Rede observatório. Recursos Humanos em Saúde

Estação de Trabalho OBSERVATÓRIO HISTÓRIA E SAÚDE

Entrevistas

Roberto Passos Nogueira

Entrevista Completa


OBSERVATÓRIO HISTÓRIA E SAÚDE
Rede de Observatório em Recursos Humanos em Saúde do Brasil - ObservaRH
Casa de Oswaldo Cruz - Fiocruz

Entrevista 1

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PROJETO:
HISTÓRIA DA COOPERAÇÃO TÉCNICA EM RECURSOS HUMANOS EM SAÚDE NO BRASIL

Data:
1 e 2 de Março 2005

Depoente:
RN – Roberto Passos Nogueira

Entrevistadores:
CH – Carlos Henrique Assunção Paiva
JC – Janete Lima de Castro

Entrevista:
Código: 1/4

Transcrito por:
Andrea Ribeiro – Setembro de 2005

FITA 1/LADO A

CH – Projeto “História da Cooperação Técnica em Recursos Humanos em Saúde no Brasil”. Entrevistado: Roberto Passos Nogueira. Entrevistadores: Janete Castro e Carlos Henrique Assunção Paiva. Hoje é dia 25 de julho de 2005. Doutor Roberto, Roberto, se me permite?

RN – Roberto, por favor.

CH – Como combinado, a gente vai começar a nossa entrevista versando sobre a sua formação. O início dela. Então, eu queria que o senhor falasse um pouco sobre o sua vida como aluno na Universidade Federal do Ceará. O senhor se forma em 73, não é?

RN – Em 73.

CH – Como é que foi a sua vida na faculdade?

JC – Por quê Medicina?

CH – Por quê Medicina, não é?

RN – É, olha, eu, como muita gente, escolhi Medicina, não pela própria Medicina. Eu queria fazer psiquiatria, psicanálise. Então, minha primeira opção, ao entrar na faculdade, era essa a minha visão, de futuro, como médico, era entrar para o campo psi. Mas, aí, já no primeiro ou segundo ano, eu estive frequentando certos hospitais psiquiátricos e, até com contato com os professores de psiquiatria, eu me dei conta de que essa era uma... No Ceará, naquele contexto, aquela época, fazer essa opção não era algo que, digamos, que batesse com o meu coração. Então, eu desisti. Logo no terceiro ano, eu já tinha, já banido essa idéia de fazer psiquiatria ou psicanálise. Enfim, você sempre tem a psiquiatria porque, é o hard,, da medicina. Mas, você, acha que ao se formar por ali, você vai chegar na psicanálise. Na época, nos anos 60, 69, 70, com o contexto político geral do país, afetando as próprias possibilidades culturais, de formação. Veja bem, o Ceará era muito província ainda. Então, eu não, não, encontrei um canal por aí, na área de psi. Pelo contrário, todas as minhas experiências batiam em coisas que não me agradavam, que era a realidade do hospital psiquiátrico repressivo ainda. Apesar de todo esforço que a gente via, por parte dos médicos, mas era uma coisa repressiva ainda. Então, essa, não tinha, o movimento de desospitalização psiquiátrica, todo esse movimento que se fez, junto com o próprio movimento sanitário, na década de 70. Não tinha começado, não é? Então, eu não tive nenhum canal que me sensibilizasse para fazer entrar, efetivamente, na área psíquica. Aí, passei um período meio perdido pensando até em fazer clínica mesmo. Mas, me sentindo pouco apto para a clínica. E eu estudava muito filosofia, estudava um pouco de informática. Já, na época, não é? Aí, comecei a indagar coisas sobre o processo de raciocínio médico. Como é que o médico, ao encontrar o seu paciente, pela primeira vez, como é que ele desenvolve um processo para chegar a um diagnóstico sobre a situação do paciente dele? Enfim, essa coisa indutiva, do processo de raciocínio médico. Bem, aí, eu escrevi alguma coisa, e mostrei para um professor meu, professor Paulo Marcelo Martins Rodrigues, que, aliás, hoje a Escola de Saúde Pública do Ceará leva o nome dele. Mas, na realidade, era um grande clínico. Ele não era ligado diretamente à saúde pública. Ele, ao ver o meu artigo, disse assim: “ó, Roberto, você tem que fazer Medicina Social. Está aqui”, foi a primeira coisa que ele disse. E a segunda foi: “ó, vamos escrever, vamos reescrever isso aqui, nós dois”. Então, aconteceu dele me indicar, né, para o Hésio Cordeiro.

CH – IMS [Instituto de Medicina Social/UERJ]?

RN – IMS, Nina Pereira Nunes, que eram colegas dele de clínica. Porque, esses dois e outros lá. Tinham um passado, tinham experiência de clínica também. Então, ele conhecia todo o grupo da Medicina Social do Rio de Janeiro. Eu não tinha a mínima idéia, entendeu? De que existisse essa possibilidade de integrar a análise da Medicina com a perspectiva social, entendeu? E assim, quando eu cheguei no sexto ano, começamos a escrever esse artigo e, logo depois que eu me formei, portanto, depois do internato, fui fazer a residência de Medicina Social, na UERJ [Universidade do Estado do Rio de Janeiro]. E lá, nós terminamos o artigo e publicamos,. Tem uma revista aí, um artigo chamado O Processo de Raciocínio, ou melhor, Fundamentos do Processo de Raciocínio de Diagnóstico Médico. Então, já, aí eu tinha feito uma opção, meio às escuras, para fazer essa tal da Medicina Social. Que, depois, vai chamar Saúde Coletiva. Na época, só era Medicina Social mesmo. E só entrava para fazer mestrado, quem era médico. Depois, já no mestrado, nós tivemos alguns colegas não-médicos, como no caso da Sônia Fleury, que foi colega nosso, de algumas disciplinas. Mas, não estavam autorizados a receber o diploma de Medicina Social. Então, eu fiz a residência em Medicina Social. E, logo depois, ingressei, junto com um grupo todo, de gente, que hoje é bastante conhecida, a começar pelo presidente desta instituição, o Paulo Buss, que foi meu colega; Márcio Almeida... Enfim, um bocado de gente, que depois, ficou bem conhecida. Cada um em sua área de competência. E tinha um pessoal internacional. Então, foi assim, foi assim que eu fiz a minha aproximação, foi meio tortuosa desde o início. Da área psi para alguma coisa interessada em filosofia. Na época, também queria fazer algum curso de filosofia. Tentei, me matriculando na PUC [Pontifícia Universidade Católica], quando cheguei no Rio. Mas, desisti logo no primeiro ano. Joel Birman estava fazendo Filosofia na PUC... Mas, essa foi a minha entrada. Então...

CH – Então, o seu interesse pela, vamos dizer assim, área psi antecedia o seu ingresso à medicina?

RN – Perfeitamente, antecedia.

CH – E o quê, na verdade, motivou esse interesse pela psiquiatria? Família? O pai...

RN – Não, eu acho que não. Eu acho que foi uma coisa assim, digamos, era uma pessoa que desde os meus 13, 14 anos lia muito, não é? Aí, fui fazendo um percurso entre estudo de religião, estudo de psicologia. Psicologia, eu me interessava muito mais por [Carl Gustav] Jung, do que por [Sigmund] Freud, por exemplo. Lia bastante Jung, naquela época, que era quase... Aliás, nem estava editado em português. Pegava em espanhol, não é? Mas, digamos assim, foi uma coisa meio casual. Talvez mais pelo meu interesse no estudo de religião, religiosidade, entendeu? Os arquétipos, acabei: “É por aqui que eu vou. Vou fazer o... Vou me formar em uma área psi, quem sabe, foco em psicologia junguiana”. Alguma coisa assim. Na época, é isso o que me levou, mas, puramente intuitivo, sem nenhuma influência de família. Porque, se foi influenciado pela família, foi a idéia de fazer Medicina. Porque pensei em fazer Psicologia. Mas minha mãe disse: “não, faz Medicina, porque da Medicina, você sai para qualquer coisa que você quiser”. Minha mãe, em geral, era uma pessoa muito, muito dura. Mas, nisso, acho que ela acertou. Entendeu? Que eu hoje, eu posso ser qualquer coisa. Quer dizer, na realidade, com a área me abre pra muita coisa. Na época, não tinha essa idéia. Eu achava que só tinha, ou a clínica médica, pura, ou a área psi. Depois é que eu fui descobrindo, com a Medicina Social, quantos campos de indagação, de pesquisa, você tem dentro disso que nós chamamos hoje de Saúde Coletiva.

CH – Um processo de descoberta, não?... Sobre ele, ainda, queria que o senhor falasse um pouco sobre sua entrada na IMS, que é em 75, não é?

RN – Eu entrei em 74. Na verdade, eu terminei em 73. Vim para o Rio e fiz a residência em Medicina Social, em 74. E, em 75, eu já estava no mestrado. Então, falar o quê, exatamente?

CH – Enfim, na verdade, o senhor estava fazendo parte das primeiras turmas, não é? De mestrado.

RN – É, eu fui a segunda turma, é.

CH – É, exato.

RN – Porque, a primeira turma começou em 73, que estavam Reinaldo [Guimarães], [João] Regazzi, o próprio Hésio Cordeiro, entendeu? Algumas pessoas assim, que eram praticamente os fundadores do Instituto, estavam fazendo a sua formação e, ao mesmo tempo, sendo professores. É o [José Carlos] Noronha, não é? Todos eles eram professores e alunos do Instituto. E, também tinha algumas pessoas de fora, chamados becários, da OPAS [Organização Pan-americana da Saúde], que eram indicados pelo Juan Cesar García, de Washington. Então, era um grupo de estrangeiros que se juntou ali, e formaram essa primeira turma. É o pessoal da primeira turma. E alguns deles, estou lembrando, foram muito meus amigos, na época. Nos articulamos muito. Eu estava fazendo a residência, mas, me ligava mais com uma turma...

JC – Esse pessoal já era da OPAS?

RN – Tinha um bolsista, mas tinha a ver com.... É,eles eram da OPAS.

JC – Da OPAS?

RN – Da OPAS. Eles vinham, digamos, eles eram de Honduras, da Costa Rica, de vários países, Peru. E eles vinham fazer a residência. Perdão, o mestrado em Medicina Social. Havia nessa época no México, Xochimilco, que estava começando também. E o Rio de Janeiro. Então, os dois mestrados apoiados pelo...

CH – Pela OPAS.

RN – Pelo Juan Cesar García, pela OPAS, pelo Zé Roberto [Ferreira] e tudo mais.

JC – Espera aí, deixa eu fazer só uma pergunta sobre os becários, que a gente vai voltar a eles na sua trajetória. Só para não perder essa idéia. Seriam vários, digamos, becários de vários países, dos distintos países de que você me falou aí, significava que a OPAS estava investindo numa formação de Medicina Social nesses países.

RN – É.

RN – O que é que acontecia de discussão nesse investimento? Você tem algum conhecimento sobre isso? Quer dizer, o que é que levou a esse investimento da OPAS, pela sua própria missão, natureza? O quê? Tem alguma política definida nisso?

RN – Olha, na realidade, veja bem, nós estamos falando de um programa de recursos humanos em Washington.

JC – Washington, não é?

RN – Na época, a OPAS tinha uma coisa que, depois, praticamente foi extinta, que eram as bolsas para cursos especiais. Em geral, especialização, ou pós-graduação stricto sensu, em outros países. Eles tinham uma perspectiva de formação de pessoal em áreas estratégicas. E, uma delas, talvez a mais importante, porque tem as áreas clínicas também, era a saúde pública, saúde coletiva, medicina social, como se chama, não é? Cada um chama de um jeito. E bem, essa era uma política, que estava muito ligada ao nome do Juan Cesar García, certo? Então, feito numa iniciativa dele que, digamos, foi se constituindo, inclusive, o mestrado, o próprio mestrado, aqui no Rio de Janeiro. As articulações iniciais que foram feitas, e aí tem toda uma história, da questão da formação em Medicina Preventiva e Social e seminários internacionais, de Viña del Mar e tudo mais, toda uma formação, vamos dizer, mais crítica, e a introdução de Ciências Sociais em Saúde. Que era, digamos, uma grande novidade. Aparecia nessa época, nos anos 70, no começo dos anos 70, certo? Porque, o que se tinha antes era uma coisa muito mais médica, propriamente dita, mais higienista, mais preventivista, coisa de médicos para médicos. É nos anos 70 que começa ter a perspectiva de que as Ciências Sociais em Saúde dariam uma outra visão. Quem atuava nesse campo dessa coisa aí que se chama Medicina Social, Saúde Coletiva, hoje. Então não existia com esse nome, Saúde Coletiva, não é? Era uma coisa muito brasileira. É então uma linha inovadora, vamos dizer assim. Que se inicia nos anos 70, em Xochimilco e UERJ, no Rio de Janeiro. Não, não havia nenhum precedente, nenhum mestrado, certo? Em que você pudesse trazer, formar os professores e formar os alunos, porque era necessário educar o educando. Não tinha, não tinha gente. Então, havia a USP, que estava se iniciando também, com a Cecília Donnangelo, o professor... Esqueci o nome dele. Mas, ainda, eram grupos pequenos, muito débeis. Então, estava ainda no processo de formação de quadros. 72, 73, 74, 75. Então, eu sou da segunda turma, certo? Mas, fui o primeiro a defender tese na UERJ no mestrado. Por uma eventualidade. Quando terminei os meus créditos, fui para Brasília, aí tive um interregno lá, de tempo, assim, uns três meses, em que fiquei desempregado, ou praticamente desempregado. E eu pude me dedicar a minha tese, terminar primeiro do que as pessoas da primeira turma. Então eu fui a primeira tese da Medicina Social, minha tese se chamava “A Formação Social das Práticas Médicas”. É uma história que tem a ver com o relacionamento entre a cirurgia e medicina interna, da Idade Média até o início do século XIX, com a fundação da clínica. É uma tese, basicamente, de História Social da Medicina. E isso me tomou muitos anos. Muitos anos não, dois anos exatamente, precisos. Foi de 75-76, me dediquei a estudar muito na Biblioteca Nacional de Medicina, aqueles livros que falavam da História da Medicina. Então a minha iniciação por aí foi mais um interesse nessa área da Saúde Coletiva, foi um interesse pelo lado da História Social.

CH – Bom, eu pergunto o seguinte: a gente sabe que a OPAS, a Fundação Kellogg, não sei mas quem, patrocinou a criação da IMS. O que foi exatamente esse patrocínio? Quer dizer, há pouco o senhor falou que o Juan Cesar García, quem ainda dirigia os recursos humanos na OPAS, sugeria nomes para trabalhar no IMS...

RN – Certo.

CH – E o quê mais?

RN – Trabalhar não, fazer curso.

CH – Fazer curso, isso.

RN – É o seguinte, Carlos, veja bem, o coordenador de recursos humanos em Washington, era o Zé Roberto Ferreira, está aqui na Fiocruz atualmente. Então, ele tinha toda uma linha de Educação Médica. Inclusive, uma revista chamada Educação Médica e Saúde [Educacion Medica y Salut]. Então, era uma linha oficial, na época. A linha de Educação Médica se desdobrava em duas partes. Uma, que tem a ver com as ciências básicas, sabe? Apoiava, digamos, pesquisas de ponta ou linhas de ponta em desenvolvimento de recursos humanos. Patologia, por exemplo, Botucatú, USP, uma série de iniciativas, como São José do Rio Preto. Ribeirão Preto, tinha toda uma escola inovadora na área de currículos integrados para a formação de médicos mesmo. A idéia de se integrar o currículo, acabar com aquelas disciplinas totalmente separadas. Então, esse interesse, o José Roberto já tinha trazido da Universidade de Brasília. Certo? Mudanças curriculares na formação dos médicos, certo? E isso, ele levou para Washington. Essa linha foi apoiando, várias, várias iniciativas no continente, para sair daquele ensino tradicional, muito disciplinar, que se tinha na medicina. E o Juan Cesar García, que era argentino, ele quando foi pra Washington, ele já tinha um interesse muito grande na área de Ciências Sociais em Saúde. E aí, ele se direcionou mais para o apoio aos mestrados de Medicina Social, Medicina Preventiva, certo? Na América Latina. Então, isso aí se tornou, também uma linha dentro do programa que o Zé Roberto dirigia, na época. Então, desde o início dos anos... Final dos anos 60, início dos 70. Então, é parte, mais que nada, da perspectiva da formação médica. Certo? Porque, em geral, Washington, o programa de Washington, tinha dois ramos: um forte, que era o da formação médica, currículo médico; e um menos forte, que era o da formação de enfermagem. Até hoje, é assim. São as duas disciplinas com as quais eles trabalham. Quer dizer, eles podem fazer um trabalho com odontologia, certo? Mas, essas duas, eles sempre tiveram. E, o interesse, na medicina, se desdobrou em interesse na Medicina Social. Nessa perspectiva a entrada das Ciências Sociais, como sendo, a grande, digamos, a reviravolta na perspectiva das políticas de saúde, políticas médicas. Isso coincide, aqui, com a formação de vários grupos, não só da Medicina Social, mas também do grupo do Sérgio Arouca, em Campinas.

CH – Foi seu orientador, não é?

RN – Foi meu orientador. 72, 73, o Arouca estava começando a formular a tese de doutorado dele, né. E, enfim, ele foi inovador nesse aspecto de trazer essa perspectiva das Ciências Sociais, [Michel] Foucault... Toda essa parte de epistemologia, dentro de uma perspectiva anterior que era muito, muito preventivista clássica. Apesar de que a medicina é mais colocada numa linha de atendimento de massa, não é? Mas, ele traz essa perspectiva mais crítica que vem através desses autores ligados à Filosofia, às Ciências Sociais. Acho que foi a inovação desses anos. Então, quando se criou o mestrado na UERJ, já estava aí, presente, essa orientação. Tanto é assim que, o Juan Cesar, uma das coisas que o Juan Cesar fez lá foi, não só favorecer a chegada dos becários, desses bolsistas, mas trazer grandes vultos, que vieram visitar aqui, na época. Como o próprio Foucault. Ele, em 75, Ivan IIlich também. Então, eram os gurús! Naturalmente, o Foucault não era tão conhecido, como veio a ser posteriormente, mas, ele já era uma grande expressão da Filosofia, nessa época. Então, foi uma oportunidade única para nós, alunos, ter contato com esses revolucionários do pensamento.

CH – E as conferências que ele deu no IMS foram publicadas na Educação Médica e Saúde, não é?

RN – E as conferências foram... Justamente com a iniciativa do Juan Cesar, foram publicadas, não é?.

CH – Depois, vai se transformar em “A Microfísica do Poder”.

