a reunião das redes, mas as escolas já existiam desde a década de 80.


JP - Os centros formadores tinham nas secretarias o bom nome de centro formador, ou escola, ou curso, que tinham lugares que nem escola, nem centro formador; era um curso aprovado pelo Conselho Estadual de Educação, que a secretaria estava executando pra formar pessoal auxiliar com o apoio do Ministério da Saúde e da OPAS, não é? Então, nós reunimos as pessoas que estavam trabalhando nesse projeto, o Ministério da Saúde com financiamento do projeto Nordeste, convocou essa reunião, a idéia era criar uma rede, uma associação, uma instância que tivesse visibilidade para influenciar os secretários estaduais, o Ministério da Saúde, pra dar visibilidade a um projeto de educação técnica, né? Essa reunião foi muito interessante, muito legal, nós assistimos, da porta do hotel a passagem da equipe tricampeã do mundo, que desfilou pra nós, na porta do hotel, voltando da, da...


GH - Dos Estados Unidos.


JP - Dos Estados Unidos, em 94, mas, ficou aí, não é? Depois, eu tive uma segunda época que eu me desliguei também, numa negociação com o novo diretor da OPAS, já não era o Carlyle [Guerra de Macedo], era o doutor [George] Alleyne, pra que eu ficasse um período, pra uma reestruturação da coordenação de recursos humanos, já agora do Ministério da Saúde, não mais a implantação do ministério, mas a reestruturação da coordenação geral de recursos humanos do governo [José] Serra.



[interrupção]



JC - O fio da meada, é que ele perguntou do projeto Larga Escala. Ele perguntou qual era a sua participação no projeto Larga Escala, digamos, com relação a esse trabalho, porque a gente sempre faz referência à Izabel, não é isso, Fernando?


FP – É.


JP - A minha participação no projeto Larga Escala, e toda essa proposta da cooperação na área de educação técnica, foi muito, digamos assim, de apoio às iniciativas da Izabel, né? Sempre que precisava, que ela convocava, pedia pra gente dar uma ajuda em alguma iniciativa que ela considerava importante, a gente parava o que estava fazendo para atender a esse pedido. Então, concretamente, tem algumas, algumas iniciativas onde eu mobilizei recursos, ou participei diretamente na construção do projeto Larga Escala. Uma assim, talvez a primeira iniciativa importante, foi quando nós formulamos esse projeto a ser apresentado ao Ministério da Educação, não é? Na gestão do ministro Carlos Santana, quer dizer, logo no início da gestão, nós apresentamos essa proposta de criação de um programa de investimento do Ministério da Educação para a ampliação ou fortalecimento das escolas técnicas de saúde, né? E, nesse projeto, a minha participação maior, foi no sentido de mobilizar, de participar de algumas discussões, de revisar, e de participar da revisão do projeto que foi elaborado, escrito, em termos de elaboração do projeto, pelo Marcos Mandellli, que foi um trabalho que ele foi convidado pra fazer quando nós, em função disso, nós até o incluímos na nossa equipe, do grupo assessor principal, na época. E ele terminou se engajando em outros projetos, em outras atividades e ficou no GAP até quando fez concurso, com a vaga aqui na Fiocruz, e veio pra Fiocruz, né? Então, essa foi a primeira iniciativa assim, importante, expressiva de apoio ao projeto de educação técnica. O segundo foi num seminário que ela e a Joana queriam fazer com um pequeno grupo, um grupo muito selecionado. Acho que eram umas seis pessoas só, e fizemos isso, lá na OPAS, pra fazer uma análise da situação e das dificuldades, das resistências, e dos encaminhamentos que se deveria fazer, pra que o...



FIM DA FITA 5/LADO B

Entrevista 6

Início da página

PROJETO:

HISTÓRIA DA COOPERAÇÃO TÉCNICA EM RECURSOS HUMANOS EM SAÚDE NO BRASIL


Data:

22 de Fevereiro 2005


Depoente:

JP – José Francisco Nogueira Paranaguá de Santana


Entrevistadores:

CH – Carlos Henrique Assunção Paiva

FP – Fernando Pires Alves

GH – Gilberto Hochman

JC – Janete Lima de Castro


Entrevista:


Código: 6/8


Transcrito por:

Andrea Ribeiro – Setembro 2005


FITA 6/LADO A


JP - ...Pra a educação técnica fosse objeto de decisão política, de investimento, de, enfim, fosse uma questão reconhecida, visível para os gestores da saúde, um problema sério que, é, não fosse apenas uma lamentação de todo, é... dirigente que tomou posse diz que “ah, um dos grandes problemas é a falta de pessoal auxiliar e tal”, assim como já estava registrado na Reunião de Ministros em 1972, não é? É... Dessa reunião foram tiradas uma série de iniciativas, de propostas, de encaminhamentos junto à Associação Brasileira de Enfermagem, junto a algumas universidades que tinham lideranças importantes que poderiam trabalhar nesse campo, algumas secretarias. E uma das resultantes, assim, desse seminário, dessa avaliação foi a promoção da reunião das escolas técnicas e centros formadores que existiam na época, em 84. É... Quando começou a gestão do ministro José Serra. Ele já tinha tomado essa decisão, não foi uma decisão que foi levada a ele, uma proposta sugerida a ele por nós, eu estava na coordenação de recursos humanos nessa época, do Ministério, e não foi uma iniciativa nossa. Nós recebemos a determinação dele, que ele tinha assumido um compromisso político com as entidades de enfermagem em São Paulo, associação de técnicos, de auxiliares, alguma coisa assim, em São Paulo, que queria fazer um programa de formação de pessoal de enfermagem no Brasil inteiro, né?


FP – [José] Serra, na posição de ministro da Saúde?


JP - Na posição de Ministro da Saúde, não é? Então o que eu fiz nesse momento foi mobilizar recursos da coordenação e articulações para apoiar a criação de um pequeno grupo técnico, que era orientado pela Izabel Santos, pra formular o projeto e fazer todas as tratativas e as negociações com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, que foi a agência escolhida pelo ministro pra financiar esse projeto. Então, a minha participação foi mais de apoio institucional e político.


JC – Você estava onde? No PPREPS [Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde]?


JP - ... a elaboração desse projeto.


JC - O senhor estava aonde nessa época?


JP - No primeiro momento, eu estava na coordenação de recursos humanos do Ministério da Saúde. Eu passei dez meses lá em 95, e foi quando deslanchou o projeto. Daí em diante, eu passei a acompanhar, fui a algumas reuniões, mas já não tinha mais uma atuação porque era um trabalho mesmo da equipe organizada pra elaborar o projeto. Além disso, eu tive participação, digamos, como dirigente do INAMPS, na formação de um grupo de trabalho, de formação de técnicos na área da Previdência Social, enfim, de oferecer todas as condições que eram necessárias da parte do INAMPS, pra que esse projeto fosse impulsionado... e foi, inclusive, elaborado um documento do INAMPS com um projeto de decreto que foi apresentado à Presidência da República, na época para juntar o processo de formação do INAMPS com a autorização de ascensão funcional dos servidores do INAMPS que fizessem o curso de auxiliar de enfermagem. Porque o INAMPS tinha uma quantidade expressiva de auxiliares operacionais de serviços diversos na categoria 'C', que o INAMPS tinha A, B e C e o 'C' era auxiliar de enfermagem ou atendente, porque ele não tinha curso de auxiliar de enfermagem. Então, a idéia era transformar todos esses, o “C” em auxiliar de enfermagem. Só que esse projeto já veio do processo da Constituinte, na discussão sobre mudança do regime jurídico e tal, e terminou que ele foi atropelado pela proposta de extinguir a ascensão funcional dentro do serviço público, não é. De qualquer jeito, ficou a proposta. Foi uma iniciativa que o INAMPS apoiou, inclusive, a transformação de todas as escolas que o INAMPS tinha, em escolas técnicas de saúde. Algumas delas no processo de unificação com as Secretarias de Saúde foram transformadas em escolas ou centros formadores de recursos humanos de nível médio. E, além de uma série de iniciativas pra fortalecimento disso, na área da política, quer dizer, havia problemas com o Conselho Federal de Enfermagem, com os conselhos regionais, que adotaram em muitos estados uma posição muito resistente aos projetos de formação de auxiliares de enfermagem, porque, paradoxalmente, uma posição já antiga do Conselho e a corporação na área de enfermagem era que a categoria de enfermagem devia ser constituída somente por técnicos e enfermeiros, não é? Não tinha mais sentido se formar auxiliares de enfermagem, não é? É... uma posição que já foi, inclusive, adotada há muito tempo atrás no âmbito do Distrito Federal, em Brasília, por exemplo, no serviço público não existe mais auxiliar de enfermagem, na Secretaria de Saúde são todos técnicos em enfermagem. Então, é uma espécie assim de meta da corporação extinguir o auxiliar de enfermagem. O problema é que no Brasil existe tanto auxiliar de enfermagem, e ainda, tanto atendente, que só se fuzilar esse pessoal pra extinguir, né? Então, como eu não sou a favor do fuzilamento, a idéia era apoiar a proposta de formação desse pessoal naquilo que dependia do INAMPS, na época, né? Então, a minha participação nesse projeto do GAP, que era liderado pela Izabel [dos Santos], foi sempre assim muito acessório, muito adjutório, muito de apoio a iniciativas que eram da responsabilidade dela.


JC - Paranaguá, eu sei duas experiências, mais recentes, já da década de 90, que a gente pode caracterizar isso como desenvolvimento institucional, né? A pergunta que eu vou fazer agora, ela vai um pouco além da que eu tinha feito anteriormente, que é a experiência da Secretaria de Estado, lá do Rio Grande do Norte, a Secretaria de Estado de Goiás, que foi essa experiência articulada, por você, que a gente não pode dizer que foi só cooperação técnica em recursos humanos, porque aí, envolveu a OPAS como um todo, mas era uma experiência de desenvolvimento institucional. Queria que você esclarecesse aqui pra a gente, contasse um pouco dessa história e também explicasse qual é o papel da cooperação técnica de recursos humanos nas duas, e se houve outras no país, que eu não conheço.


JP - É, aí tem duas coisas, uma é o desenvolvimento institucional da área de recursos humanos, tanto no ministério como nas secretarias, tanto estaduais e também nas municipais, com o processo de municipalização e criação das secretarias municipais de saúde de 70... , de 87 para cá, depois do SUDS [Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde] para cá, começou o processo de criação de secretarias, e a própria fundação do CONASEMS [Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde]. Então, na área específica de recursos humanos o que nós tínhamos, quer dizer, eu já comentei um pouco antes, a primeira iniciativa era garantir vagas, estimular a participação de dirigentes de recursos humanos em cursos de saúde pública. A segunda iniciativa foi essa de um curso promovido pelo Ministério da Saúde, que nós apoiamos, os chamados dirigentes de ODRH, que foi realizado em Belo Horizonte, não é? Com a Nova República e o papel muito diferenciado, que foi ocupado e atribuído ao GAP no processo da Constituinte, da criação dos Núcleos de Saúde Coletiva iniciou dentro daquele programa o chamado Plano de Desenvolvimento Gerencial, o PDG, aprovado pela CIPLAN, não é? Uma das iniciativas do PDG, era a criação de um curso regular que fosse oferecido de forma permanente, não apenas uma episódica, não fosse promovido pelo Ministério da Saúde, como a experiência que nós tivemos em 90... em 84, não é? Em Belo Horizonte em Minas, mas como iniciativa permanente das atividades acadêmicas dos Núcleos de Saúde Coletiva, que era a capacitação em desenvolvimento de recursos humanos. Esse primeiro curso foi realizado pra cerca de 210 dirigentes de secretarias estaduais, pouco de secretarias municipais, alguns do INAMPS. Mas, o grosso era gente das Secretarias Estaduais de Saúde.


FP - Centralizado, descentralizado?


JP - Descentralizado. Foram sete cursos com... em média 30 alunos, não é? Alguns pouco mais, um pouco menos, mas deu exatamente 210 alunos não é. E um projeto, é... realmente de rede dos núcleos, um projeto em rede, é... operado pelos núcleos, Nós chegamos a ter, tem um relatório desse projeto muito bem feito pela Alina...


JC – Almeida?