RN – Aí, depois, vai virar, né. E eu tive a oportunidade também de ter professores excepcionais, ligados a essa linha de interpretação, como Roberto Machado, não é? Eu e o Paulo Buss fomos colegas das aulas do Roberto Machado. Na época, a gente lia literalmente, não é? O “O Nascimento da Clínica”, entre outras obras do Foucault. Mas, o centro mesmo da disciplina dele era “O Nascimento da Clínica”.

CH – Pois é, já que a gente está tocando nesse aspecto, podia... Foi um bom tempo de IMS, mestrado e doutorado, não é?

RN – É, três anos.

CH – Quais foram os professores ou os personagens que mais, digamos mexeu com a sua trajetória profissional? Ah, Isso inclui com quem você conviveu, professores, e também, alunos, leituras, não é?

RN – Olha, eu digamos, de professores assim, eu não posso dizer que tenha pessoas marcantes mesmo, digamos assim, que tenham me influenciado, como aconteceu no Ceará, desse meu professor, Paulo Marcelo Martins Rodrigues, me influenciar, no sentido de direcionar a minha trajetória dentro do IMS. Até porque, todo mundo estava, mais ou menos, em processo de formação. Madel Luz estava na França, chegou já no final da minha graduação no mestrado, o José Luiz Fiori estava chegando do Chile. Chegou, acho que foi em 76, não é isso? Mas ainda estávamos em processo de acomodação. É, mas, então, eu não posso dizer assim, que eu tive influências intelectuais fortes dentro do Instituto, por causa disso. A minha influência mais forte foi o Sérgio Arouca, que ele, enfim, foi meu orientador de tese e, enfim, não posso dizer que ele tenha estado comigo desde do início. Mas, nós viemos, em 76, a participar do PESES, Programa de Estudos Sócio-Econômicos em Saúde, em que ele era coordenador do PEPPE [Programa de Estudos e Pesquisas Populacionais e Epidemiológicas], que era a metodologia, e o PESES, na ENSP. Então, eu entrei junto, com, com Sônia Fleury, e outras pessoas, para esse grupo do PESES. Aí, nós começamos a fazer uma pesquisa muito interessante, o dialogo era super interessante sobre o trabalho médico. É uma pesquisa sobre o trabalho médico.

JC – Que dizer, para essa pesquisa, como o trabalho médico te leva para a área de recursos humanos? Ela é que te puxou, ou você já estava na área a partir da dissertação?

RN – Pois é, acho que um duplo caminho, certo? Eu acho que teve a ver, sim, a reflexão sobre o trabalho médico. Em primeiro lugar, uma questão mais filosófica. O que é? O que é isso? Quais são as qualidades econômicas, sociais do trabalho médico? E, na época, havia toda uma reflexão sobre se o trabalho em saúde, ou o trabalho do médico em particular, criava valor ou não, agregação econômica, era esse tipo de coisa, não é? Assim, mais da perspectiva da economia política. E a gente discutia muito economia política, certo? A questão social, essa divisão social do trabalho e, enfim, os autores, era... Ah, todos esses, Foucault, “O Normal e o Patológico”, como é que chama?

CH – [Georges] Canguilhem.

RN – Canguilhem! Então, são essas pessoas aí. Perspectiva mais... Tanto social, sociológica, como filosófica. E eu na realidade, na época, o meu interesse maior era quase que historiográfico, certo? Passei muito tempo, por exemplo, lendo, por exemplo, Hipócrates. A coleção de pocket do Hipócrates, Biblioteca Nacional, não é? Que eu achava que aquilo ali seria muito interessante para a minha tese. Acabou não sendo porque eu tive que cortar a minha periodização e comecei na Idade Média. Com a guildas medievais, dos médicos cirurgiões. E aí, não dava para começar lá em Hipócrates, no século V antes de Cristo, não dava. [risos] E ir até a XVIII... Já era, muita, muita coisa, começa da Idade Média, final da Idade Média e ir até o século XVIII, não é? Então, na verdade, o meu interesse era muito em História da Medicina. Mas, tinha um lado da filosofia mesmo. Enfim, eu estava aberto pra tudo, uma curiosidade enorme.

CH – Sim, mas, o fato é que em 77, o senhor vai entrar na assessoria de recursos humanos do Ministério da Saúde, não é?

RN – É, em 77.

CH – Pois é, já é institucional, não é? Assim, qual foi o background, qual foi o caminho que permitiu, essa inserção?

RN – Olha, foi primeira coisa, uma certa aversão, meio intuitiva, à carreira acadêmica. Eu podia ter ficado, no Rio de Janeiro, ter tentado uma carreira acadêmica. Mas, isso de um lado. Mas eu tinha a sensação de que, é...

JC – Não ia dar.

RN – Não era coisa boa pra mim, que eu precisava conhecer outras coisas, outros mundos. Sabe aquela coisa “quero ver a realidade”? A famosa realidade. [risos] Esse mundo acadêmico é bom, é muito confortável, mas... E também, enfim, questões pessoais, familiares. Eu acabei indo, para Brasília. E a minha primeira indicação foi de trabalhar no PPREPS [Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde] mesmo. Quando eu fui daqui para Brasília, a Nina Pereira Nunes fez uma carta de apresentação minha para o Carlyle [Guerra de Macedo], certo? Então, quando eu saio daqui, no começo, de 77, já tinha uma carta de apresentação da Nina para o Carlyle. Aí, chego, lá em Brasília, mas o Carlyle não tinha como, ainda, me colocar lá. Eu não sei, acho que ele fez uma avaliação de que eu precisava um pouco mais de tempo. Aí, ele me indicou para uma assessoria no Ministério da Saúde, onde estava se criando um grupo muito pequeno, de três ou quatro pessoas, pra trabalhar com recursos humanos, certo?

CH – Quem era esse grupo? Quem fazia parte dele?

RN – Olha, se você me perguntar, agora nesse momento, eu esqueci o nome da chefe, mas... a memória me falha, mas, enfim, era uma assessoria na Secretaria Executiva do Ministério da Saúde, secretaria executiva, certo? Que... Stella Winge.

JC – Ah, Stella Winge.

RN – Certo? Que, se não me engano, não estou muito certo, era psicóloga. Estava montando um grupo para dar assessoria e coordenar as atividades de apoio aos recursos humanos, cursos de Saúde Pública, em São Paulo, que estavam sendo criados. Alguma coisa na área de estatísticas e de recursos humanos. Enfim, este foi meu primeiro emprego institucional puro, que eu tive lá. E, entre essa indicação do Carlyle e eu assumir esse trabalho, junto a Stella Winge, teve um interregno aí. Além do que, o trabalho lá não era muito pesado. Em 77, então, eu pude me dedicar à minha tese de mestrado. Então, rapidamente, terminei a tese. Certo? Por isso é que eu fui o primeiro a defender tese.

CH – Tem males que vem para o bem.

RN – É, exatamente. Fui o primeiro a defender tese por essa conjuntura favorável. Então, talvez, se eu tivesse entrado de cara no PPREPS, em 77, teria acontecido que, digamos, eu também não tivesse tido tanto tempo. O PPREPS, envolvia muitas viagens, o trabalho do PPREPS. Então, é isso aí. Não sei se eu esclareci.

CH – Aí, você fica um ano, não é?

RN – Aí, eu fico, um ano, um ano veja bem, mas aí, em 1977 e 78...

CH – Isso.

RN – Eu vou, eu vou coordenar um curso de Saúde Pública.


FIM DA FITA 1/LADO A

FITA 1/LADO B

CH – Continuando.

JC – Você estava falando do curso.

RN – Sim, aí, em 78, eu fui coordenar o primeiro curso descentralizado de Saúde Pública de Brasília. Eu saio dessa, quer dizer, toda essa assessoria, mas, só que eu assumo, um papel... Espera aí. Eu estou, eu estou enganado. Aí, foi em 77 mesmo, acho que no segundo semestre de 77. Eu já estava coordenando o curso junto com o João Yunes.

JC – Esse curso era ligado a quem?

RN – O João Yunes era Secretário de Programas Especiais de Saúde. O Seixas, José Carlos Seixas, era o secretário executivo, na época, certo?. A coordenação do curso, efetiva, ficou com o João Yunes, que, depois, foi secretário de saúde de São Paulo. Você conhece, não é? E eu fiquei como uma espécie de secretário executivo do curso. A gente fazia tudo, era responsável pelos contatos, a relação com os alunos, enfim, organizar o processo. E ele era uma pessoa de destaque dentro do ministério. Eu me reportava a ele, mas do que a Stella Winge, que era coordenadora de recursos humanos. Então, aí, nós tivemos o primeiro grupo formado em Saúde Pública, em Brasília. Agora, foi um curso muito importante. Por quê? Porque ele foi feito, basicamente, levando para Brasília essa perspectiva mais de medicina social, mais de saúde coletiva, introduzindo muito a demografia, introduzindo o curso de Antropologia. Enfim, Sônia Fleury esteve lá e, outras pessoas da Unicamp. Muita gente da Unicamp e da USP foi dar aula, através da influência, dos canais que tinha o João Yunes. Eles foram para dar esse curso, então, numa perspectiva também, assim, vamos dizer, inovadora. Por esse lado, uma análise mais sócio-histórica da área de Saúde Pública e da Medicina. E, tanto é assim que nós tivemos problemas com o SNI [Serviço Nacional de Informação], na época, porque eles achavam que nós estávamos trazendo professores subversivos. Houve, uma série de gestões, parecia que tinha olheiro do Serviço Nacional de Informações dento do curso, e o João Yunes teve que dar explicações porquê estava trazendo aquelas pessoas subversivas, de São Paulo, para dar curso no Rio. Enfim, mas, essa foi uma experiência boa, porque, enfim, eu tive contato com essas pessoas, e aí, foi, continuei, um pouco, na linha do mestrado, vamos dizer assim. Uma continuidade, trabalhando numa certa burocracia do curso, mas eu tinha, pelo menos, o prazer de estar ouvindo, todo dia, gente muito especial. E, bem, isso foi em 77. Em 78 terminou o curso e eu voltei a trabalhar na Secretaria de... Assessoria de Recursos Humanos, um pouco mais. Em 79, eu saio, do Ministério da Saúde e vou pro Ministério do Interior. Não está aí [se referindo ao seu currículo], talvez. Não está aí. Passou um ano.

JC – Está sim.

RN – Está aí?

CH – Está.

JC – “Ministério do Interior, Estudos Integrados na Bacia do Alto Paraguai”.

CH – Exatamente.

RN – Fiz um estudo, um estudo sanitário das condições sanitárias e assistenciais da Bacia do Alto Paraguai, que envolvia Mato Grosso do Sul, entendeu? Mato Grosso, enfim, Goiás, ali. É uma bacia grande, dentro de um rio, e tinha um projeto do Ministério do Interior, que estava fazendo um planejamento... Sabe que essa história... Você planeja e é você que tem que integrar todas as informações, urbanísticas, de educação, de saúde e tal, supostamente para ajudar, enfim, os financiamentos que estão vindo, não é? E eu tomei parte nesse projeto e foi muito interessante. Porque aí, eu pude trabalhar com economistas, com o pessoal que mexia com economia urbana, com educação, com a questão humana. E eu escrevi um livro que foi “Saúde e Desenvolvimento na Bacia do Alto Paraguai”. Certo? Em que nós aplicamos... Tem uma parte inicial, introdutória de diagnóstico de condições de vida, e de saúde, né. Que depois, foi muito utilizada, até no CADRHU [Curso de Aperfeiçoamento em Desenvolvimento de Recursos Humanos], uma parte desse livro, que foi utilizada. Mas, era basicamente um diagnóstico CENDES-OPS, esse método, método exaustivo, que é fazer diagnóstico das condições de saúde, dos serviços etc e tal. Então, nós aplicamos aquele método. Aí, fomos ajudados por uma pessoa da Fundação SESP [Serviço Especial de Saúde Pública], que era a Emengarda [?], doutora Emengarda....

JC – Uma branquinha, não é?

RN – É, dos velhos tempos.

JC – Eu já conhecia ela bem velha já. Quer dizer, bem velha não. Conheci ela já idosa.

RN – Emengarda.

JC – É uma branca de olho claro.

RN – E que...

JC – Ela fez CADRHU [Capacitação em Desenvolvimento de Recursos Humanos de Saúde], não foi?

RN – Fez CADRHU?

JC – Já estava perto de se aposentar, no CADRHU.

RN – No Rio de Janeiro?

JC – Não, ela fez, ela trabalhava na região nordeste?

RN – Não, era do SESP do Rio de Janeiro.

JC – Mas, Emengarda da Fundação SESP é muita coincidência.

RN – É muita coincidência. E um nome desse...

JC – Branquinha.

RN – É, pode ser que ela tenha ido para lá. Ela estava no Rio.

JC – Eu acho que era ela.

RN – Bom, Isso foi em 79. Em 80, há uma reprogramação, uma reestruturação do PPREPS, certo? E que, mais ou menos, o seguinte, o PPREPS foi criado como um convênio, inicialmente só do Ministério da Saúde com a OPAS. Em 80, tem um marco importante, em que eles ampliam e introduzem, o Ministério da Educação, certo? Com a idéia de começar a atuar na formação, dessa integração docente-assistencial, de nível médio etc e tal. E, eu não sei quando é que entra o Ministério da Previdência, mas, no final, se conformou um convênio tripartite, certo? Ministério da Saúde, Ministério da Previdência, Ministério da Educação com a OPAS. E bem, então, quando se formou esse grupo, o Carlyle me convidou, no começo de 1980, para compor o GAP [Grupo Assessor Principal], GAP.

JC – A gente tem, a gente também esqueceu, mas a gente tem isso, a gente tem isso.

RN – Grupo de Apoio...

CH – Porque era GTC [Grupo Técnico Central], aí, nos anos 80, vira GAP, não é?

RN – É, exatamente, era o GTC e passa a ser GAP. Vocês devem ter essa história. O Carlyle deve ter falado. Então, eu entro em 1980 para compor esse grupo, junto com [José] Paranaguá [de Santana]... O Danilo [Garcia] já estava, o César [Vieira] já estava, a Izabel [dos Santos] já estava. Na realidade, quem é aqui de novo, que são os novatos, eu e o Paranaguá, certo?

JC – Mas, você entra por quem no GAP? Como Roberto ou como instituição?

RN – Eu entro como Roberto, certo? Porque, esse projeto em que eu estava, no Ministério do Interior, já tava fechando, entendeu? E eu estava interessado e, enfim, apareceu a oportunidade, o Carlyle me convidou, para compor esse... Finalmente, veja bem, eu chego lá em 77, só em 80 é que eu entro para o PPREPS. A idéia é que eu compusesse desde o início, porque foi a minha indicação. Mas, não houve possibilidade ou o Carlyle achou que eu estava verde demais para compor o grupo, recém formado, recém graduado.

JC – Quem lhe contrata?

RN – Na época?

JC – Sim, para o GAP.

RN – Pelo GAP? Eles tinham um mecanismo muito interessante, bom, em termos salariais, que era o seguinte: os recursos repassados pelos ministérios, eles iam, além de subvencionar os projetos estaduais, eles mantinham esse GAP com uma remuneração, como se fosse servidor, como se fosse funcionário de carreira da OPAS.

JC – Ah, sim. Então, você ingressa na OPAS.

RN – Ingresso na OPAS, com contrato de nível internacional, não é?

JC – Certo.

RN – E nós ganhávamos em dólar, na época.

CH – Depois, vai ter, vai gerar problemas, não é?

RN – Depois, vai gerar problemas.

CH – Nós vamos explorar isso mais... Mas antes, com relação ao famoso método CENDES-OPS, tinham figuras importantes na América Latina, no Chile, o venezuelano, Mario Testa, não é? E o que foi exatamente isso? Eu já ouvi críticas duras, uma certa algoritimização das políticas de saúde. Qual o impacto que isso produziu nessa geração, na sua geração?

RN – Na verdade, eu estava já pegando a rebarba, praticamente o final dessa... Da aplicabilidade desse método, porque já havia sido criticado.

CH – Criticado, sim.

RN – Por quê? Porque ele é considerado um método muito rígido, muito burocrático de fazer planejamento. Então, você tinha que fazer diagnósticos exaustivos, viu, Carlos? Então, é aquele negócio assim, você vai pegar todos os dados de morbidade, mortalidade, de uma área, vai pegar tudo que de serviços produz aquela... Quais são os recursos humanos em cada unidade. E isso implicava em se aplicar formulários, de cidade em cidade, de local em local, para saber quantas unidades, quantos leitos, entendeu? Então, era um diagnóstico integrado, dentro do serviço de saúde, mas, extremamente exaustivo e caro, certo? E quando você terminava, você tinha aquele mundo de dados, né. Aí, você perguntava assim: “como é que, como é que eu integro isso aqui, não é?”.

JC – Aí, era o problema.

RN – Aí, era o problema, porque você... Naturalmente, esse método deve ter sido feito para condições em que os dados eram precários. Em outros países da América Latina você não tem um sistema de informação, tipo IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] etc e tal. Você tem que ter uma... Mas, não se fazia nem por amostragem, se fazia no universo. Tomava o universo e catava a informação do universo. Então, de vez em quando, cheguei lá, na Bacia do Alto Paraguai, eu já tinha a maçaroca de informação, já tinha sido feito anteriormente. Eu fui visitar uns dois ou três municípios. Eu comecei, pelo menos, a realidade do campo, não é? O famoso campo, porque não posso só pegar toda essa informação e juntar, porque, quem fez, chegou em um ponto que não sabia como dar continuidade. Tinha aquela informação toda... Aí, eu procurei dar uma interpretação, um referencial teórico para aquela informação, que depois, foi colocada no livro, uma série de determinações sócio-econômicas das condições de saúde na Bacia do Alto Paraguai. E falar na morbidade, na mortalidade, na prestação de serviços nessa região. Não muita coisa, mas, mesmo assim, deu um livro. Eu não tenho mais esse livro, mas eu acho que na época, nem sei qual foi a utilidade dele, mas ele foi publicado pelo Ministério do Interior. Uma monografiazinha, foi isso. Espalhada por aí. Então, como eu digo pra você, foi uma coisa exaustiva, anti-econômica, burocrática. Por quê? Porque fica alguém lá em cima, achando que se você pegar informação do mundo todo, você vai ter uma boa compreensão. Não é assim.

CH – Mas, aí, eu pergunto o seguinte: se você - aí é uma opinião minha - você não acha que isso vai ter uma interface com a questão de recursos humanos, por exemplo? A idéia de que você tem que preparar profissionais qualificados o suficiente para não só produzir os dados, mas também, para lê-los, não é? O que vai ser uma tônica, pelo menos, da retórica da OPAS nos anos 60, não é? É formar pessoal auxiliar sim, mas também, do outro lado, a cúpula, gente capaz de produzir dados. Tinha-se alguma ciência de que, de fato, não tinha, não havia dados quantitativos, né? Não havia dados sobre a América Latina.

RN – Exatamente. Então, isso tem a ver com o famoso Plano Decenal de Saúde para a América Latina.

CH – 1961.

RN – Que foi feito em 1960 e... Acho que... Não sei quando, 66, 67, 68, tenho que perguntar lá para lembrar, não sei mais de cabeça. Mas, que tinha essa coisa, entendeu? Foi a Aliança para o Progresso. Mas, a idéia de que não se tinha informações. E, assim mesmo, eles fizeram um diagnóstico, desse tipo, exaustivo em alguns países, para o Plano Decenal. Foi Peru, Chile, México. Não me lembro quais foram os países. Mas, havia essa perspectiva sim, de que era super necessário ter uma informação adequada e que, enfim, eu acho que você tem razão ao lembrar que isso está tudo ligado. O método CENDES-OPS, e essa linha de planejamento normativo, meio burocrático, exaustivo, em matéria de estatística, não é? Que se tinha nessa época.

JC – Carlos, deixa eu fazer duas perguntas aqui, um pouquinho fora. Roberto, a gente, está querendo explorar um pouco com você, a OPAS e o GAP, né. Você é de um GAP, via OPAS. Os ministérios colocam dinheiro no GAP, onde permite esse tipo de contratação, via OPAS. A minha pergunta é a seguinte: o GAP era dentro da OPAS, ou a OPAS, simplesmente, sediava um grupo interministerial?

RN – Não, era o seguinte: o GAP funcionava com total autonomia, em relação aos ministérios. Os ministérios faziam um convênio e faziam termos aditivos a esse convênio, certo? Eventualmente, indicavam algumas pessoas, certo? Mas, essas pessoas passavam a formar um grupo interno a OPAS. Não era um grupo com identificação, que mantivesse pessoas com identificação ministerial. Como se fosse um comitê, uma comissão em que você mantém, ainda, a identidade da sua vinculação ao Ministério da Saúde.

JC – Era o grupo da OPAS.

RN – Era o grupo da OPAS, certo? Então, eu poderia ter sido indicado para o Ministério da Saúde, mas, eu estaria lá, como membro do GAP. Aí, eu faço parte de uma força tarefa independente, coordenada pelos mecanismos regulares da OPAS.

JC – Da OPAS.

RN – Certo?

JC – Entendi. Então, nessa época, Roberto, a gente já podia falar de cooperação técnica de recursos humanos na OPAS no Brasil?

RN – Certamente. Veja, nosso contra-passe, assim também, como era no ministério, foi um pouco essa experiência que eu tive lá na assessoria de recursos humanos da secretaria executiva, era basicamente uma cooperação técnica com as secretarias estaduais de saúde, certo? Então, a idéia de ampliar a capacidade de planejamento das ações de recursos humanos, formação de quadros, então, cursos, cursos e planos para a gestão de recursos humanos nas secretarias de saúde. Eu vou dizer, pouco se mexia com a questão de gestão de pessoal, pouco se mexia com essa parte. Mais, enfim, planejamento e gestão de pessoal, sabe, quadros internos, com forma de remuneração, desempenho. Não... Praticamente, não se falava, nessa época, nesse aspecto da gestão do trabalho. Logo depois, foi entrando essa temática, por conta das carreiras. No início, o nosso foco, era todo no processo interno de formação de pessoal para as secretarias estaduais, certo? Então, você tinha um sistema muito centralizado, que isso é pré-SUS [Sistema Único de Saúde]. Então, a nossa contra-parte eram as secretarias estaduais de saúde. Você deve lembrar dessa época, né?

JC – Que ano era?

RN – 70 e... 83, 84, 85.

JC – Não lembro não.

RN – Não lembra não?

JC – Não, é porquê eu estava...

RN – Por que entrou quando?

JC –Ah, saí da faculdade em 82, né? Aí, não...

RN – Bom, mas, então, a cooperação técnica era basicamente na linha educacional, basicamente para nível médio, certo? E alguns processos de educação permanente, em termos de especialização, que estavam aparecendo, algumas coisas de residência, não é? Como você tinha aquele grupo que se formou na Paraíba, Ana Rita [?], entendeu? Aquele grupo que trazia uma perspectiva nova. Então, a nossa relação com a universidade se dava através da IDA [Integração Docente-Assistencial]. Acho que o Carlyle falou muito, né, dele?

JC – Integração docente-assistencial.

RN – É, colocou a integração docente-assistencial. Rede de ensino, integração da universidade com as secretarias estaduais de saúde. Era esse o pré-college de educação permanente, que tinha na época. Mas, era só a secretaria de saúde do estado. Não se falava em município. Não tinha idéia de município, na época.

CH – Era expressão, não sei se foi o Paranaguá, que usou a expressão o “PPREPS local”, não é? Quer dizer, a idéia que, na verdade, a coisa era, de fato, descentralizada.

RN – É, tinha...

CH – Como era a relação do GAP com essas secretarias estaduais?

RN – Olha, eu vivenciei pouco isso. Na realidade, eu não tive muita, não participei muito dessa negociação toda que se fazia. Eu sabia que, em cada, em cada secretaria estadual tinha uma, duas ou três pessoas que eram de referências, dentro da área de recursos humanos ou do planejamento. Nem sempre se tinha pessoas dedicadas especificamente aos aspectos de recursos humanos. Então, podia ser de planejamento também, certo? Então, é com essas pessoas que se montavam certos tipos de cursos, certas formas de atualização. E, no início, era muito a questão do auxiliar de saúde, não é? Era esse não qualificado, essa massa de não-qualificado que se tinha na época. E, depois disso, foi dar origem ao Projeto Larga Escala. Mas, a clientela, muito, muito específica, em que se tinha uma preocupação, era com essa massa enorme de pessoas, que tinha a ver mais com a situação do nordeste. Porque, a nossa área prioritária de cooperação era o nordeste. Um pouco o norte, mas, sobretudo o nordeste. E Minas, um pouco, em função de Montes Claros, certo? Então, ela pegava, mais ou menos, a perspectiva mais da SUDENE [Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste], certo? Reforço a essas áreas do país que têm menos desenvolvimento social, econômico e sanitário. Então, isso, a gente ia lá e tinha umas contra-partes, nas secretarias estaduais. Assim como, tinha nas universidades, certo?. Então, na universidade era a IDA. E, na, nas secretarias de saúde era mais a formação de pessoal de nível elementar, certo? Não se mexia muito com o chamado nível médio, na época. Era mais o nível elementar. Isso tinha a ver também com a questão do PIASS, que é o Programa de Interiorização de Ações de Saúde e Saneamento, que começa em...

JC – 70 e...

RN – 75, 76...

JC – Por aí, é...

RN – Entendeu? E ele, e ele se propõe, quer dizer, a ter investimentos que aumentem a cobertura, certo? Então, há um grande movimento no país de extensão de cobertura de serviços. Isso está conjugado a um esforço continental de extensão de cobertura, que tem a ver também com o Plano Decenal das Américas. Então, não surge ao acaso. E o PIASS é um canal interministerial de investimentos. Aí, entra o IPEA [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] também, participando, naquela época, através do Eduardo [?] e, enfim, na época da ditadura, tinha interesse em que se estendesse essa assistência simplificada através dos postos e centros de saúde. Então, é essa lógica. Não, não chegava ao hospital. PIASS era basicamente postos e centros de saúde. Posto, que não tinha médico, mas tinha o auxiliar. E os centros de saúde, que tinham os auxiliares, mais os médicos, enfermeiros etc. Então, era a atenção primária. Mas, na época, nós não falávamos de atenção primária.

JC –Eu estava querendo demarcar, um pouco, se possível, quando é que a gente começa a falar em cooperação técnica de recursos humanos, no Brasil, na OPAS-Brasil? A gente começa a falar, a partir daqui? Ou ela antecede?

CH – Qual é o marco zero, não é?

JC – É. Qual é o marco zero?

RN – Olha, eu acho que nos anos 80, já se tem muito, essa idéia de cooperação técnica e de um esforço integrado, 81, 82, eu acho que se formula aí, não é? E acho que na chegada da Lia Fanuk. Porque, se você for ver, quando eu estava no ministério, em 77, 78, a perspectiva nossa era mais interna. Com exceção de alguns cursos em que nós apoiávamos com recursos. Os cursos de São Paulo, não é? Aquela especialização em saúde de quatro meses, estudos local. Não, a nossa atuação era mais voltada para um planejamento dos recursos humanos internos. A lei que foi formulada, também. A carreira de sanitarista, que foi implementada em 80, 81, certo? É, mas, nós não tínhamos ainda numa perspectiva ainda de cooperação técnica com as secretarias estaduais. Isso vai se formar, a partir do início dos anos 80, certo? Nessa integração do Ministério da Saúde, quando a Lia Fanuk vai lá assumir, em 82, se não me engano, 81, 82, assume lá a Coordenação de Recursos Humanos. E nós partimos para isso. Então, a idéia de que a gente tem que, os Estados tem que apoiar, os chamados órgãos de recursos humanos - usava muito essa palavra - órgãos de recursos humanos nos estados. Formar capacidade administrativa nas secretarias para dar conta da problemática de recursos humanos. Freqüentemente isso não tinha, você não tinha. Você tinha o planejamento, você tinha um órgão que cuidava da gestão de pessoal.

JC – Um DP [Departamento de Pessoal].

RN – Um DP, Departamento de Pessoal. Mas, você não tinha planejamento de recursos humanos. Você não tinha o famoso órgão de recursos humanos. Então, é aí, 82, 83, 84, estando a Lia Fanuk no ministério, sai essa...

JC – Mas, você está falando isso no ministério. E, na OPAS?

RN – No ministério e na OPAS.

JC – Era integrado.

RN – Era integrado.

CH – Qual foi, é?

RN – Acho que a ação foi integrada, entendeu?

JC – Sim.

RN – Não é antes. E, é só aí, que aparece essa idéia de cooperação técnica permanente com estados. Ter uma política de recursos humanos. Se você quiser, nós temos documentos, talvez, dessa época, pra poder você ver que, não sei aonde é que está, mas pode ser que esteja no Ministério da Saúde.

JC – Diz o nome de um documento, pode ser que eu tenha.

RN – É “Política de Formação de Recursos Humanos”, não sei, um documento do ministério de 82.

JC – É, acho que eu tenho. Saiu, na época.... ainda não era digital, apostila e, depois...

RN – Não, é um livrinho. Acho que é um livrinho.

JC – São aqueles livros pequenos.

RN – É, então, apareceu nessa época, entendeu?

CH – E qual era o objetivo do PPREPS [Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde]? O PPREPS começou em 75, não é? E qual é o aprendizado que ele vai gerar para essa cooperação técnica, que vai começar nos anos 80? Pelo menos, o que a gente está chamando de cooperação técnica.

RN – Olha, eu acho o seguinte: ele tem uma acumulação, acho que nós temos uma acumulação muito grande na área de nível elementar, da formação de nível elementar através da Izabel [dos Santos]. Então, a Izabel dos Santos, sempre trabalhou com pessoal auxiliar, certo? Nós, já desde a época dela, lá em Pernambuco etc e tal. Talvez até na época, que ela foi da Fundação SESP. Mas, já de Pernambuco, não é? Quer dizer, da universidade federal. Ela já tinha essa coisa de trabalhar com a junção ensino-trabalho, no local de trabalho, certo? Então, o que, o que o PPREPS traz, traz de novo, vai fomentar, cada vez mais, essa integração ensino-trabalho, no próprio ambiente de trabalho. E não, a partir da escola, certo? A idéia, a idéia de que a educação permanente verdadeira, se dá no local de trabalho, certo? E aí, tinham vários mecanismos, mecanismo de supervisão foi mais. Havia muito interesse pelos mecanismos de supervisão, na época, 81, 82, não é? Porque se imagina que os supervisores do pessoal do auxiliar tinham também uma função educacional, certo? Então, supervisor que atua como um educador, não é? E, então essa foi a acumulação do PPREPS. Estou colocando na figura da Izabel Santos, mas foi tudo uma cultura que foi se forjando, e que depois vai dar origem ao Projeto Larga Escala, a partir de 83. Em 83 é que começa o Projeto Larga Escala. A se formular as bases do Projeto Larga Escala.

CH – O fato de ter sido um projeto interministerial também, não é relevante?

RN – É, no sentido da legitimidade. Mas, eu tenho a impressão que do ponto de vista técnico, nós tivemos, nessa época, muito poucos aportes pelo lado do Ministério da Educação. O Ministério da Educação era um órgão muito burocrático. Sempre foi. Não há ressentimentos, porque houve algum esforço de mudança. Então, na área de nível médio elementar, eles não tinham experiência quase nenhuma, porque isso passou, de cargo de nível médio, sempre pelas escolas federais. Que eram independentes. Escolas técnicas federais, não é? É, então, eles não tinham lá, uma cultura, que foi se forjando na área de saúde, que essa cultura da educação para o trabalho, mas, que pudesse transcender o próprio trabalho, vamos dizer assim, que estivesse ligado a uma perspectiva ainda mais política, geral, e enfim. E um pouco mais emancipatória, mais, vamos dizer assim, pegando um pouco do [Paulo] Buss e do Paulo Freire, que foi sendo formulada na OPAS, não é? Esses cursos não eram cursos só pra você atuar melhor, mas que tinha uma perspectiva de abrir a compreensão das pessoas, para a...

JC – Você está falando em que ano?

RN – Para a sociedade. Heim?

JC – Você está falando em que ano?

RN – A partir... Veja bem, eu acho que com a Izabel permanentemente, mas, do ponto de vista institucional, com certeza, a partir de 83, desembocando no Larga Escala.

JC – Você... Só para fechar essa coisa da cooperação...

CH – Não, a gente não vai fechar [risos]

JC – Não vou fechar, de jeito nenhum, é só porque...

RN – Não vai fechar não!

JC – Fecha não. Na verdade, é o objetivo, não é? Esse bloco não pode fechar, senão a gente encerra a entrevista agora. Mas, porque você me falou, há pouco tempo, o Roberto que a gente pode falar em cooperação técnica a partir do GAP, não é?

RN – Do GAP e do Ministério da Saúde.

JC – Lógico. Aí, você me dá um ano de década de 80, não é?

RN – É.

JC – O PPREPS, a gente está se reportando a ele, em 1975. É lógico que ele vai, tem uma...


FIM DA FITA 1/ LADO B

Entrevista 2

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PROJETO:
HISTÓRIA DA COOPERAÇÃO TÉCNICA EM RECURSOS HUMANOS EM SAÚDE NO BRASIL

Data:
26 de julho de 2005

Depoente:
RN – Roberto Passos Nogueira

Entrevistadores:
CH – Carlos Henrique Assunção Paiva
JC – Janete Lima de Castro

Entrevista:
Código: 2/4

Transcrito por:
Andrea Ribeiro – setembro de 2005

FITA 2/LADO A

JC – Bem, é, eu estava querendo entender um pouco sobre a questão da cooperação técnica, assim, você me diz que a gente pode falar da cooperação técnica na OPAS a partir do trabalho, mesmo do GAP, não é? Mas, depois, você fala da década de 80. Inclusive, a cooperação técnica para as secretarias estaduais. A minha pergunta é a seguinte: o PPREPS começa em 75, já na segunda metade da década de 70, a gente pode falar de cooperação técnica? É no PPREPS? Nesse período de 76, 77?

RN – Acho que pode, mas, aí, é uma divisão de trabalho, certo? Digamos que a OPAS se ocupa mais da cooperação mais capilarizada com os estados. O Ministério da Saúde está com um grupo de recursos humanos mais voltado para uma coisa um pouco mais centralizada para as suas necessidades internas, para financiamentos de alguns cursos, entendeu? Mas, era assessoria de recursos humanos. Simultaneamente, o Ministério da Saúde tem todos os programas verticais funcionando como capacitações nos estados, certo? Tuberculose, hanseníase, tudo o que você puder imaginar, materno-infantil estava lá com seus cursos nos estados. O Ministério da Saúde funcionava financiando esses cursos através dos programas. Existia essa assessoria de recursos humanos, assessoria estratégica para o ministério, mas ela era muito internalista ainda, certo? Ela não tinha uma perspectiva de cooperação técnica. Então, na época, até onde eu sei, isso foi até objeto de acordo entre a OPAS e o Ministério da Saúde. A OPAS cuida de uma cooperação técnica para os estados. O ministério não tem capacidade, nesse momento, de dar conta disso. Então, a cooperação técnica era, basicamente da OPAS. Então, ela ia direto para os estados, certo? E para as universidades, certo?. E aí, em 81, 82, não sei quando é que ia, mas, vamos dizer, no início da década de 80, mas, eu acho que com a chegada da Lia Fanuck isso muda. Não deixou de ter uma certa aresta, porque, enfim, o GAP teve que dividir as funções de cooperação com o próprio ministério. Saber o que um faz e o que outro faz, não é? E quando a Lia Fanuck e o grupo dela chegam, se estabeleceram lá, enfim, era um grupo grande, estava o Geraldo Albuquerque e tal, enfim, um bocado de gente. E havia a idéia de que esta coordenação deveria assumir, inclusive, todos os processos de capacitação que estavam nos programas especiais, certo? E que devia ter um processo de educação permanente, certo? Mas, dentro da própria, dentro da própria coordenação de recursos humanos. Nós fomos totalmente contra, nós dissemos: “vocês não devem se meter nisso, porque cada programa sabe qual é o seu conteúdo, sabe o que deve ser dado, onde deve ser dado, como deve ser dado. A sua função é mais de política, de estratégia”. Não é pra estar se metendo com a implementação de cursos específicos nos estados. A não ser que sejam cursos gerais, cursos de Saúde Pública, certo? Cursos de gestão de recursos humanos.

JC – Essa discussão já é muito velha.

RN – Essa discussão começou nos anos 80. Agora, recentemente, foi retomada e está dando no que deu, está dando no que está dando. E que, enfim, no começo dos anos 80 que começa, se dá essa articulação, do Ministério da Saúde com a OPAS para fazer um processo de cooperação técnica nos estados, com todas as deficiências, com todos os problemas. Eu cansei de ir junto, eu, o Geraldo Luchesi para alguns estados, por exemplo, Pará, eu me lembro bem. Nós fomos várias vezes lá. É, na época, o secretário era o ex-governador lá do Pará, como é que chama? Do PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira].

JC – Teotônio?