JP - Almeida, que foi quem coordenou esse projeto a partir do Núcleo de Saúde Pública da UNB, que relata bem essa experiência, quer dizer, nós conseguimos fazer, uma verdadeira mobilização, visibilidade pra a área de recursos humanos através desses cursos modulares, feito como currículo semi integrado, de integração entre os serviços e a prática desses dirigentes,né? E esse curso depois foi reformulado em duas oportunidades, o currículo dele, e a terceira reformulação desse curso foi feita com base nessas duas experiências que a Janete [Castro] citou. A experiência de reorganização da Secretaria de Saúde do Rio Grande do Norte e da Secretaria de Saúde foi posterior, da Secretaria de Saúde do Estado de Goiás. Com base nessas duas experiências de reorganização da secretaria, como um todo, não apenas da área de recursos humanos, que foi um trabalho feito pela cooperação da OPAS, e que eu coordenei. Esse projeto interprogramático dentro da representação [da OPAS] do Brasil, com base nessa experiência, nós fizemos um 'upgrade' no projeto do curso e criamos o curso de especialização e desenvolvimento em recursos humanos, que passou a ser oferecido em vários lugares do país. Aqui na ENSP [Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fiocruz], a época em que nos outros estados os núcleos ofereciam cursos de aperfeiçoamento, a ENSP já fazia o curso de especialização. Então a ENSP tinha uma certa diferença dos núcleos com relação a esse projeto de desenvolvimento da área de recursos humanos, desenvolvimento institucional da área de recursos humanos, porque ela passou a oferecer um curso de especialização, mais cedo do que o conjunto dos núcleos de saúde coletivos nos estados, não é? E a segunda diferença desse curso é que, quando nós fizemos a proposta de um currículo com integração ensino – serviço, e foi, passou a ser esse currículo utilizado pelos cursos, dados em alguns dos núcleos, especialmente o do Rio Grande do Norte, que ofereceu várias turmas com esse currículo. A ENSP continuou com o currículo tradicional dos cursos de especialização, com uma adaptação e uma aproximação ao currículo que era orientado e que era compartilhado com os outros núcleos, não é? Então, na área de recursos humanos, eu acho que essa proposta de capacitação de dirigentes num processo muito ajustado com a prática, com os problemas, envolvendo as equipes com os desafios que eles estavam enfrentando no trabalho, representou realmente, a meu ver, uma contribuição muito importante para a consolidação, o amadurecimento dessa cultura, dessa proposta, dessa capacidade de gestão de recursos humanos nas Secretarias de Saúde, não é?. É... Esse curso foi publicado, incluía uma publicação que inclui a história desse projeto, o currículo e todo o material didático complementar, que é uma das publicações da OPAS. Nossa impressão é que esse número de egressos tanto dos cursos de aperfeiçoamento na primeira fase, quanto dos cursos de especialização, que alcança a ordem de 2 mil egressos nesse conjunto de cursos, realmente significou um impacto grande na capacidade, ou pelo menos, na disponibilidade, na oferta de gente com qualificação na área de recursos humanos, quer dizer, e tudo que estava em volta desse projeto. Esse projeto levava o desenvolvimento de alguns estudos, de algumas publicações, de alguns trabalhos que eram feitos pra poder servir de exercício ou de material didático pro curso, promovia a realização de reuniões, de seminários, de relatórios, quer dizer, estava inserido na história da realização das conferências nacionais de recursos humanos, quer dizer, os relatórios das conferências e a própria clientela das conferências se misturava com os egressos e com os participantes desses cursos, não é? Eu acho que esse trabalho da cooperação técnica, no plano da capacitação de recursos humanos e no campo da criação de uma concepção, de uma doutrina sobre a gestão do trabalho e sobre a gestão da educação, foi um processo importante no desenvolvimento dessa área, não é? Agora, uma outra coisa foi esse projeto realizado em dois estados, e que chegou a ser uma proposta durante a gestão dos dois últimos representantes da OPAS, e parece que está sendo retomada pelo atual representante. Retoma-se a idéia de que a representação da OPAS tivesse projetos de cooperação, interprogramática, quer dizer, envolvendo todas as áreas técnicas da OPAS numa secretaria para criar um efeito de maior impacto da cooperação técnica e, ao mesmo tempo, ser um processo pedagógico para os próprios consultores da OPAS, quer dizer, para que eles possam perceber o conjunto dos problemas de uma secretaria, e não apenas da sua área especializada de cooperação técnica. Então, nós fizemos isso na gestão do Armando Escavino, nos Estados do Rio Grande do Norte e de Goiás, né? Infelizmente nos dois casos, a dinâmica da política estadual burlou os projetos. No caso do Rio Grande do Norte, um ano e pouco depois do início desse processo, que era um processo que estava muito interessante, o governador resolveu trocar o secretário de saúde. E, não foi uma troca, digamos, inocente, foi uma troca baseada em acordo com partidos políticos. Então, a orientação da secretaria, no momento seguinte, foi completamente diferente, quer dizer, inclusive, eu desaconselhei o representante da OPAS a não insistir na continuidade do projeto no Rio Grande do Norte, uma vez que a nova direção da secretaria não tinha nenhuma identidade com a proposta desenvolvida com o secretário anterior. De fato, isso ficou como uma experiência muito interessante de aprendizagem pra quem participou dela, não é? Inclusive pra todo o pessoal da OPAS que participou dela. Em Goiás, foi uma situação também determinada politicamente, era o último ano do governo Íris Resende, e o atual governador do estado, que já está no segundo mandato tinha uma possibilidade de eleição, quer dizer, uma opção de voto na ordem de 4 ou 5%. Quer dizer, ninguém admitia que o Íris Resende não fosse, não fizesse seu sucessor, eu nem me recordo se era ele próprio o candidato, ou era um candidato que ele queria fazer e tal. O fato é que em três meses o candidato do PSDB virou a mesa e ganhou a eleição, não é? Então, o projeto que estava sendo trabalhado com a secretaria do PMDB no estado de Goiás, com um projeto do último ano de um governo pra que funcionasse como plano de saúde do próprio governo, ele foi engavetado. Quer dizer, a situação foi diferente, não é? Eu recomendei o arquivamento do projeto, mas não era opinião unânime entre os colegas da representação. E um colega da representação achou que deveria continuar, assumiu a liderança do processo na relação com o Estado de Goiás, e passou quatro anos do novo governo dando continuidade à uma proposta que, a meu ver, não produziu efeitos, dentro dos marcos anteriores, produziu outros efeitos, quer dizer, resultou numa cooperação interessante, com o Canadá, entre a secretaria e o Canadá. Até hoje a Secretaria de Goiás tem um programa de cooperação técnica com a OPAS. Mas, não é... na perspectiva com que ele foi colocado anteriormente, não é? Depois, nós, na gestão do outro representante, nós fizemos isto em alguns estados, talvez a experiência mais destacada foi no Estado de Rondônia, né? Mas também um processo que teve a duração de um momento político, não é, foi criado um grupo tarefa. Aí, nesse caso, nem foi um grupo tarefa com consultores próprios da OPAS. Nós contratamos, a representação contratou uma equipe sob a coordenação técnica de um fiocruziano, o doutor José Gomes Temporão, que deu assessoria e fez um projeto de reestruturação da Secretaria de Saúde em Rondônia, e que resultou em numa proposta que o governador depois encaminhou da forma que foi conveniente, ou possível encaminhar. E, atualmente, o representante em exercício está, pelo menos, que eu saiba, com duas iniciativas previstas nessa linha de cooperação integrada à uma secretaria. No caso, a Secretaria de Saúde do Rio Grande do Norte, novamente, e a Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza, não é? Espero que essas duas iniciativas tenham um bom sucesso.


FP – É, na verdade, uma preocupação, um pouco que você chegou a mencionar, que a estrutura curricular dos cursos descentralizados foram publicados pela OPAS, de aperfeiçoamento se eu não me engano, não é isso?


JP – É, tanto de aperfeiçoamento, quanto de especialização


FP – É, uma dúvida que eu fiquei, que tanto um, quanto outro também, descentralizados...


JP - Todos.


FP - Todos. Eles funcionavam de maneira complementar entre si, né? O profissional fazia o percurso entre aperfeiçoamento e especialização?


JP - Não, não. Eram cursos, quer dizer, eles mudaram até um certo limite, até um certo ponto, uma prática da universidade de oferecer um curso a partir da sua própria disponibilidade docente. Esse era um traço importante desses cursos, quer dizer, a proposta do curso, resultado de uma demanda do Sistema Único de Saúde no estado, não é? Patrocinada pelo ministério com cooperação da OPAS, atendendo à clientela do Sistema Estadual de Saúde, que incluía os sistemas municipais. Então, essa era a proposta de como esses cursos deveriam ser pensados. Pra isso, era preciso que o processo de produção do projeto do curso tivesse uma certa agilidade, porque não adianta você dizer: “não, não compete à universidade gerar a proposta do curso, compete ao serviço”, só que o serviço não gera. Eu acho que aí, por mais otimista, ou ufanista que a gente possa parecer, eu acho que vale aquele ditado 'de onde menos se espera, daí é que não sai mesmo', não é? Secretaria de Saúde não foi feita para produzir proposta acadêmica. Secretaria de Saúde foi feita pra organizar, administrar, fazer política de saúde, administração de serviços de saúde. Então, agora, o problema é como é que você vence essa barreira, quer dizer, a universidade sabe fazer cursos organizados em disciplinas; para a secretaria, esses cursos não dão resultado porque as pessoas saem de lá achando o curso maravilhoso, mas não sabem como integrar os conhecimentos diante dos problemas concretos que eles têm. O que nós fazíamos era reunir grupos de especialistas, da universidade e de secretarias de saúde, e trabalhar com eles em oficinas de trabalho, organizando um modelo de um curso que pudesse... A linguagem, a metáfora que eu uso é de um 'script', quer dizer, escrever, detalhar um 'script' em cima do qual se monte um curso, porque a idéia inclusive é que esses cursos não estão prontos da forma como eles são apresentados. Eles não são cursos pré, um curso, moderno, modelo, eles são um 'script' pra você montar um curso em cima dele. Então, a montagem desse curso, aí é que varia. Uma vez eu usei uma expressão, usando ainda a linguagem da metáfora: você com esse 'script', ou com esse código genético, você pode, usando a metáfora automotiva, montar, um Gurgel, ou um Galaxy, que, na época ainda existia, não é? Aí, depois, uma pessoa que estava na sala foi reclamar, porque ela tinha um Gurgel, achava ótimo, não sei que preconceito eu tinha contra a indústria brasileira. [risos] Eu digo: “não, eu não tenho nada”. Aliás, eu sou admirador do Gurgel, que foi o primeiro cara que disse: “não, o Brasil pode fazer carro”, não é? E fez, não é? Mas, a idéia é um pouco essa, quer dizer, com esse projeto você faz o projeto do jeitinho que ele está, ou inventa. E é esse o desafio, interesse que tem...


FP - A oferta dos cursos de especialização por parte da ENSP [Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fiocruz] seguiu algum esquema diferente?


JP - No caso do curso de especialização em recursos humanos, aqui da ENSP, é que essa é uma demanda sempre presente, quer dizer, o primeiro curso que a gente deu dentro do projeto compartilhado com todos os outros núcleos, ela atendeu à clientela, de São Paulo, Rio [de Janeiro] e Espírito Santo. Então, veio gente, se você pensar assim, “ah, a ENSP deu curso para São Paulo, tem tanta escola de saúde pública em São Paulo”. Mas, foi verdade, veio gente de São Paulo e fez o curso aqui da ENSP, porque, por algum motivo, na época, não se entrou em acordo com uma instituição em São Paulo que sediasse um curso próprio pra São Paulo, não é? Eu creio que a Faculdade de Saúde Pública estava em uma daquelas fases, em que ela estava fazendo uma revisão, de como que ela ia redefinir sua missão, e tal, e não participou desse projeto, não é? E aí, o curso do Rio teve que atender à clientela de São Paulo. Depois disso o que a ENSP fez foi: “bom, nós temos capacidade, autonomia, competência institucional pra dar um curso de especialização”. Então, eles transformaram o curso, que nos outros lugares eram curso de aperfeiçoamento, num curso de especialização, aumentando a carga horária de aulas, de seminários e ampliando, abrindo muito a bibliografia para os alunos do curso, não é? Então, o curso... Mas, nos moldes de um curso de especialização, como os demais cursos da ENSP, né? Um curso de especialização, que posteriormente, teve esse currículo desenvolvido com base nas experiências do Rio Grande do Norte e de Goiás, um curso com que nós chamamos um curso com total integração ensino - serviço. É um curso onde a equipe de recursos humanos da secretaria... Enfim, é o exemplo típico, foi a experiência feita em São Paulo, há quatro...


JC – 2000, 2001.


JP - Quatro anos atrás, três anos atrás. A Secretaria de Saúde de São Paulo contratou a Faculdade de Saúde Pública pra dar este curso com a assessoria do Núcleo de Saúde Coletiva lá, do Rio grande do Norte, coordenado pela Janete [Castro], pra oferecer cinco turmas desse curso para todos os 240 funcionários da secretaria estadual que integram a coordenação de recursos humanos da secretaria. 240 caras, só na gerência de recursos humanos, na sede de São Paulo e nas regionais da secretaria. Então, esse curso foi montado assim, quer dizer, quais são os problemas que essas pessoas têm, quais são as soluções pra esse problema, quer dizer, o curso, ele foi trazendo para o ambiente de debate didático de aprendizagem a problemática vivenciada pelos alunos e...


FIM DA FITA 6/LADO A



FITA 6/LADO B


JP – ... de coordenação docente...


GH - Você estava falando, começou a falar das dificuldades em relação...


JP – Quer dizer, na teoria, essa a proposta desses cursos. Agora, na prática, vem aquele problema: você discutir realmente muito em cima dos problemas ou você precisa de uma certa disponibilidade de monitores, de docentes e não existe. Então, é o que eu chamo, quer dizer, você tem um 'script', ou tem um código genético que pode produzir um [carro modelo] ômega CD, mas só pode fazer um Gol 1000.


JC - Eu vou sair do CADRHU, você quer falar outra coisa?


GH – Não, não.