RN – Não. Pará. Bom, enfim, nós saímos juntos, saímos, uma pessoa do GAP, uma pessoa do - fizemos muito isso – do ministério, descendo para os estados. Era essa a expressão que nós usávamos: “vamos descer junto para os estados”. Então, começa nos anos 80, essa sistemática aí. Então, o marco é este.

CH – E como é que era a divisão, se é que havia uma divisão do trabalho dentro do GAP? Quem que fazia o quê?

RN – Olha...

CH – Ou se existia, de fato, uma divisão do trabalho clara, assim, institucionalizada? Ou não? Na verdade, vocês distribuíam tarefas em um acordo, digamos, informal?

RN – Não aí o seguinte: veja bem, quando começa no começo dos anos 80, quando entra o Ministério da Previdência, Ministério da Saúde nesse acordo mais amplo, nós deixamos de ser um grupo só de recursos humanos. Nós passamos a ser um grupo de infra-estrutura de serviços de saúde, certo? Em que entra, também, até um certo componente de ciência e tecnologia. Então, o [Alberto] Pellegrini [Filho], vocês já entrevistaram? Entrou para esse componente, ciência e tecnologia, certo? O Cesar Vieira foi sempre, um dedicado a serviços, certo? O Danilo também, Danilo Garcia era mais serviços. Então, nessa época, se convencionou que eu, Izabel e Paranaguá éramos mais recursos humanos. Então, os três, eu, Izabel Santos e Paranaguá éramos pessoas que mexiam com recursos humanos. Acabou que eu entrei mais pra a questão do nível médio, certo? E também, a partir de 82, para a questão da pesquisa, certo? Digamos assim, os primórdios de um que seria o equivalente, na época, de um Observatório de Recursos Humanos [em Saúde], começa em 82, 83. Depois, eu posso falar isso para você. Talvez, seja uma história que vocês não vão pegar de outra forma. Mas, só para responder à sua pergunta, é isso aí, é essa divisão interna de trabalho, certo? O Danilo também estava aí, em serviço, um pouco recursos humanos, mas, ele era mais de uma articulação com o Ministério da Previdência, porque ele estava sendo indicado, ele era do INAMPS [Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social] e foi indicado para o Ministério da Previdência. A indicação foi mais ou menos o seguinte: eu, para o Ministério da Saúde, certo? Paranaguá, MEC. Depois, você pode conferir essas indicações. E Danilo, Previdência. Izabel e Cézar...

JC – Izabel era MEC?

RN – Já, não, Izabel não era MEC. Izabel já fazia parte do grupo original etc e tal, entendeu?

JC – Fundação SESP, MEC. Já era ministério. Só uma coisa, esse programa de infra-estrutura em saúde, são aquelas rearrumações que ocorrem na estrutura da OPAS, não é?

RN – É.

JC – Era um grupo e, de repente, o programa...

RN – O grupo era só para recursos humanos. De repente, ele inclui a perspectiva, de gerir serviços, também, de gestão de serviços, planejamento de serviços, não é? E entra com um acordo de ciência e tecnologia em que o Pellegrini vai gradativamente assumir.

JC – Mas, a minha pergunta é a seguinte, isso é uma ampliação do grupo? Ou é aquela rearrumação estrutural, de organização, que tem na OPAS?

CH – Assim, o programa de infra-estrutura é filho do PPREPS?

RN – São as duas coisas. Porque, veja bem, quando entra a Previdência Social, já não se podia dizer que nós éramos só recursos humanos. Então, nós tínhamos que ter uma intervenção pelo lado de interesse maior da Previdência Social. Isso vai dar origem também a atribuição a este grupo, da tarefa de planejar o PREV-SAÚDE. Que é 83, se não me engano, certo? Acho que o Pellegrini deve ter falado pra vocês.

JC – E o Carlyle [Guerra de Macedo] também.

RN – Carlyle também. Então, é 83. Então, vocês conferem aí a informação, mas em 83. Mas, já esse grupo passa a ter uma atribuição, de formulação estratégica geral para o sistema de saúde como um todo. Não é só recursos humanos. Então, essa é a virada, final dos anos 70, início dos 80, certo? E, claro que, algumas pessoas, continuaram mais em recursos humanos. Mas, o grupo abriu. Isso teve a ver, não só com a natureza do convênio, mas também, com a entrada do ministro [Waldyr] Arcoverde, em 82, se não me engano, certo? Que, enfim, tinha uma pessoa com a qual o Carlyle tinha relacionamento pessoal etc e tal. Foi um cara que passou a ser uma figura estratégica. Já, em termos da estrutura da OPAS, passou a ser em termos da estrutura do governo. Então, Mozart [Abreu Lima], como secretário executivo, e o Arcoverde, como, como ministro, não é? Nós começamos a formular coisas que desembocaram, no PREV-SAÚDE.

JC – No PREV-SAÚDE?

RN – É, isso não acontece por uma delegação tecnocrática, você tem que ter canais de confiança pessoal da autoridade, certo? Não é para delegar como, com o grupo técnico, para um grupo com o qual havia uma afinidade política, ideológica, não é? Confiança que o ministro depositou no Carlyle e no grupo dele.

CH – Eu, na verdade, eu ainda sinto falta de falar um pouco sobre o que foi o Programa Infra-estrutura de Serviço de Saúde, o quê foi ele? E, num segundo momento, qual o lugar que os recursos humanos vai ocupar nesse programa?

RN – É, porque, veja bem, isso tem a ver com as estruturas de poder da própria OPAS. Porque, digamos, isso corresponde a duas caixinhas, lá em Washington, não é? O grupo que mexe com serviços é um, o grupo que mexe com recursos humanos é outro. Programas diferentes, né. Então, isso implicou numa certa reacomodação interna, que dava mais autoridade ainda ao grupo nacional. Mais autoridade, mais expressão dentro da OPAS, dentro do Brasil e fora do Brasil. Quando nós assumimos a parte de serviços. Então, infra-estrutura é tudo isso aí, é a parte de ciência e tecnologia, de serviços e de recursos humanos, certo? Que dá a garantia da produção dos serviços. Então, nós não tínhamos, veja bem, nós, não nos interessávamos pelo substantivo das várias áreas técnicas. A questão da atenção à saúde da mulher, da criança, da tuberculose, da malária, isso aí, sempre teve gente com especialidades, que contribuíam, dentro da OPAS, na cooperação técnica, certo? Então, infra-estrutura é uma área integrada de conhecimento que faz um planejamento de uma espécie de capacidade instalada, certo? Para produzir os serviços, certo? Então, pensa as grandes lacunas dos serviços, quais são os grandes problemas do serviço, a organização de serviços, certo? Então, quais são os níveis de atenção, certo? É, como é que isso se integra também com a necessidade de recursos humanos e qual é o papel da ciência e tecnologia nisso, certo? Como é que isso aí tudo se desdobra em atenção à mulher, à criança, ao trabalhador, enfim, nos vários tipos de enfermidades. Isso aí é uma coisa, que implica em aportes específicos, técnicos, não é? Que, inclusive, geralmente, era o pessoal internacional que dava, certo? Então, tinha uma linha de cooperação técnica, por exemplo, malária, hanseníase, são sempre áreas, as endemias, uma área que a OPAS, desde os anos 30, 40, não sei o quê, tinha uma intervenção muito firme. Mas, esta é da parte do pessoal internacional, certo? Então, a nossa era infra-estrutura, foi difícil fazer valer essa perspectiva dentro da OPAS. Por quê? Porque não era esta conformação, digamos, das várias divisões lá em Washington. Washington sempre atuou com grupos programáticos com temas específicos. Então, recursos humanos era mais um tema. Então, a idéia de integrar isso, ciência e tecnologia, recursos humanos, e serviços, organização de serviços foi uma novidade. Do Brasil, não é?

CH – Eu pergunto o seguinte: como é que vocês avaliavam naquele momento, a cooperação? Hoje é fácil. Por exemplo, olhando em retrospectiva, vejo como eram grandiosas as metas de um PREV-SAÚDE, a idéia do aumento de cobertura brutal, ou mesmo de formação de profissionais. Hoje, é fácil a gente achar que sejam grandiosas. Mas, naquele momento, sob a ótica de quem estava vivendo aquele processo, como é que vocês avaliavam as metas? Qual era a resposta que vocês tinham da ação do programa? Como é que funcionava essa avaliação do próprio programa?

RN – Olha, era uma coisa assim, veja, primeiro que esse programa foi feito quase na clandestinidade, vamos dizer assim. Porque o grupo técnico se reunia em Brasília, não podia ser divulgado nada, porque era o primeiro esforço de aproximação entre os dois ministérios para fazer uma ação integrada. Então, Previdência e Ministério da Saúde se propunham a fazer uma ação integrada, não é? É, então um interesse inédito de conjugar esforços destes dois ministérios. E, eu vou dizer que foi uma peça tecnocrática mesmo, certo? Porque feito nessas condições de sigilo. Nós reunimos, discutimos, discutimos e produzimos documento.

CH – Mas, vazava, não é?

RN – Mas vazava, publicava as coisas e tudo mais. É, havia já opiniões contra, desde o início e tudo mais. Mas, nós achávamos que, enfim, nós éramos uma ponta de uma certa revolução. Só que nós éramos a ponta não daquela revolução, mas de outra, que veio a acontecer, muito tempo depois, com o SUS. Mas, ainda não tínhamos essa idéia. Eu, na verdade, eu fui chamado a participar disso de uma forma um pouco marginal, não é? Foi um pouco assim, para escrever alguma coisa sobre as equipes de saúde do Centro de Saúde básica. Eu não tive muita participação na formulação da estrutura geral....

JC – Ah, sim.

RN – Era mais o César [Vieira], acho que o [Alberto] Pellegrini [Filho], Carlyle e outras pessoas que eles chamavam e tal. Eu, talvez, nem gostasse muito desse tipo de trabalho de planejamento no escuro, me entende? Prefiro lá, mexendo lá, com outras coisinhas, não é?

JC – Roberto, só entendendo um pouco da autonomia OPAS-Brasil e OPAS-Washington, você falou que esse Programa de Infra-estrutura e Serviços de Saúde foi uma novidade, uma inovação no Brasil. A gente sabe que tem diferenças nos outros países, qual o grau de autonomia da OPAS-Brasil em relação a OPAS Washington? Total? Ou a relação é mais com o ministério? Como é que é isso?

RN – Você diz hoje?

JC – Não, naquela época.

RN – Naquela época, era muito grande. Então, você vê para formular um plano desse, digamos, não só o plano, mas formular toda essa forma de trabalhar com relacionamento direto com os ministérios, pressupunha que nós não tivéssemos, digamos, uma subordinação hierárquica tão forte, certo? Então, eu vou te dizer que nós tínhamos quase que total autonomia. O Zé Roberto Ferreira não sabia muito bem o que nós fazíamos, coordenador de recursos humanos, não é? É, no entanto, nos anos 80, nós passamos a ter muitos contatos com eles. Mas, eram contatos mais de informação, mais de a gente participar de algumas reuniões, em Washington. E eles vinham visitar e eles tomavam conhecimento em geral. Mas, autonomia, eu acho que pela conformação das forças políticas, certo? Pelo fato também de ter uma ditadura no Brasil, a OPAS, não se metia. A OPAS Washington não se metia, certo? No entanto, ao longo dos anos 80 vai crescendo essa articulação, naturalmente. E vai crescendo também através de uma projeção do próprio Carlyle, que, em 83, se não me engano, saí diretor da OPS. Então, tudo isso, é esse grau de autonomia que permitia um bom trabalho técnico do GAP, ou seja, no sentido de que a gente fazia essa cooperação técnica etc e tal, sem reportar aos mecanismos burocráticos, tinha recursos nacionais. Talvez em um outro país tivesse o mesmo volume. Acho que não tinha...

JC – Isso talvez seja determinante para essa autonomia, não?


RN – Determinante a quantidade de recursos que nós tínhamos. E a influência do Carlyle em relação à conjuntura política da área de saúde. Então, isso nos protegia, ele é amigo do ministro, certo? Tem os recursos, é um cara respeitado na trajetória institucional da OPAS. E isso, também possibilitou que ele se projetasse como candidato depois, não é?

CH – “Toma lá, dá cá”. Bom, acho que a gente pode passar...

JC – Pode.

CH – Em 87, você vai pra Washington, já que a gente está falando em Washington.

RN – É, mas eu queria...

CH – Quer comentar mais alguma coisa?

RN – Não, mas aquele negócio da pesquisa em recursos humanos. Nós vamos retomar a pesquisa em recursos humanos. Bem, esse filão, eu faço questão de falar porque essa história é pouco conhecida, não é? Quando eu vou para OPAS, em 1980, eu começo a desenvolver, gradualmente, um interesse em fazer uma ponte com as questões de pesquisa de recursos humanos que, enfim, tinham a ver com a minha trajetória acadêmica, certo? Era muito difícil, porque como eu tinha escolhido uma tese muito histórica, muito, enfim, muito mais caracteristicamente acadêmica, não era fácil transpor esse tipo de cogitação para o que eu estava fazendo em nível institucional, certo? Eu não tinha nenhuma Casa de Oswaldo Cruz, em Brasília, que albergasse cogitações desse tipo, não é? E, então, o que mais se aproximava desse trabalho com algum interesse institucional era o que a Cecília Donnangelo fazia lá na USP, com estudos de mercado de trabalho. Era, basicamente, mercado de trabalho médico, certo? Foi a tese de mestrado, depois doutorado, dela. Ela foi estudando como é que de davam as formas de trabalho do médico, no seu mercado de trabalho. Basicamente São Paulo, região metropolitana de São Paulo. Uma coisa que ela levantou foi uma informação enorme de dados. Então, mercado de trabalho era uma coisa que aparecia como uma possibilidade interessante. Nessa época também, a minha tese de mestrado ficou conhecida na USP, era sempre usada, eu cheguei a dar um curso, também aqui, na Fiocruz, um curso da pós-graduação na ENSP, um curso da pós-graduação em cima dessa minha tese de mestrado, que foi em 81, por aí. Em que eu saía, eu vinha de Brasília e dava um curso aqui, com esse nome “Formação Social das Práticas Médicas”. Aí, eu tive alunos como Eleutério, Eleutério Rodriguez Neto, o [José Gomes] Temporão, está assumindo lá a SAS [Secretaria de Atenção à Saúde]. Então foi uma oportunidade que eu tive de manter ainda o vínculo com a minha formação acadêmica, certo? E aí, comecei a pensar assim: “bom, de que modo eu posso aqui, nesta instituição, OPAS, fazer essa minha atribuição? Como eu posso fazer alguma coisa que tenha a ver com pesquisa, não é?” Mas, que não seja tão abstrata, filosófica, histórica, assuntos que me interessavam, tipo a minha tese, não é? E eu olhei para o estudo da Cecília Donnangelo e disse assim: “acho que tenho que fazer alguma coisa similar”. Aí, comecei a bolar, ainda nas conversas com algumas pessoas, mas foi fundamental o encontro com o André Médici. André Médici, na época, era do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], em 81, 82, ele estava no IBGE, Rio de Janeiro. Nós começamos a ter algumas conversas e formulamos um plano de estudo de força de trabalho em saúde, certo? Isso aí é o seguinte: pegar os dados dos censos, censo de 70, censo de 80, e não estudar só a situação do médico, como fazia a Cecília Donnangelo, mas pegar desse mercado de trabalho de todos os profissionais. Então, isso, seguramente, tem interesse para o planejamento das políticas de recursos humanos. E então, nós começamos a financiar algumas pequenas pesquisas, estudos em cima desses dados, que era a assistência médico sanitária do INPS [Instituto Nacional de Previdência Social]; e o censo, 70 e 80. E fizemos estudos descritivos das forças de trabalho em saúde. E, na verdade, o André Médici era o pesquisador principal, eu estava apoiando, eu tinha interesse, articulava, fazia, algumas pequenas contribuições. Mas, só mais à frente foi que eu fui encontrar tempo para me dedicar a isso. Aí, em final de 82, em 83, eu publiquei na Revista de Administração Pública, um artigo chamado “A Força de Trabalho em Saúde”. Ele introduz mais uma abordagem econômica, ou de economia política, não sei se é bem assim, mas também demográfica da questão da força de trabalho, certo? Então, dizendo o seguinte: normalmente se faz uma descrição da força de trabalho pelo lado, quem faz o quê e em que lugar, certo? Mas, uma perspectiva, você pega o país inteiro, diz onde estão os médicos, em que tipo de instituição, com que idade, com que sexo, sabe? Com que tempo de trabalho, isso tudo, que o Sérgio [Arouca] nos dava. No que tinha sido feita essa descrição por conjunto das categorias, certo? Aí, “quantos estão empregados no setor saúde?”, “Estão 1 milhão e tanto”, “quanto é que isso representa”, certo? Então, esse tipo de preocupação demográfica, e também de espécie de algo que tem a ver com mercado de trabalho e, portanto, com economia, nós chamamos de estudo de força de trabalho. E foi por aí que nós fomos desenvolvendo um grupo. Em 82, a gente teve um curso, em Minas Gerais, um curso de Saúde Pública, que foi dado em conjunto, com a ENSP [Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fiocruz]. Nesse curso aparece lá, como aluno, o Sabado Girardi, certo? E, logo depois, 83, 84, nós formamos um grupo, em que entra a Maria Helena Machado também, né. E, então, nós começamos justamente com algumas pessoas aqui da ENSP, na época, a formular uma linha de pesquisa de força de trabalho em saúde, certo? Que aí, mais pra frente, vai dar, enfim, vai ajudar a criar os estudos que vão substanciar, inclusive, o CADRHU, não é? Então, esses estudos que foram, depois, não é? CADRHU começa em 86...

JC – 87.

RN – 87.

JC – 87 vai para a rua, 86, o planejamento.

RN – Mas, nós já tínhamos todos os estudos prontos. Enfim, parte foi feita aqui na ENSP, parte lá com Sabado Girardi. Alguns eu participei, eu que escrevi. Mas, o que havia de diferencial nisso aí, é a idéia de pegar o conjunto do setor saúde, e perguntar assim: “quanto que essa força de trabalho representa da força de trabalho nacional, como um todo, geral?”. Então, esse tipo de interrogação nunca tinha sido feita. Mais descritivo. Nós pegávamos assim, algumas tendências, como a feminilização da força de trabalho, cada vez mais mulheres, cada vez se trabalha mais, então, o aumento da carga de trabalho, prolongamento da jornada de trabalho. Outra tendência é o envelhecimento, a força de trabalho está cada vez mais, a média lá. Rejuvenescimento, o mais jovem, outro segmento, não é? Então, nós descrevíamos essas tendências gerais da força de trabalho.

JC – Roberto, a sua inserção institucional era qual? Nesse período em que você estava fazendo a pesquisa?