JC - Eu queria puxar para o GERUS, queria que você falasse um pouco dessa experiência, que muda um pouco, da clientela, né? Você trabalha com desenvolvimento da capacitação da gestão?


JP - O GERUS fazia parte desse conjunto de 12 áreas prioritárias para o desenvolvimento gerencial do SUS, que era a área de gestão de estabelecimento de saúde. Então, nós aproveitamos o ano de 90, que foi quando se parou de trabalhar com o Ministério da Saúde, porque o assessor do ministro da Saúde achava que curso de saúde pública era bobagem, não precisava, não é? Não precisava desse negócio de programa de desenvolvimento gerencial, isso é besteira, quer dizer, formar gerente, tanto faz gerente de hospital, como gerente de fábrica de fósforo 'Fiat Lux', é a mesma coisa. Então, já que a gente não podia gastar tempo na cooperação técnica com as secretarias, com o Ministério da Saúde, o que é que nós fizemos? Eu falei com a Izabel [dos Santos], disse: “Izabel, você topa a gente fazer um projeto que algum dia a gente tenha viabilidade, mas a gente vai ter a proposta pedagógica dele pra capacitação em hospitais e demais estabelecimentos de saúde?”. Ela disse:”claro, porque eu acho que isso é a prioridade número um, apenas ninguém reconhece isso”. Quer dizer, nós temos milhares de hospitais, só aqueles credenciados pelo Sistema, pelo SUS, ou pelo INAMPS, no passado, chegam a... sei lá, 5 mil, 6 mil hospitais no Brasil inteiro. E você tem um curso de especialização na UERJ [Universidade do Estado do Rio de Janeiro], que é dado anualmente, 30 vagas; um curso aqui na ENSP com mais 30 vagas; e outro curso na Faculdade de Saúde Pública e outro no PROASA [Programas de administração em Saúde], cada um, soma tudo, dá 120 alunos por ano. Isso se oferecesse todo ano um curso. É quando você tem uma demanda de milhares de gerentes só em hospitais. Então, nós bolamos um projeto que era atender a demanda por gerência em estabelecimento de saúde. E aí, reunimos um grupo de gente para definir o quê que era estabelecimento de saúde, e tal, e chegamos a uma configuração de cinco tipos de estabelecimentos, hospitais, unidades de referência ambulatorial, centro de saúde, unidades de terapia, de hemoterapia, banco de sangues, toda a política de gestão do sangue... laboratórios. Quer dizer, baseado em dois critérios fundamentais pra caracterizar o processo de trabalho, porque a idéia é que se fizesse um curso de desenvolvimento de capacitação gerencial, dando capacidade a esses gerentes de trabalhar com lógica do processo de trabalho desse estabelecimento. Então, o processo de trabalho é definido por quê, por um ator, por um objeto e por instrumentos, não é? Então, nós usamos os critérios marxistas da análise do processo de trabalho, que é o agente, a missão ou o objeto, os instrumentos de trabalho, fazendo as devidas adaptações, porque não se trata de terra, trabalho e capital, né? Mas de algo um pouco adaptado. E pensando o seguinte, quer dizer, quais são as características dos estabelecimentos de saúde, né? Tem uns que lidam com determinado tipo de cliente... Quem trás, quem é o objeto de trabalho... De um processo de trabalho num hospital, não é? É diferente do objeto do processo de trabalho do centro de saúde, num centro de hemoterapia. Então isso era um critério, né. O outro era a tecnologia, quer dizer, qual é a densidade, qual é a tipologia da tecnologia usada nessas áreas. E o terceiro era, qual é o tipo de trabalhador nesses setores. Então, nós conseguimos criar uma tipologia de estabelecimento de saúde, que não inovou quase nada daquilo que já se fazia classicamente em tipos de estabelecimentos de saúde, e que já estava presente nas antigas normas de uma divisão do Ministério da Saúde, que já foi enterrada há muito tempo, chamava Divisão de Organização de Serviços de Saúde, e que tinha inclusive alguns normas sobre isso, como é que devia funcionar um hospital, como é que devia ser hospital, um centro de saúde etc, etc. Esse projeto, que foi chamado de GERUS, projeto GERUS, a Izabel diz que eu tenho mania de inventar nome, de sigla, né? Na verdade, eu não tenho mania, eu detesto sigla, mas é que a sigla termina funcionando como um negócio, pega, contamina, é igual a um vírus. Então, tem muita gente que fala na sigla, não sabe direito o que é, mas passa adiante. Então, eu trato logo de inventar uma sigla quando eu quero botar uma idéia na praça. Então, a idéia era o GERUS, Gerência de Unidades de Saúde, não é? Lembra, me lembra até de uma conversa que eu tive no carro com o Chico Couto, lá em Washington pra ver que nome eu ia batizar nesse projeto. Aí, ele disse: “pô, GERUS é legal, porque lembra gestação, gerência, lembra...”, aí lembrou do latim dele, disse que GERUS era não sei o quê em latim. Eu achei ótimo, e pronto, ficou com o nome, batizamos de GERUS. E íamos começar o GERUS, com a área hospitalar, porque para nós era a área mais grave, mais importante, mais candente, aonde vai 90%, do dinheiro perdido no Brasil, pela inoperância da gerência hospitalar. Aí, como nós, nem eu, nem a Izabel somos especialistas em gerência hospitalar, nós convidamos as referências nacionais sobre gerência hospitalar, que era exatamente o coordenador do curso da Faculdade de Saúde Pública, da ENSP e do PROASA, FGV [Fundação Getúlio Vargas] em São Paulo, que tem um convênio com Hospital das Clínicas, um projeto que se chama PROASA, específico, nominalmente três grandes amigos o Pedro Ribeiro, o Pedro Barbosa, aqui da ENSP, o Gonzalo Vecina Neto da Faculdade de Saúde Pública, e a Ana Maria Malik da FGV, lá de São Paulo. E, passamos três dias internados, lá na Faculdade de Saúde Pública, discutindo essa proposta. Conclusão deles: essa idéia era ótima. O Pedro, inclusive, me contou uma coisa muito interessante, que essa era a proposta que dez anos antes, quando foi criado o Núcleo de Organização de Serviço de Saúde, que ele dirige até hoje lá na ENSP, por influência do [Sergio] Arouca, quando voltou da Nicarágua, e convidou um consultor da OPAS também, em administração hospitalar, que era o Tabare Gonzalez, era um uruguaio. E a proposta era essa, de fazer um curso com essa modelagem em cima dos problemas que o gerente tem num hospital, pra começar o núcleo de organização do serviço de saúde, esse núcleo do Pedro, aqui na ENSP. O problema é que esse projeto dava trabalho demais, exigia um planejamento. E eles não tinham condições de investir esse recurso, esse tempo e tal, e resolveram adotar aquele curso mais tradicional que você prepara mais rápido. Agora, tem um problema aqui, ele começa mais rápido, só que tem um feito limitante. Ele não pode ser oferecido mais do que 30 vagas por ano etc, etc, etc. E aí, nós nos víamos nessa época com esse mesmo impasse. Nenhum dos três tinha condições operacionais pra começar um projeto desse na área hospitalar. Eu voltei de São Paulo com a Izabel e “acabou-se, não tem jeito”. Ela disse: ”por quê, que a gente não faz um centro de saúde? Centro de Saúde, você já trabalhou em Planaltina com centro de saúde. Você não coordenava lá três postos rurais? Você não coordenava a atenção primária na cidade de Planaltina?”, eu digo: “era”, “pois é, eu também criei toda a Rede de Unidade de Saúde do Vale do São Francisco quando eu comecei... Quando eu me formei, vamos fazer de centro de saúde”.[risos] E aí, fizemos um projeto, obviamente, juntando gente. E depois eu até pensei, “realmente, se a gente começa um projeto de administração hospitalar e não somos professores de administração hospitalar, o povo cai de pau em cima da gente”. Agora, na área de centro de saúde, isso é terra de ninguém, ninguém liga pra esse negócio, ninguém vai reclamar da gente fazer um curso de especialização em gerência de centro de saúde. Aí, passamos quase um ano e tanto, um ano e meio, fazendo o projeto desse curso. Esse projeto, trocando assim, resumidamente, em miúdos, foi o seguinte, nós fizemos 20 oficinas de trabalho, com cinco dias de duração, com uma equipe de, mais ou menos, oito pessoas. Contratamos 14 textos específicos para esse curso, além de aproveitar outros que já existiam na literatura, e que podiam ser usados de forma razoável, como material didático pra esses cursos. E começamos a oferecer isso em um projeto piloto que contou com o patrocínio da Fundação Nacional de Saúde, na época que o Álvaro Machado era presidente da Fundação Nacional de Saúde. E com a participação de uma assessora dele que se empolgou muito com esse projeto e que deu muito apoio, deu guarida total ao projeto lá, com recursos do VigiSUS, não é?


FP – Hum, hum.


JP – O VigiSUS tinha acabado de sair lá pra Fundação Nacional de Saúde, e eles deram uma rebarba lá pra esse projeto. Então, nós começamos esse projeto...


FP – Continuou com a mesma sigla?


JP – do projeto piloto. ... Em dez municípios... tudo para fazer um teste da metodologia, consolidar, ao mesmo tempo, criar uma capacidade docente que deslanchasse isso no resto do país. Ao final desses dez cursos, nós fizemos um seminário dos dez cursos, com um docente e um monitor, com o coordenador de cada curso, os dez coordenadores, um docente que era o monitor do curso e um aluno do curso, pra que a gente fizesse uma análise da vivência, da experiência e recomendações pra ele. Com esse produto então, nós editamos: eis o livro do curso de especialização, até hoje ele é usado em vários lugares, o GERUS...


FP - Isso foi em qual período, 90...?


JP - De 92 a 93, nós estivemos desenvolvendo


GH – Proposta


JP – ... a proposta. Em 94, nós fizemos os cursos em Fortaleza, Natal, Olinda, Brasília, Belo Horizonte, Londrina, Curitiba, tem que aparecer mais três, Uberlândia...


JC - Marília?


JP – Marília... Enfim, nós pegamos assim, municípios que tinham portes diferentes, capital, interior, mas com certa complexidade. Então teve uma consulta que a gente fez por vários mecanismos e tal, o secretário de saúde bancava a proposta de fazer uma experiência, envolvendo toda a rede municipal...


GH - Mas os cursos mesmo foram em 94?


JP - 94. Aí, fizemos uma avaliação...


FP - Já com essa rede de coordenadores, monitores...


JP - Não, não. O seminário de avaliação, nós fizemos no término dos cursos, quando todos os cursos terminaram. Isso, inclusive, tem uma publicação feita pelo NESCON [Núcleo de Educação em Saúde Coletiva], do Paraná, que pegou o trabalho, porque esse seminário de avaliação foi muito bem planejado, muito bem organizado. De forma que, nós temos, o relato, um trabalho feito sobre cada uma das dez experiências, que é uma espécie de um depoimento, de como foi o processo, de quais os resultados dele, de cada um desse dez projetos, de cada um desses dez cursos. E no seminário, esses trabalhos foram apresentados, além de se ter o depoimento de alunos, que eram alunos que eram gerentes de centros de saúde. A coisa mais emocionante era você ouvir assim uniformemente, aquilo que a gente via inclusive nas turmas, porque eu acompanhei esse projeto em quase todos esses dez estados, eu estive presente em várias fases deles, quer dizer, ouvir assim, gente: “pôxa, eu trabalhava sempre aqui no centro de saúde. Não sabia como é complicado um centro de saúde. Eu pensava que isso era uma coisa muito simples, e nem dava importância para o que estava acontecendo aqui dentro”.


FP - Era a mesma equipe docente, que dava o curso?


JP - Não, nós fazíamos uma capacitação de cada equipe local, pra que ele assumisse a coordenação do curso. Nós criamos uma pequena equipe, nacional, que a gente chamava de Equipe Nacional do Projeto GERUS, pra apoiar a formação de uma equipe local do projeto GERUS, que era sempre formada por gente da universidade, que dava titulação, e por gente da secretaria, que era quem demandava o curso, e formava uma comissão local de coordenação do curso.


GH - Deixa eu só entender, quer dizer, nesse momento, 92, 93, 94, você está na OPAS só?


JP – Só, estava, só na OPAS, 90, 90 e... Só tive fora da OPAS, entre 85 e 89, na Previdência, no INAMPS e na Secretaria de Serviços Médicos da Previdência, do Ministério. E depois, dez meses, em 95, início de 96, na gestão do José Carlos Seixas, como secretário executivo do ministério [José] Serra.


GH - Eu só estou te fazendo essa pergunta, justamente, porque são os consultores da OPAS que estão efetivamente num trabalho quase que de campo, atuando não só na confecção do projeto, como apoiando na realização. Não parece ser um padrão diferente das outras consultorias OPAS, ou isso é? Quer dizer pela sua narrativa é muito mais do que só a concepção, chama-se o quê? Quase que você está botando a mão...


JP - Toda a equipe do GAP [Grupo Assessor Principal] sempre trabalhou dessa forma, quer dizer, atuando em articulação. Participando do trabalho, numa equipe...


GH - Ativamente, não é...


JP - Na instituição cooperante, né? Não era um trabalho de ir lá, apenas, dar um conselho...


GH - Formular e avaliar no final.