RN – Essa pesquisa? Eu era dentro da OPAS. Então, digamos, essa linha, eu abri assim, um pouco....

CH – Você estava no GAP ainda?

RN – Eu estava no GAP. Aí... 82, 83, 84, 85 ...


FIM DA FITA 2/LADO A

FITA 2/LADO B

RN – Eu acho que é isso aí. É 83, 84. E durante esses anos todos, eu tive digamos assim, desenvolvendo um pouco essa área, mas não era uma coisa, vamos dizer, que tivesse muito estímulo. Foi a área que eu abri, não era uma área institucional. Mas, logo, nós fizemos uma articulação com Washington, e em 85, eu fiz um estudo com o Pedro Britto, sobre a força de trabalho na América Latina, força de trabalho em saúde na América Latina. Pedro Britto, depois, foi coordenador de recursos humanos. Aí, nós pegamos os dados dos países e fizemos um trabalho que teve uma grande repercussão, na época, e tal.

JC – Vamos descolar um pouquinho esse estudo.

CH – Eu pergunto o seguinte: porque esse investimento nessa arena de estudo, de pesquisa, embora os resultados fossem aproveitados para os fins do CADRHU, nos projetos do GAP, do PPREPS, não eram uma agenda, não eram um tópico, do programa, não é?

RN – Não.

CH – É, você fazia?

RN – Eu fazia paralelo.

CH – Paralelo.

RN – Fui ganhando reconhecimento nisso, entendeu?

JC – Não era um tópico do programa por quê? Era algo que não tinha chegado ainda ao programa? Era uma rejeição?

RN – Não, eu não sei lhe dizer porquê. É... Eu acho que...

JC – Era novidade?

RN – Era novidade demais, entendeu? Era um estudo que parecia não ter uma aplicação imediata. Entendeu? Como eu já tinha uma certa respeitabilidade dentro do grupo, eu podia puxar essa linha, Certo? Mas, não era coisa que envolvia muito dinheiro, enfim, eram poucos recursos. Não tinha muitos grupos. Enfim, foi um certo luxo, eu poder abrir esse espaço, que, depois, se encaixou dentro de uma política de SUS. Mas, naquela época, não havia SUS, certo? Então, uma preocupação em formular uma visão mais crítica, mais abrangente, mais de Ciências Sociais, já dentro da instituição, não existia antes de 86, antes de 10ª Conferência Nacional de Saúde, certo? Então, você tinha um sanitarismo que abria algumas coisas e tal. Mas, não era, veja, não pode dizer que a OPAS era influenciada pelo que Juan Cesar García pensava, ou fazia, não. Ele também era lá, um... Ele tinha um espaço marginal, mas que ele sabia ocupar, não é? Então, essa era a época de abrir os espaços. Então, a ditadura permitia que nós abríssemos espaço. E politicamente, nós nos articulávamos, em várias frentes. Dentro do próprio grupo, e até pra fora também. Enfim, tem aí os primeiros simpósios de saúde da câmara, que são feitos a partir de 83, 84, são feitos com os deputados. O [Alberto] Pellegrini [Filho] teve um papel importante nisso. Ele falou do deputado? Deve ter falado isso para vocês. Do Simpósio de Saúde da Câmara? Falou, não é? Que ele puxava uma assessoria aos deputados para discussão das políticas nacionais de saúde. Foi, digamos, também iniciativa, passava pelo grupo, mas, quase que era... Nesse caso era quase clandestina. Entendeu? Não havia oficialidade nenhuma dessa cooperação. Talvez o Carlyle nem tomava conhecimento dessas coisas. Mas, tinha a ver com o momento de crescimento, da participação política nossa e da sociedade como um todo, não é? A gente estava na redemocratização. Então, eu acho que depois, a criação do SUS, constituinte e tudo mais. Então, nós tínhamos um interesse em extrapolar os limites institucionais. Isso é que foi interessante. Como cidadãos, e como, digamos, também como intelectuais, que estavam interessados em coisas. Eu acho o seguinte: “Eu vou abrir aqui esse espaço, porque eu acho que é importante”. De certo modo, esse aí foi um primórdio, meio embrionário, em relação ao que veio a ser um Observatório [de Recursos Humanos em Saúde], não é? Porque foi dentro da OPAS, certo? Nós pegávamos assim, “você vai financiar algumas pesquisas”, financiamos Usiminas, na ENSP, com André Médici.

JC – Nós, que você dizendo é o grupo?

RN – É, o grupo. Eu podia participar menos, no sentido de elaborar as interpretações, mas, ajudei muito a formular essa linha, a juntar essas pessoas. E, eu acho que tem uma coisa importante a destacar nessa linha de pesquisa de força de trabalho porque é o seguinte: ela ganhou uma certa evidência continental, certo? Então, a própria OPAS-Washington, não é? Eu mencionei esse trabalho aqui, que eu fiz junto com o Pedro Britto. A OPAS começou a estimular pequenos estudos, nessa linha, com dificuldades, que tinham a ver com a falta de informação censitária, certo? E de pesquisa, de amostragem ou... Porque nem todos os países têm o que nós temos, em termos de censo, em termos de PNAD [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios], entendeu? Então, nós temos um manancial de informação sobre saúde e outros setores econômicos que, praticamente, nenhum outro país, dos nossos comparados, têm, não é? Então, não é fácil você fazer uma... Por exemplo, pra citar um país, a Argentina, se você não faz isso diretamente. Então, há muitas deficiências de informação, nesses outros países. Mas, mesmo assim, houve um interesse nesses estudos de força de trabalho, mas, eu acho que a repercussão não foi maior em função desse aspecto, não é? Você não ter a base estatística. Então, foi justamente essa articulação com o IBGE, no caso, na época do André Médici lá, porque ele é economista e demógrafo, que permitiu que a gente fizesse esse estudo. Eu não teria condições de sozinho produzir. Eu tinha a idéia, mas não tinha o instrumental de conhecimento metodológico, não é? Então, foi possível isso porque nós passamos a manipular, na época, tinha até dificuldade, você não usava, digamos, os meios de informática que tem hoje, não é? Você tinha que contratar um programador que fosse lá no mainframe do IBGE retirar essa informação. Ele ia te dar aquelas listagens enormes em papel e tal. Mas, nós, assim mesmo, trabalhávamos em cima daquilo, com os papéis. Foi só, muito posteriormente, que nós passamos a produzir a informação e transferí-la para mainframes locais, ou para micros. Muito tempo depois, já no final da década de 80. Mas, então, eu acho que o Brasil teve essa particularidade de poder juntar o estudo de força de trabalho, com uma base ampla de informação. Embora, isso fosse levado como uma proposta para outros países, mas, acho que, de um modo geral, não se aplicou. Não se aplicou porque a deficiência de informação nos outros países fazia com que eles: “ah, não dá para fazer aqui, as coisas que a gente faz no Brasil”.

JC – Roberto, mas, tem um texto de 81, do Carlyle, onde ele trata de dados estatísticos da situação do agente de saúde da época, que ele chamou de auxiliar de enfermagem, auxiliar não, atendente de enfermagem; e do médico, mostrando essa situação, digamos, bipolar da situação da força de trabalho que vocês não achavam nessa pesquisa, possivelmente.

RN – Bipolarização, mostra muito isso.

JC – Bipolarização, não é? Quer dizer...

RN – Entre médicos, e o grupo de...

JC – Uma figura de ponta, no sentido intelectual, e um outro, que seria o atendente.

RN – Mal qualificado.

JC – Mal qualificado. A minha pergunta é o seguinte: você, Carlyle, que utilizam esses dados, e pelo papel que ele assumiu no GAP, e, depois, posteriormente, na própria Organização Pan-americana da Saúde, no sentido mais internacional, na sede em Washington, isso significa que essas pesquisas tiveram um vulto mais institucional, foram sendo absorvidas gradativamente? Ou, essa situação ficou marginal, na OPAS, durante muito tempo? E veio a se formalizar mais agora, com os Observatórios?

RN – Eu acho que ela ficou totalmente marginal. Ela, provavelmente, se utilizou, se alguém utilizou a informação, no caso do Carlyle, é porque essas coisas estavam circulando na época, certo? Mas, não era por efeito, de uma política institucional. Ou seja, o espaço existia na medida em que se ia abrindo, mas, não, digamos, eu, pelo menos, nunca senti que fosse uma prioridade institucional, entendeu? Mas, como me davam esse espaço, eu fui ocupando. Entendeu?

CH – Eu agora fiquei pensando o seguinte: voltando ao tema da cooperação técnica, o modelo de cooperação implantado aqui no Brasil serviu de parâmetro para outras regiões das Américas? Ou, aqui foi o lugar em que determinados temas mais avançaram, autonomamente, como pesquisa em recursos humanos?

RN – Olha, eu acho que, que não houve isso não, entendeu? Porque eu acho que o Brasil tinha uma posição em relação a OPAS muito delicada, porque, como é um país sempre considerado privilegiado, por várias razões, não é? Primeiro, porque tem mais recursos. Tudo é considerado excepcional. Então, o Brasil tende a ser visto como uma espécie de filho pródigo, não, como, como se diz? O primo rico. É o primo rico. Então, se ele é o primo rico, ele tem todas as condições de fazer o que bem entende. Então, ele nunca é exemplo para os outros. Porque nossas condições são excepcionais: institucionais, políticas e financeiras. Então, de um modo geral, a OPAS tem, até onde eu vejo, tem esse cuidado em não aplicar como exemplo, colocar o Brasil como um paradigma para os outros países. Por causa disso, porque eles sabem que são condições excepcionais. É preferível pegar as iniciativas de outros países que têm condições mais niveladas na América Latina. Então, eu acho que nunca foi colocado assim. O que aconteceu é que, com a ascensão de Carlyle, algumas pessoas que estavam trabalhando aqui, foram pra Washington. Inclusive eu, por um período curto. E aí, algumas dessas propostas foram levadas. Eu, enfim, discuti essas idéias em algumas reuniões, antes de ir pra Washington. E, depois, quando fui pra lá estava, eu tinha que adotar uma perspectiva de estudo de força de trabalho em saúde. Vou dar um exemplo em que eu, de alguma forma, influenciei, mas, digamos, eu não consegui fazer isso no nível continental. Eu tinha até idéia de fazer, mas, eu vi que as condições eram tão diferentes, certo? Que não havia viabilidade, certo? Nós até pensamos em articular. Tinha o Centro Latino Americano de Demografia, no Chile, que trabalha com o censo de todos os países e que havia, portanto, a possibilidade de você ter um estudo continental. E, nós fizemos algumas gestões nesse sentido. E a TLT, que é um banco de dados, um sistema de informação continental para estudar força de trabalho em saúde, que era a minha proposta, não, não foi pra frente.

CH – É claro, eu penso que a escala do Brasil é incomparável, por exemplo, se você for pensar em países da América Central, não é?

RN – É.

CH – Incomparável. O que eu penso é o seguinte: o que eu chamo o espírito da cooperação técnica, entendendo cooperação técnica como algo contrário a qualquer perspectiva imperial, enfim, a OPAS não é aquela instituição que vem de fora e vai impor temas ou modelos. Mas, é algo que passa pela idéia de negociação, de acordos interinstitucionais. Então é sob esta perspectiva que eu estou pensando. Nesse aspecto, o Brasil não poderia ser considerado uma espécie de laboratório, um laboratório privilegiado? Que poderia servir de modelo para outras experiências?

RN – É, quando você pergunta assim, eu vejo que, teoricamente, faz sentido, certo? Eu digo que, talvez, por injunções políticas institucionais, coisas até que eu não ignoro, isso não aconteceu. Isso não aconteceu. E, quando, e quando, e ainda tem isso, quando o movimento no Brasil cresce, o movimento de reforma sanitária cresce, o Carlyle já estava como diretor da OPAS, em Washington, certo? Então, ele próprio, talvez, se sentisse com pudor, vamos dizer assim, por ser do Brasil, de impor uma... Digamos, trazer o exemplo do Brasil. Certo? Ele não queria passar a imagem, veja bem, ele está lá em Washington desde 83, 84, certo? 84. Então, 85, 86, que sai a reforma no Brasil, 8ª Conferência etc e tal, né? Acho que ele entra em 84, assume em 85. Não me lembro bem esse negócio. Mas, enfim, por ele estar lá, sendo brasileiro, ele não quis fazer isso. Além do que, houve momentos nesse período em que as relações, eu acho, do Carlyle com o governo brasileiro, particularmente na Nova República, não, não foram muito boas. Meio em off.

JC – Ele falou isso também pra a gente.

RN – Falou. Foi difícil pra ele. E, nesse momento, 85, no início da Nova República. A Nova República começa quando Tancredo... 85

JC – Em 86...

RN – Não me lembro mais do mês. O negócio do Tancredo etc e tal, não é? É, inicia-se a Nova República, quando o nosso amigo Carlos [Santanna], lá, o ministro da saúde, Carlos o quê? Estou com memória fraca.

JC – No mínimo você pega isso em cima da hora ou [risos], espera aí, Carlos Santanna.

RN – Carlos Santanna, assume, a Saúde, ainda separada da Previdência. Foi essa conjuntura política em que o movimento sanitário estava em ascensão embalada, não é isso? E, nós, nós juntos. É, o Carlyle teve muita consonância com o movimento sanitário no seu início. E depois, por alguma razão, ele vai, quando foi pra Washington, ele descola, um pouco, enfim, da sua perspectiva internacional etc e tal. Então, nesse momento, nós tivemos diferenças, com o Carlyle.

JC – Conseqüentemente, com a OPAS-Washington.

RN – Com a OPAS-Washington, Carlyle estava em Washington já.

JC – Sim, se teve com o Carlyle, conseqüentemente com...

RN – Com...

JC – Com a condução...

RN – Não tanto com o Zé Roberto Ferreira, que estava no Programa de Recursos Humanos. Que isso é interessante, porque o Zé Roberto era uma pessoa totalmente desconhecida para nós. Ele até rejeitava várias coisas assim, em termos de política, dita progressista, de esquerda, na época, ele tinha certas críticas. No entanto, ele foi sempre um aliado, que esteve apoiando o tempo todo. Certo? E, crescentemente, foi se articulando, com o nosso grupo. Então isso é interessante. Bom, mas aí nós já entramos em um certo aspecto particularista, ou personalista, que eu não queria ficar... Tem muito detalhe. Tem detalhes aí, de diferenças políticas, não é? Na época em que eu assumi o GAP, assumi por cerca de um ano, e tem coisa aí... Não sei se é o caso de falar porque...

JC – Você foi coordenador do GAP?

RN – Fui coordenador do GAP.

JC – Em que ano?

RN – Assim que começou a Nova República.

JC – Ah, foi? Esse dado a gente não tinha não.

RN – Não foi por iniciativa do Carlyle, foi por iniciativa do ministro da Saúde, do Eleutério [Rodriguez Neto], que era o Secretário Executivo, e que impuseram meu nome ao Carlyle.

JC – Eu acho que essa história a gente já sabe.

RN – Já sabe, né?

JC – Só pegar alguns pontos que me suscitaram vontade de explorar mais na sua fala. Você, quando falou dessa sua prática, vou chamar de marginal, mas não é bem o que a gente vai traduzir isso, da pesquisa, dessa sua, digamos, experiência inovadora, dentro da própria OPAS de estimular pesquisas, não é? Você fez uma relação ao Juan Cesar García, que o que ele fazia também não era necessariamente OPAS, seria a hora, o momento de abrir espaço, acho que foi isso o que você disse, era o momento de abrir espaço. Eu estou querendo entende até onde, quando que essas propostas, em especial a do Juan Cesar García, quando elas dão esse movimento? Porque a de pesquisa você já explicou, não é? De Juan Cesar... Ainda toda a questão da formação, da educação também. Ah, quando é que essas propostas se institucionalizam enquanto OPAS? Ou se é difícil a gente falar nisso? Porque todas as propostas de trabalho, que eu vejo de trabalho, que a OPAS tem em parceria, me parece que elas são sempre montadas por grupos, não é? E eu nunca consigo entendê-las enquanto, como é que isso...

CH – Grupos nacionais.

JC – Grupos nacionais, né? Porque você acabou de dizer: “é dele, ele estava inovando, ele estava tentando. Não pode dizer que é a OPAS”, foi a frase que você falou. Quando é que se institucionaliza? Quando é que a gente diz que isso é OPAS? Quando é que isso entra no portfólio da OPAS? Quando isso entra na história da OPAS?

RN – Veja bem , acho que entra na história da OPAS, e está registrado, porque, evidentemente, você não abre esses espaços sem que coloque dentro dos orçamentos, entendeu? E tem certas linhas legitimadas, aprovadas pelo diretor etc e tal. Agora, são espaços relativamente reduzidos, certo? Mas, com muito efeito multiplicador, não é? Então, veja bem, vou citar um exemplo importante que foi a reunião de Cuenca, Cuenca 2, em 1984, em Cuenca, no Equador, nós fizemos, uma reunião em Ciências Sociais em Saúde na América Latina, certo? Encabeçada pelo Juan Cesar e o Arouca. Juan Cesar e o Arouca... Coloquei aqui, não me lembro se o Arouca estava participando dessa reunião, acho que sim. É, mas, estava o grupo da UERJ, Xochimilco, Equador, Perú, os grupos todos, Argentina. Se reuniram para colocar as suas pesquisas, as suas produções nessa área de Ciências Sociais em Saúde. E que, veja bem, era mais que recursos humanos, certo? E ele que fez, abriu esse... Naturalmente, para você colocar 50, 60, 70 pessoas lá em Cuenca, lá no alto do Equador, você não faz isso sem recursos, sem apoio oficial, certo? Mas, foi praticamente a última, a última coisa grande que ele fez. Em 85, ele já adoeceu e... A morte dele foi muito rápida, não é? Mas, ele abriu esse espaço porque tinha uma possibilidade de, enfim, dentro da OPS... Quando eu digo, que ele era uma figura relativamente marginal, é porque eu acho que o diretor da OPAS não dava apoio a essas coisas, está certo? E eu acho que era um pouco assim, com a anuência do Zé Roberto [Ferreira] etc e tal. Portanto, eu acho que era isso aí, ele foi abrindo espaço. E, no fundo, eu acredito muito mais nisso, eu acho que isso produz mais do que os apoios institucionais muito diretos, às vezes, enrijessem.

JC – São os poros institucionais.

RN – São os poros institucionais. Se trabalha sempre nos poros. Certo? Ah... Veja bem, você tem que ver isso, esse é um capítulo especial, quando a medicina social e a saúde coletiva, se torna a ideologia dominante.

CH – É um bom tema.