JP – Formular... Não, não, era um trabalho de pensar, negociar, fazer junto e avaliar no fim.


GH - Por isso, que eu estava te perguntando. A minha impressão é que é um padrão de atuação diferente talvez de outras áreas da Organização, ou não?


JP - Não, a... em geral, a...


GH – Pura impressão...


JP – A receita da Organização é pra ser sempre assim.


CH - Esse padrão, inclusive, já estava posto no PPREPS.


JP – É, isso que a Fabíola [de Aguiar Nunes] chamou na reunião de 82 como a experiência valiosa, não é? Agora, é para todo mundo fazer assim. Agora, sempre ocorre assim, aí, você não me pergunte, porque eu não sei responder.


GH - eu fiquei mais curioso. Desde o início do PPREPS, há intervenção negociada etc, mas...


JP - Exatamente, a idéia dessa metodologia de cooperação é que você confira autonomia à instituição cooperante, quer dizer, quando você faz um curso tipo GERUS, numa secretaria de saúde, você só precisa da assessoria direta uma vez, porque, daí em diante, ela pode fazer sozinha. Mesmo quando muda a administração, é só a administração seguinte chamar alguma das pessoas que participou do projeto, que ela sabe como conduzir o processo. E numa experiência que envolve 100, 150 pessoas de uma secretaria, o último projeto grande, do GERUS, envolveu 500 pessoas da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, todos os 480 gerentes de centros de saúde, mais 100 monitores.


JC - Que foi em 2002?


JP - Foi em 2002, na gestão do Eduardo Jorge [Martins Alves Sobrinho], e concluiu na gestão do Gonzalo [Vecina Neto], quer dizer, então, se você quiser hoje retomar o processo de capacitação gerencial, porque mudou o governo, chama qualquer das pessoas. E dessas 500 pessoas, será que não tem ninguém que está aliado do atual prefeito e do atual secretário de saúde? Certamente, de 500 pessoas, deve ter gente que é aliado do atual governo. Então, a idéia dessa metodologia de integração docente-assistencial, de fazer um projeto de capacitação para o desenvolvimento institucional do SUS, tem esse grande segredo, que é isso. Diferente do curso descentralizado. O curso descentralizado, você vai lá, dá o curso. Se quiser o segundo, tem que pagar de novo, tem que fazer de novo. Esse que é o limite de velocidade. O outro não, ele pode ser reproduzido igual um vírus, reproduz, multiplica entra no processo de cascata. Agora, a limitação desse processo é a política, a esse respeito, eu sempre conto o depoimento do secretário municipal de Uberlândia. No início da, digamos assim, expansão do projeto GERUS. Porque Uberlândia foi um dos dez municípios iniciais do projeto GERUS. Quando começou o governo estadual em Minas [Gerais], acho que foi em 80 e... , não, 90 e, o GERUS foi em 94 lá. Não sei se em 95 ou em 96, começou um governo estadual novo. Uma das propostas da secretaria de saúde, do recursos humanos da secretaria era expandir o GERUS como uma metodologia de fortalecimento da descentralização de saúde no estado. E aí, a proposta que eu fiz, e eles toparam fazer, era uma reunião da secretaria junto com o CONASEMS [Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde], o CONASS [Conselho Nacional de Secretários de Saúde] de Minas Gerais, e onde o secretário de Uberlândia, que foi o município, de Belo Horizonte, que foram os dois municípios de Minas que fizeram negócio, eles dissessem como é que era a experiência deles para os outros secretários, não é? Primeiro isso, que tinha que ser um processo assumido pelo secretário de saúde. Não dá pra fazer negócio com o coordenador de recursos humanos, porque quem manda no centro de saúde, não é o recursos humanos, é o secretário. E, às vezes, nem ele manda, né?


JC – Paranaguá.


JP – Agora, aí, o quê que o secretário de Uberlândia chegou e disse? “Ó, pessoal' [risos], era um cirurgião, e aí, ele disse o seguinte: “olha, se vocês começarem esse processo, aguenta até o fim, que chega na metade, dá vontade da gente parar, porque parece que virou uma esculhambação só, está todo mundo aprendendo, achando que tem que reverter a política, que cada centro de saúde faz o que deve fazer, e não o que a secretaria quer fazer. Agora, tem paciência porque no fim, dá tudo certo, e é muito melhor depois que esse pessoal termina esse curso, do que antes”. Então, é um depoimento muito prático de um cara que diz o seguinte: é um processo que cria uma instabilidade, ele desconstrói os conceitos anteriores de gestão local, pra fazer uma revisão, um processo de reconstrução de um modelo de gestão municipal, da rede municipal, de centros de saúde. Então, e mais, é um processo que dispensa a cooperação externa. Se o município quiser, ele pode repetir o processo, e faz, como eu já fiz em alguns lugares, repetiram o curso, me convidem só para a festa de abertura ou de entrega dos certificados, porque é uma festa que é uma beleza, o pessoal acha ótimo, que foi um curso bacana, e que em geral tem umas festas...


JC - Animadas.


JP - Muito animadas.


JC - Eu tenho uma última pergunta pra encerrar essa parte. Para mim, não sei de você, essa questão GERUS, CADRHU e esses processos de capacitação, que a OPAS protagonizou, eu vejo semelhanças entre os dois processos, concepção pedagógica, métodos de trabalho, referencial de gerência, perseguem a questão da descentralização dada pela política de saúde, apoio às - como você diz – instâncias locais... Num sentido de descentralização de conhecimento, autonomia etc. Eu acho que os dois processos perseguem isso. Agora, eu tenho a impressão, Paranaguá, e aí, eu tenho essa pergunta para te fazer há alguns anos, e só agora é que a ficha caiu, que parece assim: o GERUS é mais genuinamente da OPAS. Quer dizer, me parece que o CADRHU, ele nasceu em 86, 87, que ele foi pra a rua, não é, 85, 86, 87 vai pra rua um grupo de trabalho que a OPAS fazia parte, interinstitucional, é a minha impressão. Você vai me falar sobre essa história direitinho. Ou o GERUS surge dessa história que você falou aí, em relação à essa conversa com Izabel, mas.... você atrai pessoas?


JP – Não, mas é só impressão. Mas, é só impressão, é porque você participou muito, e acompanhou todas as etapas de construção do projeto CADRHU, não é? O GERUS, foi muito semelhante nisso também, quer dizer, o quê que nós fizemos? Nós mobilizamos uma equipe inicial de oito pessoas, que trabalhou intensamente, durante 20 oficinas de trabalho, quer dizer, uma carga horária enorme pra planejar um curso. Depois, nós mobilizamos gente pra fazer a discussão, análise, e o reconhecimento desse curso, que foi equipe de docentes nacionais. E, em cada estado, ele era um projeto que era negociado previamente, e assumido como uma proposta que tinha que ser adaptado pela secretaria e pela universidade que executava.


JC - Eu não expliquei bem a minha pergunta.


JP - Então, a participação de, digamos, de professores, de várias universidades e de técnicos e... de secretarias, foi talvez da mesma ordem do CADRHU.


JC - Não, eu não entendi, eu não expliquei direito.


JP - Em termos assim, de equipes técnicas que foram chamadas, e organizadas pra elaborar o currículo, para desenvolver os projetos etc. Então, o papel da OPAS foi muito mais um papel de catalisador. Digamos assim, de organização do processo, que foi um trabalho feito com a minha responsabilidade maior, com assessoria, o apoio da Izabel. Mas, por equipes, que eram das instituições nacionais. Inclusive, os artigos e o material didático destas propostas eram desenvolvidos por estas pessoas, né. Um ou outro foi o texto que eu fiz, e a Izabel, nunca fez. Não sei quando ela faz em co-edição, porque ela tem uma indisposição ontogenética para escrever. Ela não pratica a escrita, ela é eminentemente...


FP – Verbal.


JP - Verbal.


JC – Verbal. Não, Paranaguá, não foi essa pergunta que eu fiz, mas foi ótima a sua explicação. O que eu queria .... a minha impressão não é essa. A minha impressão é a seguinte: parece que a idéia, o surgimento, a mobilização, a OPAS é a protagonista maior se comparada ao caso do CADRHU. Nome do CADRHU já fazia parte de várias instituições, que começaram a pensar o CADRHU. Não é o processo de trabalho que eu estou falando, depois do pensamento. É aquela instituição que teve, digamos, um protagonismo maior na construção da idéia e na organização do processo.


JP – Essa sensação que você tem é muito resultante daquele comentário que eu fiz, é uma terra de ninguém, gerência de unidade... O problema é que o GERUS, só conseguiu funcionar e só conseguiu avançar para o estabelecimento mais simples, que é a unidade básica de saúde. Nós nunca conseguimos emplacar o GERUS pra hospital, para unidade de referência, pra laboratórios, nem pra centros de hemoterapia, não é? Por falta de condições políticas. Nós tentamos com hospitais, tentamos com laboratórios, não deu certo, porque é terra que tem proprietários, não é? Tem gente que acha que essa área é sua e não deixa ninguém entrar, sem ele não faz, boicota. Agora, centro de saúde, ninguém liga pra isso. Vou te contar uma coisa interessante que houve: depois que nós concluímos o projeto inicial do currículo, eu falei com a Izabel, disse: “agora, vou mandar pra umas pessoas que trabalham com a área de gestão, de organização de serviços pra ver a opinião deles”, “vai perder tempo, ninguém vai entender essa proposta, vão é pichar essa proposta e tudo o mais”. Como eu mandei pra gente com as quais eu tinha relações de cooperação, de trabalho, relações pessoais, ninguém esculhambou a proposta, porque eram meus amigos, né? Mas, foi opinião unânime, foram dez pessoas que disseram “pra que tanto barulho pra formar gerente de unidade de saúde? Isso se faz com treinamento de no máximo 80 horas”. Aí, eu digo: “então, danou-se, porque nós chegamos ao mínimo de 400 horas pra formar um gerente de centro de saúde. Agora, é centro de saúde, não é birosca, né, que não funciona. É centro de saúde, é um lugar que é responsável por uma população, que tem responsabilidade legal, política, orçamentária pelas condições de saúde de uma população. É centro de saúde nos moldes de um antigo centro de saúde da Fundação SESP [Serviço Especial de Saúde Pública]. É centro de saúde nos moldes do que a saúde pública clássica chama de centro de saúde, não é? É o centro de saúde que tem equipe, que tem tecnologia instalada, que tem população adstrita, é uma unidade básica, com o nome básico não, porque é mais primitiva, mas porque ela é essencial para o funcionamento do sistema de saúde, não é? E aí, eu brincava, digo, “a experiência dos dez cursos é que nem um deu um curso com menos de 400 horas. O curso é oferecido com 400 horas, mas todos, dos dez que começaram e todos os outros que repetiram depois, foram mais de 50 cursos já realizados no Brasil inteiro, nem um durou menos de 450, 500 horas. Então, até uma época, nós brincávamos, nós damos um ômega de ouro pra quem conseguir fazer esse curso em menos de 400 horas, porque não dá.


JC – Não dá mesmo.


FIM DA FITA 6/LADO B


Entrevista 7

Início da página

PROJETO:

HISTÓRIA DA COOPERAÇÃO TÉCNICA EM RECURSOS HUMANOS EM SAÚDE NO BRASIL


Data:

22 de fevereiro de 2005


Depoente:

(JP) José Francisco Paranaguá de Santana


Entrevistadores:

(CH) Carlos Henrique Assunção Paiva;

(FA) Fernando Pires Alves;

(GH) Gilberto Hochman;

(JC) Janete Lima de Castro;


N° da Entrevista:

Código: 7/ 8


Transcrito por:

Andrea Ribeiro - Setembro de 2005

 

 

FITA 7/LADO A


JP – São dois projetos muito semelhantes, porque representam a mesma proposta. De criar um instrumento metodológico, para articular as duas instituições com a complexidade dos serviços de saúde e dos centros de ensino de ciências da saúde. A idéia era de desenvolver o método, como um mecanismo operacional, porque são instituições que se não interagirem espontaneamente terão dificuldades de diálogo, dado à sua origem social, política e doutrinária. Com isso entendíamos a universidade e a secretaria de saúde como dois entes que pertencem a dois universos diferentes com seus instrumentos de articulação. Nós queríamos desenvolver instrumentos de cooperação entre essas duas instituições, por isso esses cursos são sempre chamados de projetos de articulação ou de desenvolvimento institucional. Então, eu dizia que o GERUS [Gestão de Unidades Básicas de Saúde] “é um curso de especialização”. Ele é um projeto de desenvolvimento da rede básica de saúde de um município nos moldes preconizados pela Constituição e pela lei do Sistema Único de Saúde. Segundo elas, “o município é o gestor da rede municipal, que tem no plano municipal x responsabilidades e etc.” Mesma proposta embasava o CADHRU [Curso de Aperfeiçoamento em Desenvolvimento de Recursos Humanos], porque ela é uma proposta de gestão do trabalho e da educação, que interessa as secretarias de saúde, os gestores de saúde. Ele tem no projeto GERUS um instrumento para dialogar com a universidade, ou seja, de chegar para a universidade e dizer: “está aqui, eu tenho uma proposta de fazer o curso com você, vamos adaptar esse curso”.


FA – É uma pergunta de caráter mais geral. Enquanto a gente vê os avanços, eu imagino que toda essa experiência desde o PPREPS [Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde], passando, por exemplo, pelo Larga Escala, e depois pelo GERUS e o CADHRU, tenha suscitado muita reflexão e, eventualmente, muita produção de documentos oficiais, que fazem avaliação disso. Uma reflexão que possa até ter passado por meios de difusão de tipo acadêmico. A minha pergunta é: aonde se publicou essa reflexão, em torno das experiências da cooperação técnica em recursos humanos?


JP – Tem uma série de publicações da cooperação técnica, que eu estou tentando, inclusive, recuperar e reeditar em arquivos eletrônicos na internet, no sitio da OPAS de Recursos Humanos da representação Brasil. Tem artigos publicados em periódicos da OPAS sobre o GERUS e sobre o CADHRU.


FA – Educação Médica em Saúde.


JP - Em relação à Educação Médica em Saúde, temos isso publicado em revistas do CEBES [Centro Brasileiro de Estudos de Saúde], em alguns dos livros, por exemplo, o livro do CADHRU. Ele contém um capítulo que é a história do projeto, inclusive, faz a defesa desta proposta, não como um curso em especialização, mas como estratégia de desenvolvimento institucional da área de recursos humanos. O registro destas experiências, destas reflexões, estão às vezes em documentos que não são divulgados, informalmente, mas tem razoável publicação oficial feita e científica feita. Existe também as documentações de apresentações em seminários, em congressos e em reuniões. O que eu tenho me preocupado e procurado estimular já há muito tempo, embora sem um resultado muito profícuo, é quais pessoas ou instituições que fazem essas experiências, registram isso e publicam depois. Sei que é muito pouco. Sobre o projeto GERUS, em termos de trabalho acadêmico, nós temos uma dissertação de mestrado por uma das monitoras da chamada Equipe Nacional de Monitores de projeto GERUS. Tem uma que é a avaliação do projeto GERUS em Curitiba, da Débora Bertussi. Já o projeto CADHRU, não tem nenhuma dissertação de mestrado ou algo parecido. Eu acho que isso expressa o processo de reconhecimento dessas áreas, como uma área nobre do campo da ciência. Se você faz uma experiência bem modesta, com epidemiologia, por exemplo, isso é publicado e sai. E ainda existe uma certa disputa dessas publicações pelos órgãos de publicação. Para publicar o resultado de uma experiência formou-se uma equipe com 50 epidemiologistas, para o controle epidemiológico num projeto feito da Fundação Nacional de Saúde, agora continuado pela Secretaria de Vigilância Sanitária. Contudo, um projeto que forma 3 mil egressos em cursos, entre especialização e aperfeiçoamento, e a maioria já de especialização, no caso do CADHRU, ninguém quis publicar isto. Se você vai nos congressos do ABRASCO [Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva], já teve mais de cem cursos do CADHRU, mesmo assim não tem um trabalho inscrito sobre o CADHRU, porque é uma área sem legitimidade científica. Ela está sendo construída. Por isso, nós nos últimos anos temos investido muito numa coisa que já estava presente no PPREPS, com enunciado e propostas de estudo etc. Isso foi objeto de um trabalho feito no GAP [Grupo Assessor Principal], pelo [Alberto] Pellegrini [Filho] e Roberto Nogueira, que se dedicaram ao levantamento da literatura científica das publicações sobre recursos humanos até aquele momento, uma literatura conhecida da BIREME, afinal, de todo o sistema de referência bibliográfica disponível sobre recursos humanos. Algumas iniciativas que nós fizemos na preparação de docentes para o chamado de Módulo Dois do antigo projeto CADHRU, era um módulo sobre pesquisas em recursos humanos, acho até que tinha esse nome. A outra iniciativa foi criar o projeto Observatório [de Recursos Humanos em Saúde], que é uma idéia de começar a criar uma capacidade de investigação e de interação científica entre pares e, ao mesmo tempo, com atores sociais que não são do campo científico, para fortalecer e conferir legitimidade científica, política e técnica para a área de recursos humanos. Acho com o projeto Observatório a gente está fechando um ciclo de iniciativas que compõem esse projeto.


GH – A pergunta é até interessante, porque o senhor estava falando sobre como é que o Observatório entrava nesse processo da história da cooperação. Acho que é interessante você falar sobre isso. Qual seria sua avaliação? Pois, estou pensando numa avaliação mais longa da tua experiência em relação aos investimentos, as quantas relações com universidades que você estabeleceu nos últimos 30 anos, com os programas de pós-graduação e com a graduação etc. Porque nesse processo, você tem um avanço enorme em relação ao aprendizado institucional, sobretudo no fato desses projetos se replicarem nas práticas do campo específico na área de serviço, do planejamento e gestão etc. Quer dizer, essa contraparte seria acadêmica, considerando-a de maneira misturada o tempo todo, porque na verdade muitas vezes os personagens são os mesmos que passaram pelas secretarias. Voltam para os núcleos de pós-graduação, dão aula na graduação, porque isso não aconteceu ainda.


JP – Eu publiquei um artigo há uns anos atrás, não sei se foi na revista do CEBES, não me lembro agora o título do artigo, mas era uma coisa tipo assim 'Desafios para os gestores do SUS'. Porque essa área é uma área maldita. Quer dizer, maldita em que sentido? No sentido de que ela foi um problema que não quer ser reconhecido pelos gestores. Ninguém tem um problema de recursos humanos, o problema é sempre do outro. Eu não tenho problema de recursos humanos, porque o problema é o governo que não tem uma política de recursos humanos. Todo problema que não tem dono fica sem solução o tempo todo. Então, o grande problema de recursos humanos é que ele não é reconhecido como problema de ninguém. Isso rebate como na academia? Por quê os acadêmicos gostam de publicar ou de falar sobre outros campos da Saúde Pública? Porque quando eles vão apresentar um resultado, todo mundo olha e acha aquilo uma maravilha. O sujeito faz uma investigação e descobre uma técnica mais refinada para um diagnóstico qualquer, mesmo que seja um problema raro, e vai apresentar de qualquer forma, aquilo recebe a atenção de todo mundo, porque todo mundo acha que aquilo é importante. Isso faz parte de um conjunto de valores que são atribuídos a determinados campos de conhecimento e à certas áreas. Na área de recursos humanos há uma negação desse valor, porque é um problema que ninguém quer assumir a solução dele, o enfrentamento dele é que as pessoas querem tomar decisões que resolvam o seu e a suas circunstâncias. Se isso vai resultar em conseqüências no futuro, aí é outra coisa. É aí que entra a desqualificação da área de recursos humanos, tanto no campo dos serviços de saúde, quanto no campo da academia, porque ninguém quer se envolver com esse problema. Quer dizer, para quê eu vou levantar o problema se hoje dois terços da força de trabalho do Sistema Único de Saúde é contratada à revelia da lei? O Ministério Público que vem advogando a legalidade ou a legalização dos contratos de trabalho do SUS está sendo demonizado. O Ministério Público que foi uma das grandes conquistas da Nova Constituição é talvez, um dos poderes do Estado Democrático Brasileiro mais importantes hoje. Mas, no campo da saúde, ele está sendo aos poucos demonizado. Porque ele é o demônio que vem nos acusar de estar contratando pessoal irregularmente. Então, para quê eu quero saber qual é a situação real desse problema no país? É preciso ter um certo grau de coragem para colocar essas coisas em cima da mesa. Eu acho que isso também está mudando. Essa situação é igual há dez anos ou vinte anos atrás. A situação há vinte anos atrás era, de forma muito caricatural, assim, “eu sei como resolver o problema de recursos humanos”, há vinte anos atrás. Todo mundo sabia, qualquer secretário ou ministro, sabia como era. Há dez anos atrás a situação mudou completamente, “não sei e tenho raiva de quem sabe”. Agora, eu acho que nós estamos em uma terceira etapa, “não sei, e quero saber como é”. Haja vista a decisão que a Secretaria de Recursos Humanos atual do ministério, que tem o nome de Gestão do Trabalho de Educação, está fazendo com os Observatórios, “eu não sei, mas quero saber”, “eu não sei a solução, mas quero colocar essa discussão na praça”. Em segundo lugar, está ocorrendo uma coisa que eu acho que é muito nova hoje, que é a participação das representações dos próprios trabalhadores nesses processos. Depois de vinte anos, terminada a ditadura, nós ainda temos, na área da saúde, uma restrição muito grande, quanto à participação dos trabalhadores na gestão das organizações. Essa proposta que está aqui hoje, em vigor, na Fundação Oswaldo Cruz, como gestão participativa e gestão do trabalho, é uma coisa rara, não são todas as instituições que estão fazendo isso. A maioria das instituições ainda tem a mesma proposta do tempo da ditadura. Associação de pessoal, de sindicato, de corporação é uma coisa maldita, que só atrapalha a gente. Essa cultura anti-participativa está instalada como padrão doutrinário cultural. A Justiça do Trabalho não admite, até hoje, a Justiça, o Poder Judiciário não reconhece pacificamente a negociação coletiva do trabalho no setor público. Hoje, a gente não nota essa posição da Justiça, porque o Executivo no Brasil, tem um poder muito grande e o governo [Luiz Inácio] Lula [da Silva] está fazendo de conta que não está nem aí para a opinião do Judiciário sobre a legalidade ou não da negociação coletiva. Ele implantou o sistema de negociação coletiva e está acabado, é um fato consumado. Agora, cadê o sistema? Ele está funcionando e produzindo resultados? Porque as relações de trabalho têm por base a lei e quem decide é o sistema legal. Então, as mesas de negociação estão muito mais, no momento atual, como um exercício pedagógico entre gestores e trabalhadores, do que como um sistema efetivo de definição das relações de trabalho, porque elas não valem na justiça. O que vale é isso, ou contrata do jeito que está na lei, ou é ilegal, e acabou.


JC – E nessa área de negociação e trabalho que a OPAS tem desenvolvido algum projeto de cooperação com o Estado, a Secretaria de Saúde?


JP – Tem vários. A primeira iniciativa da cooperação técnica da OPAS é a assessoria às secretarias na incorporação de planos de carreiras, cargos e salários. A segunda iniciativa foi a promoção de seminários, de debate sobre a negociação coletiva do trabalho. Então, nós já temos publicações da cooperação técnica, desde 82, sobre negociação coletiva do trabalho. Eu acho que essa é uma das áreas que hoje, em cima dessa acumulação, da mobilização de trabalhadores no governo do PT [Partido dos Trabalhadores] que está avançando. Porque hoje, há um princípio que diz que a administrarão pública tem que trabalhar com as representações coletivas dos trabalhadores.


JC – Paranaguá, nós lemos algumas coisas escritas por você. Com base numa entrevista que você deu para o livro da Unicamp, daquela equipe de pesquisadores, você ressaltou três sugestões para uma equipe que viesse a assumir o Ministério da Saúde, e ela veio a assumir em 2002?


JP – Eu não me lembro.


JC – Então, eu vou só dar uma reavivada nas três sugestões, uma é a ampliação do PROFAE para todas as habilitações de educação na área de saúde; a outra desenvolver a partir da experiência de pólo de Saúde da Família e do PROMED [Programa de Incentivo às Transformações Curriculares nas Escolas Médicas] uma proposta mais abrangente, sistematizada do incentivo; e a terceira era fortalecer o papel da autoridade sanitária no processo de regulação de recursos humanos. O que o grupo ficou se perguntando, quando a gente estava discutindo essas suas três sugestões, foi se essa sugestão partiu do consultor da cooperação técnica de recursos humanos - se a gente pode fazer essa separação, pode ficar a vontade para corrigir ou do especialista de recursos humanos?


FA – Pessoa jurídica ou pessoa física?


JC - A gente não consegue fazer essa separação. A outra pergunta é se essas sugestões foram de alguma forma incorporadas pela equipe do ministério, mesmo que não sejam seguidas as suas três sugestões que eles deram. Elas parecem muito semelhantes com algumas linhas que o ministério assumiu hoje.