RN – É um bom tema. Esse vai chegar lá, mas, isso já aconteceu. Ninguém mais trabalha nos poros. Você trabalha nos pólos.[risos] Nos pólos institucionais, ou seja, aquilo que está na frente.



FIM DA FITA 2/LADO B

Entrevista 3

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PROJETO:

HISTÓRIA DA COOPERAÇÃO TÉCNICA EM RECURSOS HUMANOS EM SAÚDE NO BRASIL

Data:

1 e 2 de Março 2005

Depoente:
RN – Roberto Passos Nogueira

Entrevistadores:
CH – Carlos Henrique Assunção Paiva
JC – Janete Lima de Castro

Entrevista: 2ª 
Código: 3/4

Transcrito por:

Andrea Ribeiro – Setembro de 2005

FITA 3/LADO A

CH - Projeto “História da Cooperação Técnica em Recursos Humanos em Saúde no Brasil”. Entrevistado: Roberto Passos Nogueira, entrevistadores: Janete Castro e Carlos Henrique Assunção Paiva. Hoje, dia 25 de julho de 2005. Bem, refletindo sobre seu depoimento de ontem; ontem, pelo menos, umas três vezes, você falou no plano decenal de saúde, e a minha pergunta é se esse documento do plano decenal, que faz parte inclusive, da Carta do Punta del Leste, ele era efetivamente discutido entre vocês. Vocês, eu me refiro ao GAP [Grupo Assessor Principal], se ele se constituía em uma pauta de discussão, de análise? Vocês conheciam o documento certamente, mas se ele era discutido? Ou se, na verdade, aquelas idéias que estavam presentes no documento já eram plenamente disseminadas, e em até certo sentido óbvias?

RN – Olha, na verdade, nós nunca discutimos o plano decenal. Eu sabia do plano decenal, através das leituras, das bibliografias e tudo o mais, na época, do meu interesse, enfim, pela história das políticas e planejamento da América Latina. Enfim, toda a questão, da trajetória do planejamento, do momento econômico não é? Que tinha a ver com a CEPAL [Comissão Econômica para o Progresso da América Latina] e com algumas instituições internacionais que atuavam em várias áreas. Mas, digamos assim, para efeito do nosso trabalho, dentro do GAP, todas as questões partiam da análise de conjuntura nacional. Nós nos reuníamos muito regularmente no GAP, e sempre a perspectiva era do que estava acontecendo no país, certo? E na formulação de políticas nacionais. Tanto é assim que a minha impressão era que nós éramos instrumentos de uma formulação de políticas públicas feitas numa instituição internacional, mas com o compromisso, com sentimento de vinculação com o governo, mas do que com os organismos internacionais e as suas diretrizes. Então é muito singular isso, porque é como se você tivesse reservado dentro de um organismo internacional, um espaço para que o próprio governo formulasse as suas diretrizes, tivesse um espaço de pensamento. Naturalmente, isso não era muito pacífico porque nós tínhamos uma vida relativamente independente em relação ao próprio governo, certo? Mas, tinha a ver, eu acho, com a lógica da ditadura, certo? A ditadura não fechou todos os espaços de pensamento, certo? Então, ela criou algumas instituições de excelência, de reflexão, de educação, em que ali havia autonomia e ninguém mexia, certo? Então eu acho que a OPAS entrava nisso. O IPEA também era uma outra, onde eu estou atualmente, mas, na época, nos anos 70, tinha esse significado, certo? Então, o povo que pensa, que ajuda, certo?

CH – Estava sob uma condição de insulamento.
 
RN – Isso, insulamento. É isolado mas, ajuda. Estão pensando, no fundo, ao fim e ao cabo, o que eles pensarem, nos ajuda, vai traduzir políticas, uma série de coisas assim. Não é que eles tenham poder de decisão, mas tem um poder de reflexão. Eu acho que a gente deve fazer essa recapitulação em vários níveis, de diferentes políticas, como é que naquele momento, na conjuntura ditatorial, havia preocupação em manter esse... não é exatamente poros, mas espaços livres, para reflexão, não para decisão. Então, eu acho que essa foi uma política, uma visão geral do governo militar, que se traduziu no nosso caso, com uma liberdade muito grande, não é? E que se associava também ao fato de que o Carlyle tinha contatos muito íntimos, em sentido pessoal, e no sentido político, com as autoridades nacionais, tanto do governo da Previdência Social, ou do Ministério da Saúde, mas, mais do Ministério da Saúde, não é? Para você ter uma idéia, houve um certo momento em que nós, e eu particularmente, tivemos a oportunidade de escrever discursos para o ministro, certo? Eu devo ter escrito pelo menos uns dois ou três discursos, que foram publicados, para o ministro apresentar etc e tal. Então, são essas coisas muito em off. Quer dizer, nós estávamos fazendo ali o papel de assessoria ao ministro. Então, tem um famoso discurso do Arthur Ferreira de Simões na Escola Superior de Guerra, né? Eu fiz de 'cabo a rabo'. Então, essa intimidade, na função de ajudar as autoridades nacionais, mas, ao mesmo tempo, não está no dia a dia da burocracia, certo? Isto nos dava a oportunidade de estar com mais possibilidade de refletir e formular coisas diferentes, sair da rotina de um ministério. Isso não existe mais, certo? Hoje, digamos, a burocracia centraliza, é muito ciosa das suas prerrogativas de formulação, não é? E as autoridades também, já não, não delegam, já não delegam formulação, certo? O que você tem hoje, por exemplo, são os Observatórios de Recursos Humanos [em Saúde], que estão mais nas instituições acadêmicas,  enfim, mais é, no ensino, em pesquisa. É, mas, eles não têm uma intimidade tão grande com as autoridades a ponto de substituí-las, fazer uma assessoria tão direta, como nós fazíamos, na época. Então, nós estamos em uma outra conjuntura. O que acontece hoje é que as pessoas que têm essa função mais acadêmica, assumem cargos, e quando assumem, imprimem a sua marca lá. Mas, é de dentro da burocracia, assumindo cargos, funções administrativas no 'aparelho' do Estado. Então, essa é uma situação muito particular, que merece até ser estudada, não é? Por que aconteceu isso, naquela época, enfim, por que não se repete mais, não é? São essas indagações que a gente, nós fomos testemunhas, atores dessa história e, muitas vezes, nem tomamos conhecimento, de que foi assim, não é?

CH – Só na retrospectiva, não é?

RN – Só na retrospectiva, agora a gente se dá conta. Como é que isso foi, essa coisa meio esdrúxula. Você está em um organismo internacional, este organismo internacional é fruto de um, quer dizer, tem um programa que é fruto de um convênio tripartite, com os ministérios. E ali vai se formulando uns pensamentos, programas, com influência importante no setor de saúde. Mas, a margem no próprio poder, no ministério. Naturalmente, isso criava uma situação de ciúme dentro de alguns setores responsáveis, no Ministério da Saúde. Por que que  essas pessoas, supostamente que ganham bem e tal, uma diferenciação, não é? Por que é que eles têm esse poder todo, né? Supostamente. E digamos, havia sim, tinha os sinais e certos movimentos que demonstravam que estavam ciosos, a burocracia, não, não, não abria tão facilmente mão das suas prerrogativas. Mas, acontecia, por uma articulação política maior. E parece que era uma situação geral, das várias áreas de governo, não era só de saúde e recursos humanos.

CH – A gente tem falado bastante em burocracia, eu estou pensando o seguinte, Roberto: vocês se encontravam em uma condição de insulamento, de relativo insulamento burocrático, mas essa condição não era concedida por um princípio burocrático, mas, talvez, se eu estou entendendo o que você está dizendo, graças às relações pessoais. Veja o prestígio pessoal que determinadas figuras do GAP tinham, você falou particularmente, do Carlyle. Então, quer dizer, essas relações, esses canais, de pessoa à pessoa, essas trocas de favores, de confiança pessoal, eram muito importantes.

RN – É, sem dúvida alguma, acho que tinham coisas, coisas que passavam por relações pessoais, mas... É a respeitabilidade intelectual, política da pessoa que fazia com que a autoridade confiasse.

CH – Claro, claro.

RN – Confiasse, que estaria bem que eles façam isso. É, mas, essa situação foi excepcional e, não, não se reproduziu mais nas décadas seguintes. Isso é característico nos anos 70, 80. Na década de 90, acaba completamente.

CH – De que forma a burocracia vai minar essa possibilidade?

RN – Bom, eu acho que aconteceu é que, na nossa área, como eu estava falando, eu acho que em todas, a burocracia chama pra si aquelas pessoas que eles entendem que eram mais competentes, com mais diferenciação, para assumir certos postos de comando. Ela se reequipa do ponto de vista gerencial, intelectual. E isso também tem a ver com a democratização do país, certo? O Estado se torna mais aberto, maior, mais competente pra regular e intervir. E isso se conecta também com a própria história do movimento sanitário. O movimento sanitário vai pra dentro das funções do Estado. Hésio Cordeiro é presidente do INAMPS, Sérgio Arouca é presidente da Fundação Oswaldo Cruz, não é? E o Eleutério Rodriguez Neto é o Secretário Executivo do Ministério de Carlos Santanna. Isso já em, veja bem, estamos falando de 86. E aí, é que esse final da década, segunda metade da década de 80, é de uma reestruturação das instituições de governança na área. Então, vai dar seus efeitos mais importantes nos anos 90, não é? Mas aí, tem a ver, portanto, com redemocratização do país e, por fim, tudo que vai implicar na constituinte e na estruturação do Sistema Único de Saúde, no nosso caso.

CH – Agora, voltando ao tema da cooperação técnica Opas-Brasil, a pergunta que eu faço é a seguinte: olhando em retrospectiva, quais seriam os projetos, do seu ponto de vista, que foram mais importantes?

RN – Olha, primeiro, o projeto de qualificação dos agentes de saúde, que foi assim, um dos motes iniciais para a fundação do PPREPS [Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde]. A idéia de que você tem que qualificar essa massa de pessoal com baixo nível de escolaridade e de habilidades, não é? Que eles estavam entrando na Secretaria de Saúde para constituir essa nova rede, a rede de expansão de cobertura que se tinha nos anos 70. Então, isso é uma linha que vai dar depois no Larga Escala, não é? Inicialmente era só a qualificação, era um curso, mas, não tinha idéia de um processo formal, de educação que levasse à titulação em nível médio dessas pessoas, como depois o Larga Escala veio colocar, não é? A questão da integração ensino-serviço, na graduação das profissões de saúde, com referência especial à educação médica. E aí, vimos, várias, várias experiências, como Brasília, Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade Federal da Paraíba, várias tentativas de fazer projetos de extensão de cobertura, com participação da universidade, em que os alunos pudessem entrar articulados com uma proposta nova de organização dos serviços públicos, então, a universidade 'extra-muros'. Toda isso era Larga Escala, da universidade 'extra-muros', que eu, digamos, ideologicamente dizia: “bom, os alunos, vão conhecer a realidade etc e tal”. Estava lá, presente, em vários projetos, da Universidade de Brasília, Campinas, Paulínia; em Brasília, com o Frederico Simões Barbosa, não é? E outros, em São Paulo, várias iniciativas no Rio Grande do Norte. Perdão, não sei como é que está.

JC – Minas Gerais também...

RN – Minas Gerais, foi logo o Francisco Campos, né, com internato rural. Então, estavam se multiplicando essas coisas todas, não é? E eram sinalizações importantes de que se buscava tirar a universidade do seu isolamento tradicional, naquele ensino laboratorial. E isso fazia parte de uma perspectiva de medicina preventiva, comunitária etc e tal, que a Cecília Donnangelo, tinha colocado em alguns dos estudos que ela fez. Então, era um novo modelo de organização de serviço, com participação da universidade. Isso foi importante. Você pode perguntar assim: isso mudou realmente? Não sei, porque a maioria desses problemas se perdeu no caminho. Não teve condições de se sustentar politicamente, economicamente, financiamento. Tudo parece refletir uma conjuntura. Mas a universidade vai retomando, em momentos seguintes, iniciativas semelhantes. Sempre com a idéia de levar o aluno mais próximo da vivência da comunidade. Foi isso, essas duas linhas. A terceira, eu acho que foi, todo um esforço de pensar recursos humanos dentro da organização, do sistema de saúde, não é? Portanto, um planejamento integrado de recursos humanos, que tem a ver com o lançamento do PREV-SAÚDE. Depois, com a formulação das bases do SUS [Sistema Único de Saúde], a 10 ª Conferência Nacional de Saúde e assim por diante. Então, essa terceira não é exatamente um programa, mas, foi uma preocupação permanente. Afora isso, eu acho que teve muito assim de capacidade de influir nas decisões governamentais. Isso é que foi fundamental, certo? Aquele grupo, um grupo mais ou menos em off, mas que é atuante para ajudar a pensar e influir nessas decisões.

JC – São essas decisões que se transformavam em política pública?

RN – Em políticas públicas.

JC – E que exemplo, assim, a gente poderia estabelecer, dizer agora?

RN – Você tem um momento importante, como eu estava falando para você, momento que antecede o movimento sanitário de 85 em diante, não é? Mas, que   está mais ligado a esse contexto de influência informal, do GAP no Ministério da Saúde. É, você perguntar assim... Claro, que a tentativa mais importante foi o PREV-SAÚDE, certo? Foi abortada e tudo mais, mas, ali, dali partiu muitas idéias que, depois, como fragmentos foram dando políticas. Aquela idéia da atenção básica de saúde se converteu em coisas...

JC – O GAP sobreviveu até que ano?

RN –Veja bem, aí, nós temos que pensar o que é que os convênios que foram feitos posteriormente... Eu não tenho, eu não tenho muita noção, mas, ele vai até o começo dos anos 90, como tal.

JC – Como tal. Então, o GAP teve uma forte influência em todo movimento sanitário, que desembocou com a 8ª Conferência, nesse sentido.

RN – Isso.

JC – Que estabeleceu um grande movimento político público.

RN – Quando veio a 8ª Conferência [Nacional de Saúde], eu estava coordenando o GAP, certo? E tinha toda uma articulação com o Eleutério [Rodriguez Neto], como secretário executivo, não é? O Hésio [Cordeiro], como secretário do INAMPS, e o Saraiva Felipe na Secretaria de Previdência, na Secretaria de Assistência Médica, do Ministério da Previdência Social, não é? Então foi essa conjugação de esforços, mas de pessoas ligadas ao movimento sanitário, que possibilitou, inclusive, nesse momento, fazer com que a 8ª Conferência fosse um momento decisivo, né?

JC – Deixa eu só bater no GAP? É interessante, só para completar o raciocínio. A relação CIPLAN-GAP existe?

RN – Existe, sempre existiu.

JC – Como é que era? Porque era uma comissão interministerial.

RN – Era interministerial.

JC – Interministerial de planejamento.

RN – A gente participava com grande regularidade das reuniões da CIPLAN, que articulava MEC, Ministério da Saúde, Ministério da Previdência, principalmente, mas também, participava, o MEC.

JC – Ministério da Educação.

RN – Ministério da Educação. E nós estávamos, sempre tínhamos alguém presente que estava representando a OPAS, o grupo, o próprio GAP. Não vou dizer que foi uma participação decisiva, porque já nessa época, digamos, os ministérios estavam assumindo esse processo de ditar as políticas diretamente. Enfim, já dentro do processo de reforma sanitária como um todo.

JC – A representação do GAP é a representação da OPAS?

RN – Era representação da OPAS, era o GAP.

JC – Dentro desse plano?

RN – É.

JC – Porque a OPAS também fazia parte desse plano, não é?

RN – Isso, isso. Às vezes, era o Danilo Prado Garcia. Dependia, um pouco das reuniões. Danilo, [Alberto] Pellegrini [Filho], eu, o César Vieira. E nós íamos conforme o assunto que fosse discutido. Nós estávamos presente. Que já nessa época nós éramos infra-estrutura de serviço de saúde, então, tinham alguns que estavam com aquela divisão do trabalho, que eu falei ontem. Tinha mais a ver com o serviço e estavam presentes lá. Então, a CIPLAN sim, foi uma experiência interessante de cooperação interministerial, formular acordo.

JC – Exatamente.

RN – O Eleutério, Eleutério foi uma pessoa importante também, o [João José] Cândido [da Silva]...

JC – Cândido?

RN – Cândido, sabe quem é, não é?

JC – Não, não sei, não. Cândido o quê?

RN – Me deu um branco.

JC – Deu um branco,

RN – Um branco.

JC – Mas isso a gente vê depois.

CH –Você assume a coordenação do GAP em 85, 86?

RN – É, logo no início, da Nova República, que é...

JC – 85.

RN – 85, acho que é abril... março, março ou abril.

JC – Acho que foi março de 85.

RN – Março, março de 85.

CH – Já tinha passado pelo auge da crise de financiamento do estado brasileiro, a crise de 82, 83, e por aquela idéia da equiparação dos salários do pessoal do GAP. E, muita gente tinha saído, não é?

RN – Já tinha passado. Já tinha...

CH – Quem é que estava no GAP?

RN – Não, não na verdade, ninguém saiu.

CH – Ninguém saiu?

RN – Não, na verdade, ninguém saiu.  Veja bem, quem eram as pessoas? Nessa época, é que começaram a entrar alguns representantes do MEC. Antes, até antes, lá no começo dos anos 80, não é? Nós tínhamos representantes do MEC. O Francisco Lopes foi um dos representantes do MEC, era uma pessoa, uma ou duas pessoas, que o presidente do MEC, que eu lembro, agora me falha a memória, mas estiveram lá em maior ou menor tempo. Então, já eram pessoas que entraram dentro dessa nova situação salarial, não é? Mas, nunca foi um grupo muito grande. Seis, sete pessoas.

CH – É importante saber que ninguém saiu.

RN – Seis, sete pessoas, ninguém saiu. Izabel continuou, Pellegrini e César continuaram até irem para Washington, já saíram foram direto pra Washington. E eu também, quando saí em 87, para Washington.

JC – E o [José] Paranaguá [de Santana].

RN – E o Paranaguá, claro, que o que aconteceu com o Paranaguá foi que ele assumiu um posto...

JC – Do INAMPS.

RN – Na Coordenação de Recursos Humanos do INAMPS, logo em 85, não é? Mas, ele trancou a sala dele [risos] Ficou reservado. Ele passou um ano e meio lá, no INAMPS, alguma coisa assim, ou dois anos, e voltou para a salinha dele. Nem a sala dele [risos].... Então, podia acontecer até isso, não é? Para você ver o grau, o grau de informalidade que a gente tinha de trabalhar. Porque ele tinha sempre noção de que iria continuar trabalhando naquela função. E se encaminha para os anos 90, porque quando eu saí o Eugênio Vilaça [Mendes] assume a coordenação do GAP, que tinha vindo um ano, alguns meses antes para compor a equipe. E ele assume a coordenação, em 86.