JP – Primeiro elas são opinião do especialista e da acumulação das análises que eu venho fazendo esses anos todos, com um trabalho profissional, totalmente dedicado à esta área; é uma posição do consultor, a qual eu defendo dentro da OPAS. E só permaneço até hoje trabalhando na OPAS porque é esta orientação que é reconhecida pelo representante no escritório de Washington, como sendo o projeto da cooperação técnica da OPAS no Brasil. No momento em que a minha posição de especialista for diferente da posição do consultor da OPAS, eu tenho que sair. E nesse ponto eu não perdi a radicalidade que eu tinha quando eu era muito jovem ainda. Essa posição que eu ainda não perdi. Eu só faço uma coisa quando é coisa muito coerente com a outra. Quando eu faço coisas incoerentes, é porque eu não descobri a coerência, na hora em que descubro, eu dou um jeito de me retratar. Agora, quanto à essa coisa que corresponde às diretrizes atuais da SGTES [Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde], eu diria que não só corresponde, mas expressam exatamente as mesmas bases, o mesmo tripé do diagnóstico de saúde na área de recursos humanos em saúde que foi formulado pela equipe do PPREPS. Se você reparar aí, isso corresponde às três áreas do projeto PPREPS. Formar pessoal de nível médio, articular o ensino às profissões de saúde e a universidade com o serviço de saúde, e fortalecer a capacidade de gestão do poder público na saúde. Isso corresponde às linhas básicas da proposta da SGTES. Na ampliação do PROFAE para outras áreas, a transformação feita literalmente pela SGTES, acabaram os pólos de saúde da família. Hoje é uma orientação muito clara, o ministério não fala mais em pólos de saúde da família, mas fala em pólos de educação permanente. O PROMED só continua porque não é uma decisão unilateral do ministério. Ele é um projeto que foi costurado entre o ministério para ser, inicialmente, e posteriormente ampliado com todas as outras escolas médicas. Havia muita disposição e o interesse das vinte escolas iniciais de que o projeto não fosse extinto. A idéia do ministério era exatamente essa, incluir ou inserir os PROMEDs e os Pólos de Capacitação de Saúde da Família como elementos desses pólos de educação permanente. E a terceira é o desenvolvimento institucional das secretarias. O que está sendo dado ênfase nesse momento, é na criação do fortalecimento do lado da participação do trabalhador nesse processo, eu acho que era o lado fraco dos governos anteriores. Nesses governos se estimulava muito a capacitação de dirigentes, mas não havia abertura e nem propostas, embora também não houvesse um veto. Não havia uma promoção para capacitação de lideranças de trabalhadores e das organizações sindicais. Talvez um pouco com uma certa herança da ditadura, onde era proibido se trabalhar com sindicato. De 85 para cá, não era mais proibido, só que não existia essa prática. Ela foi assumida pelo PT, desde o começo, na área de saúde. A Secretária de Recursos Humanos do ministério, hoje, é uma pessoa desta origem. Ela entrou na Comissão Nacional da Reforma Sanitária como representante da CUT, da Central Única de Trabalhadores. Eu acho que ela está tendo exatamente uma atuação no desenvolvimento institucional que fortalece esse lado, o mais fraco. Inclusive, um dos grandes projetos que o ministério está promovendo com participação e responsabilidade técnica da ENSP [Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fiocruz], é um programa nacional de formação de negociadores do trabalho em saúde, prevendo uma participação paritária num projeto inicial de 2 mil participantes, nesse curso de especialização à distância feito pelo EAD [Programa de Educação a Distância] da ENSP, em que metade, mais ou menos, dos participantes sejam gestores e metade sejam lideranças sindicais ou representantes sindicais. Eu acho que isso é o lado do desenvolvimento institucional que está aparecendo mais hoje na instalação de mesas de negociação em várias secretarias que já foram inauguradas. Eu acho que o que está se fazendo é aquilo que o momento requer, com uma diferença muito importante, em relação ao problema que eu já antevia, eu só estava esperando que acontecesse, tratava-se da autonomia das instituições nacionais em relação à cooperação técnica da OPAS. Hoje, já temos gente que participou de seminários e de discussões promovidos ou não pela OPAS, ou por iniciativas daqui, de acolá, de modo que hoje o ministério e várias instituições podem formular esse projeto sem ter uma participação direta da OPAS. O que o ministério preserva é o interesse pela participação da OPAS no ponto de vista institucional, para a legitimidade e para o reconhecimento científico e político que a Organização tem. Não acho que haja necessidade de consultoria, de um especialista da OPAS, ou particularmente minha ou de qualquer um de meus colegas de Washington, nesses projetos que estão sendo promovidos hoje pela secretaria. Essa é a base. Nós temos um problema de pessoal técnico, de pessoal universitário, e um problema de capacidade de gestão e de ineficiência da gestão com desperdício de recursos e perdas de oportunidades.


FA – Os grandes problemas identificados na década de 70, em um certo sentido, permanecem em grande extensão?


FIM DA FITA 7/LADO A



FITA 7/LADO B


CH – Como se deu a relação do GTC [Grupo Técnico Central], depois GAP [Grupo Assessor Principal], a partir de 75 com a cúpula da OPAS? Em 75 o [Héctor] Acuña assume a direção da OPAS, que se estende até 83, essa mudança de direção implicou em mudança de rumo do próprio grupo técnico? Enfim, como é que era a relação com essa cúpula da Organização?


JP – Era uma relação de tolerância muito positiva. A OPAS vive um problema recorrente que é o dilema entre praticar cooperação técnica e assistência, qual é a diferença entre uma coisa e outra? A cooperação técnica significa estabelecimento de relações de intercâmbio, de mobilização de conhecimento e experiências, que são realizadas nos países. Diversas iniciativas da OPAS têm apontado nesse sentido. A experiência brasileira, da qual estamos tratando nessa entrevista, talvez tenha sido a experiência mais duradoura, e mais radical de cooperação técnica. Mas o dilema está dado, a Organização até hoje fala muito que tem que deixar, “não pratica mais a assistência”, mas continua sendo uma Organização de assistência técnica. A OPAS tem mais consultores em Washington, do que nos conjuntos dos países, quer dizer, uma organização que tem esta composição de pesquisa e técnica, é uma organização de assistência técnica. Porque é um modelo. Ele é realizado da seguinte forma: tem um país necessitando de um especialista, vai alguém lá, passa um tempo, ajuda a resolver o problema e volta para a sede. Inclusive, são termos que fazem parte do vocabulário, da cultura da Organização, chamar os países de campo, o lugar onde os especialistas da sede vão à campo ajudar a resolver o problema. Então, esse é o dilema entre cooperação e assistência. Como esse é um projeto de cooperação, que os consultores ou a direção da organização.... O que poderia ser feito com a experiência brasileira, seria aprender a utilizar os recursos desenvolvidos para o fortalecimento de relações com outros países, ou seja, estender a experiência da cooperação técnica no Brasil, feita em um universo de 27 estados, contando o Distrito Federal, para um universo de 36 países membros da Organização, com problemas muito semelhantes, num contexto histórico e cultural próprio de cada um. É claro que a Nicarágua tem uma história e um momento político que é totalmente diferente do Rio Grande do Norte. Mas essa mesma diferença ocorre entre o Rio Grande do Norte e o Rio Grande do Sul. Agora o quê me interessa intercambiar entre uma experiência realizada no Rio Grande do Norte e no Rio Grande do Sul ou entre o Rio Grande do Norte e a Nicarágua? A proposta que estamos querendo avançar seria a seguinte: a OPAS conseguisse aprender alguma coisa com essa experiência de 30 anos da cooperação técnica em recursos humanos, na questão de como estender os processos desenvolvidos com dezenas de instituições no Brasil, para incluir dezenas de instituições do restante da América Latina nessas redes de cooperação. Por isso, nós estamos redefinindo, o programa de cooperação em recursos humanos, já há alguns anos, não é mais um programa de recursos humanos, é um programa de cooperação técnica em redes. Esse é o projeto chamado de Redes Colaborativas. Só que isto não está na instância de poder da técnica do programa hoje. Eu acho que a sua questão tem uma atualidade e uma propriedade fundamental nas decisões que a OPAS vai tomar no futuro. Nós estamos no momento de negociações entre a direção de Washington e a Fiocruz, para criar um programa de descentralizado de cooperação técnica onde a Fiocruz recebe uma delegação da organização para estabelecer, promover e estimular processos de cooperação entre instituições do Brasil e de outros países, no campo da educação técnica, no campo da investigação de recursos humanos, no campo da formação em saúde pública internacional e no campo do desenvolvimento doutrinário da reforma sanitária. Em tantas coisas que estão avançando no Brasil, graças ao modelo de sistema, a organização sanitária é uma delas, apesar de ser muito desconhecida pelos outros países da América Latina. Nós somos um país grande e temos o hábito de desconhecer o resto do continente, até pelas dificuldades de comunicação física em que nós vivemos intensamente nesses 400 anos de história. Quer dizer, ultrapassar a floresta Amazônica e dialogar com os países que estão do outro lado da floresta Amazônica era um desafio. A novela que está passando é bem ilustrativa nesse sentido, como é que a gente cria uma comunicação com a Bolívia. A Bolívia doou um território enorme para o Brasil, em troca, entre outras coisas, de um pedaço de 40 km de estrada de ferro, quer dizer, há uma dificuldade de comunicação no Brasil. Nós somos de uma cultura portuguesa, embora sejam países muito vizinhos, a cultura portuguesa é completamente diferente da cultura espanhola. Haja vista o quê que foi o Império português do 'Além Mar' e o quê foi o Império espanhol da Rainha Isabel. Quer dizer, são coisas totalmente diferentes. É só ver o que foi a Inquisição no Brasil e a Inquisição nos outros países, especialmente no México. Enfim, o Brasil tem diferenças culturais e dificuldades de comunicação com os outros países, nós praticamos uma negação desses problemas, 'não, hermanos de latinoamerica somos todos iguais', somos nada, estamos todos meio separados deles mesmo. Eu acho que a ausência da instância de cooperação central da Organização nessa experiência brasileira, é muito grave, até hoje de todas as experiências realizadas com muito proveito no Brasil, poucas delas têm sido utilizadas como processos, ou mecanismos, ou métodos de cooperação técnica pela OPAS em outros países. Isto está um pouco dentro desta conjuntura. É nesta conjuntura que ocorre essa tradição de ambivalência, de dificuldade que a OPAS tem, entre ser uma instituição de cooperação e uma instituição de assistência técnica. A abertura para os programas foram, inclusive, iniciativas da direção em Washington, que promoveu e patrocinou a criação do projeto aqui no Brasil, não foi só o Brasil, foi o diretor do programa em Washington, que, por acaso, era brasileiro. No entanto, ele era uma autoridade em Washington, José Roberto Ferreira, foi ele que teve a percepção de apoiar a criação deste projeto. A convivência pacífica e tranqüila: “ah, o GAP do Brasil faz o que quer, eles também tem o dinheiro do próprio governo para trabalhar. Então, nós não precisamos nos preocupar com eles”. Nós conversamos várias vezes com o Zé Roberto sobre isso. No tempo em que o Zé Roberto era coordenador do programa em Washington, eu ia sempre às reuniões do grupo de assessores de recursos humanos, eu participava e interagia muito, mas era muito clara essa posição, “Está bom, lá vocês podem avançar porque vocês trabalham em articulação com o governo, o governo tem dinheiro, dá dinheiro para a OPAS, e não sei o quê. Mas, nós temos que cuidar dos outros países”. Então, essa situação não pode persistir. Eu acho que não faz sentido. O Brasil, mesmo na área de recursos humanos, eu acho que em outras áreas essa situação, ainda é mais radical, o Brasil precisa muito pouco de assistência técnica da OPAS. Por quê? Porque o Brasil tem os maiores centros de referência em todas as áreas de conhecimento na América Latina. A maior instituição de pesquisa na área biológica, na área de ciências sociais em saúde, na área de produção de insumos e etc, a Fiocruz. Não tem nenhuma instituição para baixo do Rio Grande, do porte da Fiocruz. Qual é a experiência equivalente à Agência Nacional de Saúde, a ANS, lá na América Latina? Não tem. Então, se a gente promover uma articulação entre a organização hospitalar dos outros países e a experiência que está sendo acumulada pela ANS e pela ANVISA [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] no Brasil, ela será muito valiosa para os processos de cooperação. Para isso, é preciso que o modelo de cooperação que a OPAS pratica hoje, coordenada por Washington, se transformasse nesse modelo experimentado no Brasil durante 30 anos na área de recursos humanos. Com um projeto que, onde a OPAS faz uma função de mobilizar, de organizar processos de cooperação, e, quando necessário, e o momento exige, atuar, meter a mão na massa nesses processos.


CH – Você está dizendo que a OPAS precisa mais da cooperação técnica, do que a cooperação técnica precisa da OPAS.


JP – Eu não quis dizer isso. O quero dizer é que a OPAS precisa mudar sua prática e a sua proposta de assistência técnica para cooperação técnica. E não adianta pensar que você vai fazer cooperação técnica sem instituições que sejam centros de referência. A situação particular do Brasil é essa, com vantagem, do ponto de vista comparativo, em termos de política externa. O Brasil tem interesse em patrocinar esses projetos, porque é uma decisão de política externa brasileira, com intuito de fortalecer os laços de cooperação em tudo quanto é lugar, no campo militar, no campo estratégico, no campo político, no campo universitário, no campo de serviços de saúde, com qualquer país da América Latina. É uma proposta de política externa desde o governo militar, e que está sendo muito enfatizada no governo Lula, inclusive, com medidas muito concretas no plano da diplomacia e de alguns dos ministérios. Eu estava comentando com o Fernando [Pires] ontem, uma proposta do Ministério da Ciência e Tecnologia que criou um programa de incentivo ao desenvolvimento científico e tecnológico na América do Sul. Ele financia com recursos nacionais, os projetos de cooperação envolvendo pelo menos três países e seis de suas instituições. Você pode financiar com recursos brasileiros, um programa de cooperação técnica envolvendo, dois, ou três, quatro, cinco países, desde que formulem projetos de interesse comum entre eles. Então, o quê a OPAS tem que fazer? Aproveitar essas oportunidades e fazer alianças estratégicas com uma organização como a Fiocruz, que tem todas as capacidades e que está em um momento ideal. Quer dizer, tem um presidente, o Paulo Buss, que conhece muito e tem uma profunda simpatia pelas organizações internacionais, como a OPAS e a OMS [Organização Mundial da Saúde]. Ele está em um segundo mandado com uma proposta totalmente legitimada no plano jurídico. Então, eu acho que esse é o momento, que nós temos que fazer essa proposta avançar. Isso não está mais comigo, estou apenas compartilhando dessa idéia, sugerindo e me dispondo a trabalhar os últimos anos da minha atividade, como funcionário público, porque dentro de quatro anos, eu estarei me aposentado nessa proposta.


FA – A tua experiência no programa de cooperação, ela perpassa, pelo menos de forma bastante intensa em três governanças na própria OPAS; a de Acuña, Carlyle [Guerra de Macedo] e [George] Alleyne?


JP – E agora é a Mirta [Roses Periago].


FA – Qual é a tua experiência com esse processo de sucessão dentro da Organização? Que tipo de oscilação existiu, como é que se administra a posição de um programa de cooperação nacional essa mudança de direção na OPAS?


JP – Infelizmente, eu acho a Organização muito estável, muda o diretor, e por mais que ele formule propostas muito diferentes e estabeleça um elenco de diretrizes e de desafios que devem ser enfrentados, a burocracia da organização e a inércia da organização é muito forte. Eu acho que ela neutraliza boa parte das boas intenções, pelo menos dos três diretores, que eu convivi de forma mais íntima. O doutor Acuña não cheguei nem a conhecê-lo pessoalmente, o vi em duas ou três oportunidades, mas sem nenhuma conversa pessoal. Já o Carlyle foi diferente, pois convivemos intensamente entre oito ou sete anos. Foi exatamente o período em que ele próprio se preparou e se lançou como candidato a diretor da Organização. Nesse momento eu já o conhecia. Durante os 12 anos de seus três mandatos, ele teve um papel muito importante na preservação desse projeto nacional de cooperação, a despeito da turbulência causada no início da gestão dele. Ele tomou posse e negociou, e foi acordado entre a OPAS e os três ministérios a reestruturação do projeto de cooperação técnica. Embora isso tenha sido um processo turbulento e muito tenso. De fato durante os 12 anos de sua gestão, toda a Organização sabia que esse projeto foi criado e coordenado por ele durante esse período. Era uma espécie de assim: “Ali ninguém pode mexer, sem autorização explícita do diretor”. Ele sempre viajava aos países, inclusive ao Brasil, nós sempre tínhamos a oportunidade de conversar com ele sobre as iniciativas que estavam sendo tomadas, um pouco aquilo era o aval político para que a gente continuasse trabalhando nessa linha, com o respaldo de Washington que era muito forte nesse sentido. O diretor sempre apoiou o coordenador de recursos humanos, que era o José Roberto Ferreira. Agora, o problema é “não mexe, deixa com eles lá agora”. Até que ponto você consegue realmente utilizar a experiência de um país e fazer com que essa experiência seja absorvida pela organização como um todo, é aí que está o desafio. Estou trabalhando hoje exatamente com o José Roberto Ferreira, nessa proposta de convênio com a Fiocruz, que aliás, foi uma iniciativa sugerida a atual diretora pelo José Roberto Ferreira. Eu estou só querendo dizer que não existia uma ausência, uma contradição entre Washington e Brasília interditando a cooperação técnica. O problema é muito mais do plano de adoção das práticas e dos métodos de cooperação que foram aprendidos e desenvolvidos no Brasil, e que não passaram das fronteiras brasileiras. Mas esse é um problema de isolamento que o Brasil tem. Ninguém sabe o que é a reforma sanitária brasileira, ninguém sabe direito o que é SUS, ninguém sabe nem que existe uma ANVISA no Brasil e na maioria dos países.


FA – A burocracia de Washington é extremamente refratária a isso?


JP – Não, Washington sabe e conhece. Agora, não existem nos outros países.


FA – Mas, digo refratária à incorporação de experiências inovadoras?


JP – Não é refratária, a questão é que eles vivem uma demanda muito grande de assistência técnica de muitos países. E o problema de você trocar o pneu da bicicleta andando é um desafio que ninguém quis fazer ou assumir até agora. Tem um desafio de assistência técnica, em vez da gente está respondendo a esse desafio com consultores de Washington, porquê que nós não montamos uma estratégia para responder a esse desafio com centros de referência na própria América Latina? Isso é um problema também de ordem psicológica, é auto-mutilação. Porque ninguém gosta de praticar. Você mudar a assistência técnica para cooperação técnica e isso significa que você tem que mudar o perfil da composição do trabalho especializado na OPAS. Em vez de ter 50% ou 60% de consultores em Washington, vai ter 10%, significa que boa parte do pessoal que está em Washington, tem que ser mudado de sede. E isso não é um problema que seja deliberadamente assumido pela direção não. O Carlyle foi para Washington com essa proposta de inverter esse modelo, passou 12 anos lá e não conseguiu. Com ele existe uma associação de pessoal, existe toda uma tradição, quer dizer, é a inércia e a burocracia, ou seja, a organização que se assumiu assim. Não é fácil as organizações mudarem, as pessoas para mudar passam 10 anos fazendo análise e depois chegam à conclusão que precisam mais de 10, para conseguir fazer alguma mudança.


CH – Você tinha uma tradição sanitária no Brasil, já importante, talvez carecessem outras realidades em que, talvez, uma assistência técnica seria muito mais conveniente do que um projeto de cooperação? Talvez o investimento seria muito maior?


JP – É o que eu digo, mudar do modelo de assistência técnica feito pela OPAS, pela oficina central, para o modelo que mobilize cooperação técnica entre centros de referência nos próprios dos países, é uma decisão que está na pauta. Estamos esperando que ela seja assumida pela diretora da Organização, em termos de decisões administrativas e práticas. Porque do ponto de vista político, ela já assumiu o discurso de posse todas as reuniões com os gerentes da Organização, os representantes e os coordenadores de programas, na sede em Washington e nos países. A linha de trabalho que a OPAS quer fortalecer, já está definida como cooperação técnica descentralizada com base em países. Agora, entre a intenção e o gesto, estão dificuldades políticas e organizacionais, a inércia e a burocracia, e também o tempo. O tempo, como diz o doutor Giovani Frota da novela, “o tempo ruge e a Sapucaí te espera”. Então, daqui a pouco acaba o mandato e a gente não mudou.


FA – É, eu gostaria de fazer uma pergunta também com relação a experiência da cooperação técnica em recursos humanos no Brasil. Ela produziu uma inteligência na concepção e produção de tecnologias educacionais, até para dar suporte ou promover meios para a condução desses projetos que envolveram, em algumas ocasiões, a formação de largos contingentes de trabalhadores de saúde. Eu gostaria de ver um pouco essa experiência, se houve a participação articulada do CLATES [Centro Latino-americano de Tecnologia Educacional], depois do NUTES [Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde]. E também e de saber como é que foi o desenvolvimento e a utilização de tecnologias educacionais eventualmente inovadoras no âmbito da experiência da cooperação técnica?


JP – A cooperação dada pelo CLATES foi até muito rigorosa e muito importante, mas ela tinha um componente de tecnologia hard, muito grande. Era a idéia de tecnologia de incorporação de equipamentos tecnológicos nos processos didáticos. Tratava-se de uma idéia de recursos audiovisuais que era o forte nessas propostas. É claro que isso era o produto visível dessa proposta porque, conceitualmente, sempre foi a idéia de que a cooperação em tecnologia educacional estava muito mais no núcleo do problema, que não era o recurso audiovisual, mas a cabeça das pessoas. Tem um diagnóstico muito claro dessa situação dada por uma pessoa que se aposentou recentemente na OPAS e que durante uma certa fase, esteve trabalhando muito com o CLATES, que era o [Henri] Jouval. Antes de ir para a OPAS, o Jouval dizia que o grande problema da tecnologia educacional era que as pessoas queriam saber como era que a tecnologia educacional ajudava a fazer a mesma coisa de forma mais rápida para sobrar tempo para a pesquisa e para as outras coisas, ou como é que eu dou um curso mais, com menos trabalho, eu perco mais tempo com ensino de graduação, no caso da universidade. Então, essa maldição da visão da tecnologia, por quem está recebendo a cooperação em tecnologia educacional. Isso sempre existiu. Eu acho que o NUTES que foi o lado nacional do CLATES, que perdurou até hoje. Hoje ele é um centro de referência, um núcleo de pós-graduação importante da UFRJ, que sempre trabalhou com essa dimensão da tecnologia leve e do conhecimento. Ultimamente, inclusive com o surgimento da informática e dos milagres que a gente pode fazer com ela e a telemática, o NUTES dando um salto nesse processo de cooperação, ajudando inclusive a oficina de Washington a responder às demandas de assistência técnica em vários países, através de projetos de cooperação que são estabelecidos entre o NUTES e esses países em algumas áreas. Acho que isso poderia ser muito mais intensificado. Já é expressivo, entretanto poderia ser mais ampliado ainda. Na representação em Brasília, nós trabalhamos muito pouco com essa dimensão da tecnologia educacional. Procuramos trabalhar com o desenvolvimento de modelos pedagógicos e de currículos. Essa foi realmente à contribuição mais científica do que tecnológica.


FIM DA FITA 7/LADO B



Entrevista 8

Início da página

PROJETO:

HISTÓRIA DA COOPERAÇÃO TÉCNICA EM RECURSOS HUMANOS EM SAÚDE NO BRASIL


Data:

22 de fevereiro de 2005


Depoente:

JP – José Franscisco Paranaguá de Santana


Entrevistadores:

CH – Carlos Henrique Assunção Paiva

FA – Fernando Pires Alves

GH – Gilberto Hochman

JC – Janete Lima de Castro


Nº da Entrevista:

 

Código: 8 / 8


Transcrito por:

Andrea Ribeiro – setembro 2005


 

FITA 8/LADO A


JP – [..] de capacitação.


FA – E qual é o segredo?


JP – Essa proposta do currículo integrado. Quando, como é que você muda o processo de trabalho através de uma experiência pedagógica? Porque a experiência pedagógica do currículo tradicional ou da pedagogia baseada na transmissão do conhecimento, o produto desse processo é o próprio conhecimento. Eu sei mais coisa do que antes do curso, eu tenho um elenco de conhecimentos que eu adquiri e que eu não tinha antes do curso. Quer dizer o quê eu aprendi adicionalmente durante um período de um curso. Agora, no currículo integrado o que eu faço é, eu mudei o processo de trabalho, eu instaurei uma nova relação entre a equipe com as pessoas, mudei os instrumentos de trabalho, os equipamentos de trabalho, quer dizer, e o segredo do currículo integrado é esse. É como é que você organiza um processo que embute tudo isso junto. Então, exemplificando com o caso do GERUS [Gestão de Unidades Básicas de Saúde], o GERUS é o quê? É um curso. Tá bom. Mas é um curso onde está embutido toda uma estruturação do papel de vigilância à saúde, de responsabilidade pública com a saúde, da rede de unidade de saúde do município. Ou ele é entendido desse jeito, ou é só um cursinho. É o que eu chamo a versão BR, do Brzinho, aquele jipinho da Gurgel, que parecia um carrinho com motor de geladeira, né? Então, ponha um motor de geladeira no carro e sai o Gurgel BR, né? Então, tá bom, você pega e faz um projeto que tem potencialidades muito maiores e dá ele como um curso, é uma opção. Então, pega mate... A metodologia da OPAS e faz isso. Então, nós desenvolvemos isso e aplicamos de forma sistemática pra a formação de técnicos de nível médio, que é o currículo que inclusive tá hoje adotado pelo PROFAE [Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem], né, pelas escolas técnicas. É, fizemos isso com o curso de especialização de enfermagem em Saúde Pública que foi oferecido pela UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais] durante uns dez anos e foi interrompido. Parece que no ano passado, com o projeto de especialização em gerência de unidades básicas de saúde, o de especialização em recursos humanos, sua metodologia foi desenhada para equipe Saúde da Família, não é? Então, essa eu acho que foi a contribuição, de método educacional importante que nós desenvolvemos nesses anos, como parte desse projeto de cooperação. E uma experiência que, hoje, é compartilhada por muita gente, experiência desenvolvida conjuntamente com essas pessoas. Hoje, se você disser, como é que nós vamos fazer um currículo igual ao do GERUS pra a área hospitalar? Primeira coisa que tem que fazer é pegar as pessoas que trabalharam, três, quatro, oito vezes com o GERUS em vários lugares. Eu sou o que menos tenho acumulação nesse período, porque depois que eu trabalhei intensamente dois anos, em 92, 93, com essa metodologia, eu praticamente tenho borboleteado nos vários cursos por aí, participado de negociações políticas entre as instituições e tal. Mas eu não estou mais no dia a dia dessa proposta pedagógica, né? Então, se eu fosse chamado pra fazer um projeto equivalente ao GERUS para a área hospitalar, quem ia trabalhar nessa proposta é o grupo aqui da ENSP [Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fiocruz], que trabalha com o GERUS, é o pessoal de São Paulo que fez essa experiência de titular, 500 pessoas, lá na Secretaria Municipal de São Paulo, não é? São as pessoas que trabalharam com esses projetos mais recentemente e que têm mais 'appeal' hoje nesse momento com essa proposta. Não se trata de uma coisa que eu desenvolvi, e que eu agora posso sair vendendo, e oferecendo, passar o resto da minha vida trabalhando com esse 'know how'.