CH – Você ficou só um ano, não é?

RN – Eu fiquei um ano... Acho que foi um ano e pouco, um ano e meio.

CH – Ontem a gente falou muito pouco sobre os periódicos da OPAS, e eu estava vendo seu currículo, você publicou pelo menos cinco artigos na Educación Medica e Salut.

RN – sim.

CH – Eu pediria para você falar um pouco da Educación Medica, em particular, dos seus trabalhos lá, enfim...

RN – Olha, essa foi uma revista que teve muita importância, nos anos 60 e 70, porque, era única publicação especializada em educação médica. E começa, com esse nome, mas, ela vai ampliando os seus interesses, relativamente, para todas as outras profissões, educação em enfermagem, educação nas outras profissões de saúde e pega todo um espectro temático da área de recursos humanos, não é? Então, ela, digamos, é uma espécie de porta-voz também dos que tinham função na direção do programa, lá em Washington, não é? Isso acontece nos anos 60 e 70, e começo dos anos 80 e... Mas, quando chega lá nos anos 90, eu acho que ela já não cumpre um papel tão diferenciado assim, como para influenciar, digamos, o pensamento na área de recursos humanos em saúde no continente. Porque que aconteceu isso? Eu não, eu não sei. Mas, ela foi gradativamente perdendo a força.

JC – Foi minguando.

RN – Foi minguando, em termos de expressão intelectual e tudo mais. Não, não sei porquê aconteceu isso.

CH – Ela tinha prestígio, digamos assim, na Organização [Pan-americana da Saúde] como um todo?

RN – Não, eu acho que nunca teve muito prestígio. Porque a OPAS tem um boletim, que é uma revista importante, que a gente sabe que é sempre lida. Era, era um pouquinho marginal desde o início, certo? Mas, ela tinha muita influência nesse pequeno grupo dos educadores da área de saúde, dos que estavam com função...

CH – Quem idealizou foi o Juan Cesar García?

RN – Não, não, foi anterior, foi bem anterior.

CH – Foi anterior?

RN – Foi. As pessoas que antecederam, inclusive, o Zé Roberto Ferreira. Eu não sei se vocês já notaram que, quando é que o Zé Roberto foi pra Washington, mas eu tenho a impressão que aí...

JC – Não foi o Zé Roberto que...

RN – Não.

JC – Da revista, não é? Ele deu apoio?

RN – Não, eu acho não, eu acho que foi o Jorge Andrade.

CH – Ah, tá!

RN – O Jorge Andrade, que é o anterior. Mas eu tenho que confirmar isso, anterior ao Zé Roberto, quando é que se cria a revista e quando ela é fechada? Tem mais ou menos, deve ter uns cinco anos, mais ou menos, que fecharam a revista.

JC – Cinco anos.

RN – Então, é uma trajetória meio irregular, mas, para você ter uma idéia, eu publiquei artigos, uns cinco ou seis artigos, nessa revista, porque, enfim, era o meio que se tinha na época. Ou publicar alguma coisa sobre recursos humanos aonde? Não tem no Brasil, uma revista especializada na área. Então, tinha esta. Eu estando aqui, eu mandava os artigos pra lá e depois, lá ainda, publiquei mais coisa, inclusive, fiz uma... Relativamente teórica, então, era um instrumento.


FIM DA FITA 3/LADO A

FITA 3/LADO B

RN – Então, quando eu fiz um estudo sobre as tendências, estava falando para a Janete, tendência de recursos humanos do pensamento das políticas de recursos humanos da América Latina, eu peguei muito a trajetória do que era tratado nessa revista nos anos 60, anos 70. E aí eu fui mostrar que ela começa com a preocupação basicamente em educação, em educação médica, e ela vai ampliando seus interesses para relativamente incorporar temáticas como mercado de trabalho.

CH – Ah, você fez um estudo, sobre...

RN – Eu fiz esse estudo.

JC – Ele está publicado na revista?

RN – Não, ele está publicado em um livro chamado “Ciências Sociais na América Latina”, “Ciências Sociais e Saúde na América Latina”, do Everardo  Nunes.

CH – Ah, do Everardo Nunes, correto.

RN – É, do Everardo Nunes e Juan Cesar García.

JC – Roberto...

RN – Esse livro tem em espanhol, tem em português, que foi, mais ou menos, resultado da reunião de Cuenca aquela reunião que eu falei ontem, ela deu esse livro.

JC – Roberto, a revista Educacion Medica y Salut, quando surgiu, e durante o período da vida dela, ela representava o pensamento da OPAS? Assim, uma linha editatorial. Ou ela chamava autores que escrevessem o que quisessem? Ela tinha uma linha editorial assim específica?

RN – Olha, eu não sei lhe responder bem não. Sabe? Eu acho que gradativamente, nos anos 90, mesmo nos anos 80, já não tinha uma determinação clara sobre o que é era...

JC - Deveria ter, no início.

RN – Deveria ter, no início.

JC – Eu vou averiguar isso.

RN – É, é importante perguntar até ao Zé Roberto sobre.

CH – Esse definhamento, o qual passou a revista, até o seu fim propriamente dito, sua decadência, podemos dizer que refletiu um pouco o declínio do tema dos recursos humanos dentro da Organização? Ou não?

RN - Olha, é interessante essa pergunta, porque, veja bem, eu acho que simplesmente, ela deixa de ser lida. Porque começa a aparecer outras fontes importantes de divulgação. Veja, eu publiquei esses cinco ou seis artigos na  revista, e eu acho que eles nunca foram lidos no Brasil. Por que? Porque no Brasil, nessa época, começava a aparecer tantas publicações, não é? E quem que ia se preocupar com uma revista da OPS-Washington? Então, ninguém leu.

CH – Quais seriam os canais então, que vieram, digamos assim, substituir essas publicações?

RN – Eu acho que foram, basicamente, canais nacionais, eu acho que as pessoas deixaram de recorrer a internacionais, não é?

CH – É, quando falamos canais, são outros periódicos?

RN – É, outros periódicos.

CH – Um exemplo, para a gente...

RN - Olha, vou dar um exemplo, no Brasil a revista do CEBES [Centro Brasileiro de Estudos de Saúde], certo? A revista de Saúde Pública, da ESNP. Da USP, eu não falo tanto, porque a USP é muito especializada, entende? O pessoal da área de epidemiologia. Eu acho que são os dois exemplos, não é? E, mas, eu também não tenho uma avaliação correta, muito segura, de como é que ela era aceita, nos anos 60 e 70, entendeu?

JC – Não deve ter havido também, essa avaliação, não é?

RN – Pode ser que, sabe, nem era tanto assim, não sei, não essa decadência, ela tinha um pequeno espaço, e até esse pequeno espaço foi se perdendo ao longo dos anos. Ou seja, nunca foi um espaço... Também nunca foi muito unida, mas, eu não tenho essa avaliação.

JC – Agora, o engraçado, é que ela é muito procurada e referenciada hoje, não é? Muita gente procura, digo, a revista de Educacion Medica y Salut da OPAS.

RN – Pois é.

JC – Parece um paradoxo, não é?

RN – É, parece .

JC – Vou mudar o assunto. Roberto, ontem, você falou de alguns autores, como entram na OPAS, e você falou em Paulo Freire. Como é que a leitura de Paulo Freire? Eu estou falando entra no GAP, ou entra na OPAS. Como ele foi apropriado, enquanto agenda na OPAS, ou os projetos que vem...?

RN – O Paulo Freire não entra na OPAS.... Na verdade, quer dizer, o Paulo Freire é um autor da conjuntura dos anos 60, portanto toda essa educação de base que se fez no país, da alfabetização, também dos projetos de extensão, plural, enfim, da educação popular, como um todo, não é? Mas, nos anos 70, em plena ditadura, você já não tinha. Você não tinha uma circulação das idéias de Paulo Freire dentro das instituições. Poucas, não é?

JC – Certo.

RN – Então, o que vem do Paulo Freire é, basicamente, no nosso caso, ligado à trajetória da Izabel Santos, certo? Ela traz alguma coisa assim. Quer dizer, ela está vindo de Recife, certo? De ver coisas, que tem a ver com todo esse movimento aí, dito, nacional, não é? Mas, como ela é uma pessoa dedicada, mais que nada, a qualificação técnica, o Paulo Freire não... Entra em uma outra ótica,  uma perspectiva emancipatória educacional geral, uma Paidéia. A perspectiva de Paidéia é muito mais uma qualificação para o trabalho diferenciada, no sentido de permitir maior autonomia para as pessoas pensarem o que fazem, aonde estão. Para não pensar só o seu trabalho, pensar o mundo junto com o trabalho, não é? Mas, não é uma proposta educacional muito ampla. Então, quando o Larga Escala aparece, ele incorpora algumas coisas do Paulo Freire, através de alguns autores  que já traduzem o Paulo Freire, não é? Não me lembro, mas tem um autor, acho que ele é paraguaio, foi importante, não... Estou esquecendo o nome dele.

JC – Diaz,

RN – Hum?

JC –  Diaz, alguma coisa Diaz? Juan Diaz?

RN – Não.

JC – Bordenave?

RN – Bordenave.

JC – Bordenave.

RN – É o Bordenave.

JC – Eu me atrapalhei, porque o Bordenave é pai do Juan Diaz. [risos]

RN – É do ator, não é?

JC – É, do ator.

RN – É, e ele também é pai de uma amiga minha, que foi casada com Carlinhos. Carlinhos, você conhece? Ah, não, você não conhece não.

JC – Maria?

RN – É, Maria.

JC – É, Maria, Maria, eu conheço.

RN – É, é... Então, o Bordenave, ele tinha feito alguns trabalhos para extensão rural, certo? Para educação, várias áreas, extensão do trabalho com o pessoal de campo. Dentro dessa linha, bem da igreja, não é? Então, ele, nos anos 60, eu creio, certo? Mas, ele ficou pelo Brasil, ainda está aí, sempre vinculado à igreja. E aconteceu o seguinte: vou contar um pouquinho da história do início do...

JC – Larga Escala?

RN – Do Larga Escala, é. Então, nós estávamos nos anos 70, começo dos anos 70. Vamos indo, perdão, é começo dos anos 80, 82, 83, certo? Então, nós já tínhamos dois ou três anos de GAP, certo? Já era, mais ou menos, a época do PREV-SAÚDE, certo? E nós avaliando essa linha de qualificação dos agentes de saúde, esse pessoal com baixo nível de escolaridade, baixa capacidade de técnica, que já fazia uma massa, tinha uma massa de gente trabalhando nos postos e centros de saúde. Então, se nos anos 70, a preocupação era só em qualificar, fazer pequenos cursos assim de reciclagem, de aperfeiçoamento desses trabalhadores; nos anos 80 começa a aparecer a preocupação em realmente titulá-los, certo? Fazer com que eles chegassem à dispor de um diploma. Então, tinha que ter o que se chamava habilitação, não é? E aí, nós tentamos criar uma habilitação, inicialmente foi chamado do visitador sanitário, porque já existia, na época, nós apenas qualificamos essa habilitação. A habilitação é uma espécie de diploma, uma carreira de nível médio, definida educacionalmente, tem um perfil de habilidades etc e tal, que, na época, era regulada pelo Conselho Federal de Educação. E depois tinha que ser regulada  nos estados, também, não é? Então, se criou uma carreira de nível médio, uma qualificação formal de nível médio, certo? Para o agente de saúde, para ele ser transformado, não é? Nesse processo, ele poder sofrer um processo de ascensão educacional. Ele era informal, ele não tinha nenhuma qualificação, então, uma qualificação educacional normal, ele não tinha nenhum título, um diploma. Então se ele fosse um visitador sanitário - que era chamada uma qualificação - era uma habilitação parcial do auxiliar de enfermagem, certo? A habilitação plena, era o técnico de enfermagem, a habilitação parcial era o auxiliar de enfermagem, e também tinha o visitador. Tudo isso era uma família de ocupações reconhecidas pelo MEC, certo? Então, aparecem duas preocupações simultaneamente, uma de dar um diploma para oferecer uma espécie de cidadania para esse trabalhador, que não tinha identidade. Ele não era nada, ele era um cara qualificado no serviço. Então, a primeira idéia, vamos colocá-lo como um pleno cidadão, com seu título na mão. E isso passava por uma articulação muito grande com o MEC, com os Conselhos Federais e com os Conselhos Estaduais de Educação, certo? Segundo, fazer um processo integrado de educação e serviço e utilizar os supervisores,  dos centros de saúde como professores desse processo. E aí, se passa também, a incorporar uma metodologia um pouco mais emancipatória, vamos dizer assim, que se inspira em Paulo Freire, com todas as adaptações necessárias, certo? E aí, nesse papel, nessa luta de muita importância, a contribuição da Izabel [dos Santos], que foi sempre uma inspiradora da Hortência Holanda, que havia sido uma consultora da Organização Mundial da Saúde, em vários países, tal, que era, tradicionalmente, uma educadora sanitária, né? E a Cristina Davini, que foi uma assessora da Argentina, e que estava no Brasil nessa época, depois voltou para Argentina, certo? Mas, era pedagoga, com mestrado. Acho que mestrado ou doutorado em Pedagogia, aqui pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Então, essas três pessoas, e eu me juntei, trabalhando muito na formulação desse método, não é? E aconteceu o seguinte: nós nos metemos à preparar primeiro os instrumentos de qualificação do supervisor, instrutor. Se bem que esse é o educador, como primeira etapa. Depois, sair pelo país inteiro, ou quem estivesse a fim, por alguns estados, promovendo seminário de qualificação dos instrutores. Numa segunda etapa, preparar os currículos específicos para cada categoria. Primeiramente, do visitador sanitário, não é? E isso aí, então, implicou em você, em todos nós estarmos fazendo um trabalho operacional que era muito interessante, porque a gente aprendia muito nesse grupo, interagíamos muito. Eu aprendi coisas incríveis, não é? Porque eu, de repente, tinha que escrever também uma parte destes textos. Imagina, eu estava na OPAS, Brasília, escrevendo textos que seriam lidos pelos instrutores desse processo, depois, até pelos alunos, pelos agentes de saúde, não é? E, então, foi um processo muito artesanal, vamos dizer assim, se você compara com a experiência posterior do PROFAE [Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem], ele foi caracterizado por uma centralização muito grande. Talvez, a Izabel não concorde com isso, porque era a única forma que você tinha de fazer. A gente não queria delegar, pra quem quer que seja, porque achávamos que poderia perder a filosofia pedagógica, que era o Larga Escala. Essa coisa, meio de libertadora, entendeu? Que não era qualificar por uma açãozinha, certo? Era o anti-taylorismo, era humano, o que nós imaginávamos. Então, vamos fazer uma qualificação anti-taylorista. Ela pensa o mundo a partir da função que faz. Mas, nós tivemos envolvidos diretamente na elaboração desses primeiros manuais de capacitação. Depois foi descentralizado, a Universidade Federal de Minas Gerais, tudo, foi contribuindo etc. Você acompanhou isso, então o Larga Escala foi assim, uma experiência extraordinária, nesse sentido, da gente entrar mesmo na discussão da pedagogia, da integração do ensino-serviço. E, enfim, de trazer uma nova visão de mundo para aquilo que era uma integração muito burocrática, que você fazia através da política, uma coisa muito descentralizada e tal. Mas, não,  normalmente, você não se envolve com o processo pedagógico em si, não é? Então, foi um compromisso com o processo pedagógico e com o processo de titulação. Esses caminhos apareciam como alguma coisa que valorizava o trabalho dessa população imensa de trabalhadores que eram ignorados, não é? Então, tinha aí um sentimento de solidariedade com esse grupo social, tinha tido a oportunidade de se qualificar, e aí melhorar, mal pago, entendeu?

JC – É, dentro ainda do Larga Escala, queria que você falasse sobre a construção dele. Agora, institucionalmente, como é que ele se coloca na OPAS? Como é que ele se coloca no Ministério da Saúde?

RN – Na OPAS, você fala, como assim?

JC – Minha pergunta é se a OPAS assumiu. Ele fazia parte do GAP na construção, mas quando ele vai se concretizando nos estados enquanto formação, da equipe, que vai formar diversos atendentes e auxiliares, qual o papel da OPAS nesse trabalho? Como é que essa relação se dá com o Ministério da Saúde? Porque, quando a gente fala no Larga Escala, a gente sempre fala muito na entidade Izabel dos Santos, todavia, Izabel dos Santos, apesar da gente estar brincando, é pessoa física, não é? E, de uma certa forma, esse projeto, dizem que ele não - muitas pessoas falam nesse sentido - que ele não chegou a se configurar numa política pública, é uma pergunta que eu quero fazer, assim, como é que você avalia esse projeto enquanto política pública ou não?

RN – É.

JC – Mas, ele teve um apoio institucional...

RN – O Larga Escala está muito ligado ao carisma da Izabel desde o início, e até o final do processo. Se é que houve um final. Então, isso ninguém pode negar. Então, como a educação popular, no governo do João Goulart, estava ligada ao Paulo Freire. Não tinha jeito de separar, não é? Agora, a questão é que ele foi formulado na OPAS, com essas condições que nos falamos aqui, ou seja, que era possível você ter um grupo afastado do dia a dia de uma burocracia. A gente tinha um processo para responder, certo? Um murmúrio político-administrativo, que você tem no ministério, e outras perturbações. E se pôde realizar um trabalho bastante técnico, certo? Mas, implicava em uma divisão de trabalho, mais para baixo, para os estados e para os municípios, do que, horizontalmente, no governo federal. O Ministério de Saúde participou muito pouco desse processo. Naturalmente isto também deu margem a ciúmes, entendeu? Então, eles se sentiam excluídos, eventualmente, eles eram chamados para uma ou outra etapa, mas, a coisa se exercia basicamente através da OPAS, nessa articulação com o MEC. O MEC sim, mas havia coisas que foram discutidas, mas, menos com o Ministério da Saúde. Eventualmente, eles acompanham alguns momentos, os técnicos lá do ministério, mas, muito pouco. Eles não se identificaram com esse programa, certo? Então ele nasce, cresce e se expande, ou morre, como iniciativa da OPAS, identificada com a pessoa Izabel dos Santos. Eu participei muito, ajudei em vários momentos, mas, a partir de um certo momento, quando eu comecei a trabalhar, a me meter muito nessa parte de pesquisa, eu deixei um pouco meu pré-observatório de recursos humanos [risos] Aí, a Izabel, inclusive, ela ficou um pouquinho ferida, evidentemente: “mas, o Roberto, só vai, só vai até certo ponto, enquanto está na formulação, ele está junto. Na hora da implementação [risos] ele sai”. Foi a crítica que ela me fez: “ele não gosta de mexer no dia a dia das coisas,  gosta de estar só lá em cima”. Mas, como era uma relação...