FA – Eu queria aproveitar que você destacou, digamos assim, a riqueza da experiência com relação à essa posição de metodologias pedagógicas. Digamos assim, seu grande desenvolvimento, digamos que possa ter sido resultado dessa experiência. Você, nos momentos em que você tocou essa questão você destacou a importância de Izabel [dos Santos], como uma das pessoas que de alguma maneira contribuíram fortemente pra essa aquisição, qual é a tua experiência de lidar com Izabel? Que parece ser uma pessoa tão peculiar e tão importante na experiência no conjunto do GAP [Grupo Assessor Principal].


JP – Se você perguntar, talvez pra todas as pessoas que participaram do GAP, qual foi a personalidade mais marcante de todo o grupo, eu tenho a impressão que todos vão concordar comigo, é a Izabel, né. Tem uma série de características, ela tem uma disposição muito grande pra conversar a respeito de idéias, de participar de coisas que aparentemente não têm nada a ver com aquilo que ela está fazendo naquele momento. Você chama e ela se dedica a trabalhar, tem um senso de compromisso com as idéias, o que elas têm, seu sentido, uma aplicação, um valor social, do compromisso com as coisas muito forte, né? É de uma radicalidade ética rara, extremamente rígida com a responsabilidade pública, com as coisas públicas, né, com os compromissos, né? Então, são características pessoais. Além disso, é uma pessoa de, eu acho, de uma inteligência rara, não é? Essa inteligência que é assim: aprende tanta coisa e é capaz de dialogar muito com a gente, de apontar questões que você se descuidou. Enfim, ela é uma pessoa que ajuda muito, quando você pede pra ela participar de uma proposta de trabalho, e também tem uma capacidade de fazer as coisas, de organizar, quer dizer, uma liderança organizativa. Ela não trabalha sozinha, ela não faz nada sozinha. Ela só trabalha com os grupos. Ela sempre está desenvolvendo coisas junto com outras pessoas e toda experiência de aprendizado que ela vai fazendo na cabeça dela. É como se ela tivesse a necessidade de que esta convivência com essa experiência fosse compartilhada com os outros também. Quer dizer, eu só conheci uma pessoa que foi capaz de modificar tanto as minhas próprias idéias como a Izabel, porque eu sou uma pessoa talvez muito teimosa, muito auto-suficiente e tal. E tive uma experiência muito marcante com a Izabel, de que ela não cansava de retrucar e de contestar e de apontar falhas ou possibilidades ou alternativas do meu próprio pensamento. Eu acho que são características muito interessantes pra um trabalho de equipe, e com uma experiência muito grande. Ela, talvez, era a pessoa de todo o grupo que tinha experiência mais sólida em serviços de saúde. Ela era mais velha do que todos nós, tinha tido uma experiência muito grande no Vale do Rio São Francisco, quer dizer, todas as unidades da fundação SESP [Serviço Especial de Saúde Pública], ao longo do Rio São Francisco, praticamente foram organizadas ou implantadas por ela, no início dos anos, aí por volta dos anos 50. É, teve uma experiência muito grande no Mato Grosso, em realidades assim muito diferentes. Depois, em Pernambuco, ajudou a criar muitos dos cursos de enfermagem de todo o Nordeste. E, quando foi então pra Brasília, ela tinha toda essa acumulação, essa experiência prática, esse aprendizado de vida, né. E o restante da equipe era um grupo com uma experiência de serviços de saúde muito menor, ou então muito especializada. O Danilo [Prado Garcia], que era uma pessoa que sempre viveu com o Ministério de Saúde, era um cirurgião. Ele tinha muitas horas, mas de centro cirúrgico e consultório, não é? O Carlyle [Guerra de Macedo], Carlyle, era técnico da SUDENE [Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste], trabalhou em projetos, foi secretário de saúde. Agora, tinha uma vivência de serviços de saúde, muito menor do que a dela, muito menor, não é? E estava trabalhando nos últimos anos em consultoria internacional, no Chile, em Cuba, quer dizer, eu tinha, quando eu fui trabalhar lá, tinha uns cinco anos de experiência e muito, localizada só em Planaltina, em Brasília, não é. E, então, experiência de trabalho em serviços de saúde, quem tinha muito, era Izabel.


FA – Você já a conhecia, quando chegou a ...


JP – Não, eu conheci a Izabel, quando ela era já funcionária lá da OPAS em 8... 76, por aí, porque eu participei da reunião de lançamento do PPREPS [Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde] como convidado, né? Eu fui convidado por ser coordenador do Projeto Planaltina, e por trabalhar com Frederico Simões Barbosa, talvez. Até por isso, porque trabalhava com Frederico Simões Barbosa, me convidaram também pra participar dessa reunião, porque era reconhecido como um projeto de integração docente-assistencial, embora não tivesse na lista dos projetos que iam ser apoiados pelo PPREPS, não é? É, então, eu participei dessa reunião, e acho que conheci a Izabel nessa oportunidade, ou logo depois, não me recordo mais quando foi. É... e de toda a equipe do PPREPS, a pessoa com quem eu interagi mais foi com ela, em termos assim, de fazer trabalhos junto, não é. Grande parte do que eu fiz nesse trabalho tinha a parceria, a participação dela, junto comigo, não é. Eu acho que o que eu ajudei ela no projeto que era o motivo do interesse dela, que era a educação técnica, era muito menor do que o que ela me ajudava na área de integração docente-assistencial. Aliás, ela detestava esse negócio de integração docente-assistencial, porque ela achava que ia ser muito difícil mexer, era muita perda de tempo, não é? Ela achava que, ou você desenvolve... É por isso que eu digo, a idéia dela era sempre essa, ou você desenvolve currículos que sejam adotados, novos métodos curriculares que sejam adotados pela universidade, ou nem adianta ir lá conversar. Porque o que a universidade faz, a gente já sabe o que é, são os cursos com a pedagogia da transmissão do conhecimento. Ela, não, não, não... renuncia nenhuma crítica sobre essa pedagogia, como eu. Eu, até pelo contrário, eu costumo ressaltar para as questões que eu acho que têm que mudar, que tem que passar uma nota, nada disso. Acho que a pedagogia da transmissão do conhecimento, ela tem sido de uma eficiência fantástica, foi ela que garantiu o papel da universidade em 300 anos, muito parecido, não é? Tanto que as universidades mais famosas são as mais antigas e têm estruturas muito semelhantes há 200 anos atrás. Os critérios que norteiam a administração acadêmica são muito semelhantes hoje, do que 200 anos atrás. Qualidade, conceito de qualidade, qual é a missão da universidade é muito estável, não é? Agora, para um problema especifico que é mudar um processo de trabalho, essa pedagogia não ajuda. Não é capaz, ela serve pra outras coisas, mas não serve pra mudar o processo de trabalho. Não adianta, eu pego um cara daqui, tiro ele da equipe, mando fazer um curso de especialização na universidade, ele volta, o máximo que ele pode fazer é se desestruturar naquele grupo e ir pra outra equipe, ou perder a vez, porque mudou a conjuntura política, e o cargo que ele tinha já é de outro agora. Então, os problemas do curso, da oferta convencional da universidade são esses. Então, a posição dela era muito essa, e eu durante muitos anos trabalhava sem perceber essa dimensão. Quando eu percebi isso, eu deixei de trabalhar com a idéia de integração docente-assistencial, com projeto IDA, com isso, aquilo outro. Comecei a me dedicar a fazer esses currículos, porque aí, eu chego em uma universidade e tenho uma proposta, disse: “olha, você faz assim, topa fazer assim? Ah, como é?” Aí vamos e tal, discutimos e tal. E, no fim, o cara descobre que aquilo não tem nada de imposto, de externo, é ele que tem que criar. Foi o depoimento que o [Oswaldo] Tanaka deu, no final do curso do GERUS em São Paulo, na frente de 600 pessoas, disse: “eu mudei. Antes eu achava que não era viável fazer isso, agora eu estou aqui”. Ele começou como coordenador do curso pela USP [Universidade de São Paulo], terminou encerrando o curso como Subsecretário do Estado de São Paulo, que é o cargo que ele ainda está até agora e deu esse depoimento público. Disse: “se eu não acreditava que isso funcionasse. Funciona, e eu acho que a Faculdade de Saúde Pública deve continuar usando esse método”.


FA – É a última pergunta.


JC – Das diretrizes? Ele já apontou...


FA – Diagnóstico em mudança, não é? Não sei se você considera isso respondido já. Paranaguá, mas, a certa altura do seu depoimento, você disse de alguma maneira, que ainda havia muita dificuldade de provimento dos recursos humanos necessários, sobretudo no que concerne à gestão, não é? Isso era um dos diagnósticos apresentados pela ocasião da própria formulação do PPREPS. Quer dizer, então, muita coisa mudou, provavelmente, mas, um pouco a pergunta é assim: quer dizer que aquele diagnóstico original, ele foi substancialmente mudado?


JP – Olha a natureza do diagnóstico não mudou, o que muda são as características, as peculiaridades, porque, veja, há 20..., há 30 anos atrás, nós tínhamos um problema de falta de pessoal, tá bom. Nós tínhamos 62 mil médicos no Brasil, no início dos anos 70. Faltava médico no Brasil. Continua faltando, o PSF [Programa da Saúde da Família] estancou em 20 mil médicos, não passa disso, não consegue, chegou ao limite, não dá e nem tem médico pra trabalhar no PSF. E, no entanto, nós já temos hoje 320 mil médicos no Brasil. Então, o problema é: falta pessoal profissional, falta. A mesma coisa que faltava há 30 anos atrás, com outras características. Hoje nós temos muito mais claro, qual é o tipo de médico que nós precisamos, que nós achamos que falta. Antes era assim, médico. Agora não, hoje tem médico para trabalhar na estratégia de saúde da família, médico que aceite trabalhar dentro das regras de administração pública, das emergências, anestesistas que não pratiquem lobby, e nem negociem selvagemmente com as instituições públicas a venda do trabalho de anestesistas, e por aí vai. Hoje já tem mais claro, tem não é? Mas continua um pouco a natureza do problema, a falta de pessoal de nível médio, ainda falta. As metas do PROFAE não foram cumpridas, dentro dos quatro anos previstos pro projeto de formação de pessoal auxiliar, de técnicos, não é? Algumas metas foram ultrapassadas, a previsão original do PROFAE na... formação de técnicos com segundo grau, e técnicos de enfermagem, eu não tenho os dados precisos, mas parece que já foi até ultrapassado em relação a meta original. Agora, o problema é esse: você continua com falta de pessoal qualificado nos hospitais. Os hospitais estão cheios de gente que trabalhando nos serviços de enfermagem, ou com outras variações, porque a organização do processo de trabalho escamoteou essa caracterização do trabalho de enfermagem. Hoje existe uma série de nomes e nomes novos, dados nos hospitais, principalmente hospitais, estou falando dos privados, pra descaracterizar a natureza do trabalho de enfermagem, pra que possa contratar pessoal sem qualificação. Quer dizer, hoje, o problema talvez tenha se transmutado numa complexidade maior. Mas, ainda existe o problema da falta de pessoal.


CH – Além da concentração de médico nos grandes centros, não é? É outro velho problema.


JP – Outro velho problema, quer dizer, hoje nós temos desafios assim muito grandes no campo da regulação das profissões. Mas o que era um problema de pouca visibilidade, até tinha uns especialistas na época, ninguém sabia direito, um pouco a Cecília Donângelo já contava esses problemas e tal. Mas não eram uma coisa... Que hoje está tão patente, não é? Haja vista essa luta aí que está, entre a aprovação da lei do ato médico e a oposição de todas as outras corporações, não é? Então, hoje existe uma disputa por nichos do mercado de trabalho, em um modelo corporativo como o brasileiro, muito grande. Diferente de outros países que tem um modelo mais aberto, de regulação profissional, não é? Nos Estados Unidos, o cara que quiser abrir qualquer botequim e botar a proposta terapêutica que ele quiser, ele pode. Agora, tem uma coisa, se o cara achar que foi prejudicado por ele, ele vai na Justiça, o cara passa o resto da vida escravo dele. Então, é um sistema de regulação diferente. Aqui não, você faz a regulação cartorial, o cara cria um curso superior, cria um conselho profissional federal, por lei federal, pronto, ele tem autorização da rainha pra matar, ou aleijar, ou fazer o que quiser. Ou vender ilusões, né?


GH – Bom, Paranaguá, nós estamos, enfim, aqui na oitava hora da sua entrevista. A gente, eu acho que tem, enfim, muitas outras coisas que a gente pode vir a conversar. Eu acho até, também, não descarto no projeto, seja no curto prazo com resultado ainda esse ano, ou seja no longo prazo, voltar com outra entrevista com você, mas a gente tem que criar, enfim, também deixar registrado, agradecer a sua colaboração, paciência em ouvir perguntas, sua disponibilidade de tempo pra dar essa entrevista. A nossa tradição é, em geral, é pra deixar gravado também, entrevistar pessoas que já saíram dos objetos, né? Você está, enfim, ocupado com ele, né? Então eu acho é importante também a gente registrar. Então, te agradecer a entrevista.



FIM DA FITA 8/LADO A



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