JC – É uma constatação, não é crítica. [risos]

RN – Obrigado, obrigado, pela parte que me toca [risos]. É assim, é mesmo assim, não é? Você sabe que vê? Eu sou capaz de fazer aquele livro, detesto divulgar o livro, entendeu? Você me conhece, não é? É, mas era crítica de mãe para filho, [risos] Você tirou e, deixa ali no cantinho, não é? Mas, aí, eu não me envolvi mais no processo todo, porque era muito detalhado, era muito trabalhoso. Elas viajaram pelo país inteiro, ela e a Nina Galvão, que é outra figura importante, né? Já, pelo MEC...

JC – Na construção de todas escolas, não é?

RN – Acho que é importante vocês entrevistarem, em algum momento, talvez, a Nina. Não sei se vai dar, mas a Nina...

JC – Ela está na Colômbia? Ou está aqui?

RN – Não sei.

JC – Ela esteve lá para a Colômbia.

RN – É?

JC – Tem que dar uma checada nisso.

RN – Ela tem muita memória, desse período posterior. Eu fiquei muito, vamos dizer assim, no primeiro ano, o primeiro, o segundo ano da formulação do Larga Escala, certo? Aí, logo em seguida, eu fui... E Também eu estava metido muito na questão da reforma sanitária, apoiando a Nova República, assessorando o Ministério, entendeu? E, enfim, também lá, na participação na 8ª Conferência [Nacional de Saúde], a gente ajudou a escrever todos... Na verdade, nós contratamos a produção dos textos e coisa e tal, para a 8ª Conferência Nacional Saúde. Eu fui relator da 8ª, não é?

CH – Na verdade, ontem a gente parou já no cenário da sua ida para Washington, não é?

RN - Acho que a gente podia recuperar um pouquinho esse contexto que vai te  içar para OPAS-Washington.

RN – Olha, eu acho que tem um contexto, de um lado, interessante, porque nós estávamos muito envolvidos, um ano e meio de Nova República. E nós estávamos, em um grupo todo das pessoas que queriam participar do movimento sanitário, estavam em funções destacadas, dentro do governo. Mas, aí, tem a ver com aquela crítica da Izabel. Eu gosto mais de participar da formulação das coisas, o dia a dia da implementação, os conflitos, não vejo nada. Naturalmente apareciam muitos conflitos, não é? Na relação não só com a OPAS, como no Ministério da Saúde - mesmo sendo amigos - embora a gente não fosse encarado como uma pessoa de OPAS, não é? Mas, me deu a sensação de esgotamento, não é? É muito mais intuitivo, assim, o movimento vai se institucionalizar, vai se burocratizar, já até aqui eu fui no entusiasmo das coisas. Ela faz essa crítica, mas, não, eu sei que faço as devidas reservas e tudo o mais, mas é mais, é muito mais que um sentimento. Pode ter muito mais a ver com as minhas limitações. Eu não sou de gerência. As pessoas precisam ser deixadas livres, pensando as coisas. Daí, toda a vez que eu entro na gerência, eu fico com uma culpa, uma sensação de desconforto tremendo, entendeu? Achando que eu não estou fazendo as coisas certas. Embora, as pessoas em torno de mim achem que está tudo bem, mas gostam de trabalhar comigo, mas, eu fico sempre com a sensação de que se perdeu a autenticidade, tem a ver com essa questão de saber lidar com a burocracia, as relações humanas, não é? Também tem a ver com capacidade de negociar, de articular. Então, eu achei que o movimento, daí para frente, ele tinha que estar vivendo essa realidade institucional para a qual, eu não tinha muito talento. Eu não pensava muito naquilo, aquelas briguinhas, aquelas briguinhas, aquelas coisas todas. E aí apareceu a chance, o José Roberto [Ferreira] me convidou, Carlyle [Guerra de Macedo] também estava interessado em que eu fosse para poder abrir a vaga da coordenação para o Eugênio [Vilaça Mendes], não é? Foi um concurso, que na realidade, todos os postos da OPAS...

JC – Da OPAS.

RN – São por concurso, não é?

CH – Isso 87, não é?

RN –  É, começo de 87. Perdão, final de 86, na verdade.

CH – E como é que foi sua experiência lá?

RN – Foi muito estranho, assim, não sei, parece que eu tinha perdido meu mundo, não é? Eu achei que não, cheguei lá, quer dizer, era uma sensação de uma burocracia apenas mais tranqüila, certo? Menos explicitamente conflitiva do que eu via no Brasil. Porque é menos marcado por movimentos, foram marcados por “chefórios”. É, mas, aí, eu caio, caio lá e, poxa, é tão diferente, começa pela língua,  se fala espanhol, de repente, você está em um país daquele, falando espanhol, e a expectativa deles é que eu implementasse coisas na área de...

JC – Recursos humanos.

RN – Recursos Humanos não, exatamente.

JC – De força?

RN – É, de força trabalho em saúde, sistemas de informação e pesquisa na força de trabalho em saúde. E, como aconteceu, foi o que eu disse a vocês ontem. Eu vinha com esse interesse muito grande na área de informática. Eu estava assim, apaixonado pela informática, querendo fazer programação, criar programas computacionais para registro de dados de força de trabalho de saúde. Eu vou falar uma das coisas que eu faço, eu criei um programa, foi o primeiro. Ele foi uma primeira tentativa de criar um sistema para registro de dados, porque você tinha, na época, tinha planilhas. Planilha é uma coisa muito simplista, como é o Excel hoje. Aí, eu fiquei imaginando: “que tal ter um programa que eu possa tabelar e cruzar toda a informação possível, que se tenha” Aí, tinha que tirar, tirar de tabelas grandes, fazer tabelas menores, aí fazer, enfim, produzir relatórios, uma série de coisas assim, que hoje são correntes. O computador já faz, entendeu? É, tem outros milhares de programas para fazer, mas, na época, não tinha. Agora, a minha maluquice foi essa, eu querer fazer isso em Washington. Mas, isso veio por conta da minha propensão à ficar querendo criar coisas novas. E eu me dediquei muito à isto, a formar a parte, a base de informática para os bancos de dados de recursos humanos. E, paralelamente, eu me meti em um curso de tentativa de capacitação e pesquisas de força de trabalho. Eu trabalhei com os residentes da OPAS, aqueles que estão lá na residência da OPAS. Promovi um curso de metodologia de pesquisa do mercado de trabalho, de força de trabalho em saúde na Costa Rica, certo? Que eu chamei algumas pessoas que foram ajudar, o pessoal lá da Argentina, o Carlos [?], não é? Mas, eu diria assim, foram tentativas de me situar numa função gerencial internacional, em que eu não me adaptei bem.


FIM DA FITA 3/LADO B

Entrevista 4

Início da página

PROJETO:
HISTÓRIA DA COOPERAÇÃO TÉCNICA EM RECURSOS HUMANOS EM SAÚDE NO BRASIL

Data:
1 e 2 de Março 2005

Depoente:
RN – Roberto Passos Nogueira

Entrevistadores:
CH – Carlos Henrique Assunção Paiva
JC – Janete Lima de Castro

Entrevista:
2ª 

Código:
4/4

Transcrito por:

Andrea Ribeiro – Setembro de 2005

FITA 4 / LADO A

RN – Então, eu diria assim: eu não me senti bem sucedido profissionalmente. Aquilo que eu gostaria de fazer naquele ambiente de Washington. A minha sorte é que o Zé Roberto [Ferreira] me abriu todo o espaço possível para eu fazer o que eu bem entendesse, nunca me cobrou nada nos dois anos que eu passei lá, no sentido de “ah, você tem que fazer isso, isso e isso”, certo? Então, teve seu aspecto humano interessante da convivência com o Zé Roberto. Posteriormente, com outras pessoas. Eu me afeiçoei bastante. Eu mudei de vida, recasei Rio-Washington, eu casei com uma americana, viu, Carlos? Também foi uma...

JC – Uma mudança.

CH – Uma bela mudança.

RN – Foi um fruto importante dessa história, não é?

RN – É. tive duas filhas. Mas, o que eu gostava mesmo era de estar em grupo de formulação. Então, eu queria me reportar àquele grupo anterior, que era o GAP [Grupo Assessor Principal]. E lá, eu não tinha essa oportunidade, nem a parte de informática tinha razão de ser, estando num nível tão central assim, não é? E nós nem tínhamos um grupo capaz de estar pensando coletivamente, como a gente pensava no GAP. Então, eu fiquei meio saudosista, então agüentei só dois anos.

CH – Ah, você agüentou dois anos, ficou até o final de 88.

RN – Ah, 87, 88, é 88 começo de 89.

JC – 89.

RN – Carnaval de 89...

JC – De 89.

CH – De 89.

RN – 89, eu estou no Rio de Janeiro.

JC – Roberto, deixa eu fazer uma pergunta: nessa sua vida internacional, você disse ontem, que não conseguiu fazer muita relação das experiências do Brasil para os outros países, quando estava lá, porque você sentiu muita diferença dos outros países com o Brasil, não é?

RN – Lá tinha informação, sistema de informação...

JC – É, outras pessoas inclusive, me falaram isso, também, das diferenças. Agora minha pergunta é a seguinte: para o Brasil, como é que foi a sua relação enquanto consultor que estava na sede de Washington com a cooperação técnica existente aqui no Brasil?

RN – Oh, era muito pontual, porque, veja bem, eu tive a oportunidade de vir aqui em algumas oportunidades, como o CADRHU [Curso de Aperfeiçoamento em Desenvolvimento de Recursos Humanos]. Eu acho que teve alguns momentos do CADRHU, que eu vim direto participar, dar orientações, seminários de avaliação. Teve até um grande seminário de avaliação do CADRHU, não é? Eu vim de Washington e participei disso.

JC – 87.

RN – Ah, eu fiquei, eu fiquei ligado a algumas atividades, acompanhando o que o grupo estava fazendo aqui. Mas eram pontuais. Fui perdendo um pouco o fio da meada do que estava acontecendo, não é? Então, não tive nenhum papel, no sentido de formular coisas, ajudar a formular coisas lá, que, afetassem o que estava acontecendo no Brasil. Então, a imagem que se tinha lá, era o seguinte: todo mundo interessado em saber o que estava acontecendo no Brasil, querendo que o [Sergio] Arouca fosse lá. O Arouca foi lá umas duas vezes e falou do movimento sanitário. Mas, em Washington, o programa de recursos humanos, não tinha uma influência muito importante, nessa época, no que estava acontecendo aqui. Eu diria que não tinha influência nenhuma.

JC – Certo, era uma agenda própria.

RN – Agenda própria, que os brasileiros estão cumprindo lá e pronto.


JC – É, você falou no CADRHU. Como é que se dá a relação OPAS com dois planos, projetos, já de meados dos anos 80 e outro já no início da década de 90, que é o CADRHU e o GERUS [Projeto de Desenvolvimento Gerencial de Unidades Básicas de Saúde]. Qual é o papel da OPAS na construção desse projeto e no desenvolvimento dele, na disseminação dele no território nacional,  enfim...?

RN – É, acho que o papel se conhece bem, foi um papel decisivo, é uma iniciativa de um grupo de  pessoas. Evidentemente, as pessoas se reúnem para discutir o que fazer, como é que se tira uma linha estratégica de capacitação, e essa é a diferença, se introduz nessa época, é que não é mais o GAP sozinho, é o GAP como uma interlocução institucional, no Ministério da Saúde, no Ministério da Previdência e também nos núcleos de Saúde Pública, certo? Então, aí, se forma uma rede, a verdadeira rede que nós tivemos, de recursos humanos, foi essa, nessa época, porque nós estávamos interessados em tomar novas iniciativas de capacitação, né, tanto para a gestão de recursos humanos, como para a gestão de serviços locais etc e tal. E nós começamos a fazer uma formulação conjunta, interinstitucional, com um certo grau de informalidade também. E, então, isso é um outro contexto, é um contexto pós-GAP, então estamos falando aí de 86, 87, 88...

JC – É.

RN – ... É quando os núcleos de saúde pública começam a ter um papel de protagonista, na reforma sanitária, na reformulação das idéias, certo? Então, você tem essa difusão extraordinária dos cursos de saúde pública, no país inteiro, não é? E também nós começamos com essa linha de cursos estratégicos, os quais os dois, foram bem sucedidos, o CADRHU e o GERUS. Os outros não foram tão longe. Como é que é isso?

JC – É, o CAPS teve só duas apresentações.

RN – O CAPS, do planejamento, né?

JC – É, planejamento.

RN – O de epidemiologia, ele também estava previsto, não, não foi para a frente.

JC – E teve também o de farmácia, de medicamentos, farmácia.

RN – Medicamentos e tal. Então, nessa fase inicial de pensar o que quê eram esses cursos, já não existia um grupinho, certo? Estava lá na OPAS para fazer tudo. Diferente do Larga Escala.

JC – Eu sei.

RN – Um outro momento, um momento muito mais de participação, de envolvimento, de atores nacionais, de diversas instituições federais, estaduais, não é? Então, é isso aí, uma parte desse processo eu perdi, porque eu estava em Washington. Nesses dois anos aí decisivos, 87, 88, 88.

JC – 86 e 87.

RN – 86, 87 e 88, quando eu vim, em 89, fevereiro de 89, eu já vou me engajar na ENSP, certo?Pouco depois eu passei a coordenar NERHUS [Núcleo de Estudos e Pesquisas de Recursos em Saúde], enfim, mas aí, já entra uma outra história.

CH – Bem, até que ponto a mudança de gestão na OPAS, na direção da Organização, com a saída de [Hector] Acunã, por exemplo, vai transformar, vai mudar a cooperação técnica OPAS/Brasil?

RN – Eu não entendi bem, Carlos.

CH – De Héctor Acuña, passando para Carlyle [Guerra de Macedo], teve uma mudança, pelo alto, na Organização da cooperação técnica OPAS e Brasil?

RN – Olha, não, sabe por quê? Eu diria que, não. Continuou o mesmo grau de autonomia que se tinha. Assim como Carlyle, ele foi autonomista, em termos de ditar os conteúdos do GAP, quando ele foi pra Washington, ele respeitou isto. Ele apenas tinha uma injunção administrativa, bastante injunção, certo? Em termos do que se faz, do que sabe, quem entra, quem é pago, quem que não é pago, sabe, esse tipo de coisa. Do manejo administrativo, mas, em conteúdo, ele tratou de não afetar nada. Então, isso continua, durante toda gestão, até aonde eu vejo, durante toda a gestão dele, certo? É, não consigo ver, teria que perguntar isso melhor para o [José] Paranaguá [de Santana], em que é que a OPAS Washington interviu em termos de dar linhas novas ou abandonar linhas antigas. Não sei, muito pouco, muito pouco. É, quer dizer, a OPAS passou a ser mais protagonista nos últimos cinco, seis anos.

JC – Nos últimos, para cá?

RN – É, eu diria, do final de 90, para o começo de 2000. No sentido...

JC – A OPAS, OPAS-Washington?

RN – Eu digo é a OPAS, OPAS/Washington. Aí, nós demos o exemplo da linha de Observatório de Recursos Humanos [em Saúde]. Essa é uma linha totalmente formulada em Washington.

CH – Mas o grau de autonomia ainda é grande, não é? Não há uma centralização por parte da OPAS-Washington. É difícil você construir um padrão para os diferentes Observatórios, cada um tem um formato, não?

RN – É, eu sei, mas, só que nós estamos fazendo isto no Brasil, e chamando isto de Observatório. Deve-se, contudo, à iniciativa claramente da OPAS-Washington, ou seja, se isso não fosse pensado lá, não existiria no Brasil.

JC – Agora, a linha de cada um ter um formato, também não foi uma definição dessa política?

RN – Cada um ter um formato como?

JC – De cada Observatório ter a sua missão diferenciada?

RN – Foi, se procurou fazer uma divisão de trabalho, alguns pegam o lado educacional, outros mais mercado de trabalho, outros tem vocação para pesquisas, por telefone, por exemplo, se é a metodologia diferente, não é? Mas, eu acho que não, o que importa é que é isso: o Observatório de Recursos Humanos, certo? Embora nós tivéssemos várias iniciativas de pesquisas pontuais, como tal, como rede, foi uma linha ditada por Washington.

CH – É, quando eu penso em autonomia, eu penso assim: eu desconheço esse assunto, Washington acompanha, exerce uma espécie de controle de qualidade, desses Observatórios, porque o que encontramos como Observatório por ai. Por exemplo, tem o Observatório que é uma página de apresentação na internet. Outros já têm uma base de dados, enfim, são mais sofisticados. Então, a diferença entre um e outro é muito grande, do ponto de vista da qualidade.

RN – Não, isso aí tem a ver, eu acho que é importante vocês, talvez não sei se é relevante para essa pesquisa, eu fiz uma exposição agora na Rede Unida, em que eu falei a história das redes de pesquisa em saúde coletiva, desde os anos 70. Começa com PESES/PPREPS, e aí, eu chego nesse ponto da questão da qualidade, do trabalho em rede, certo? Bom, uma coisa assim de umas quatro páginas, eu acho que este trabalho já está na página da OPS, da OPAS-RH. É, então, eu capturo um pouco a história desse trabalho em rede, como se fosse a partir do PESES/PPREPS, vai crescendo os trabalhos dos núcleos de saúde pública nos anos 80, certo?  Desembocando depois, até na nossa rede de Observatório, certo? Então, é interessante, porque, eu fui lá fazer essa exposição e aproveitei e escrevi isso, porque estavam pedindo também quatro paginazinhas, que eu escrevi. Mas, tem essa coisa, nós estamos em um momento de saber o quê que é essa política, em termos da expressão de qualidade, porque ela é basicamente  igualitarista. Todo mundo é igual, em termos de financiamento, até pode ter pequenas diferenças, e tal. Mas, você não tem, uma concorrência que faça aprovar o seu projeto, nem tem uma avaliação da qualidade do que é feito. Então, até agora nós estamos numa linha muito permissiva, vamos dizer assim, porque é como se a gente tivesse ganhando um momento para difusão mais ampla possível do número de Observatórios, não é isso? Esse instrumento, estamos com quinze agora. Se disséssemos: “não, vamos ter qualidade, assim, assim e assim”, você poderia estar brecando o aparecimento de grupos novos.  Então, tem toda essa coisa, mas a questão da avaliação da qualidade vai ter que ser colocar em algum momento, eu não sei como...

JC – Certo.

RN – E eu não sei como, é uma questão delicada....Então, o Larga Escala, vocês acham que eu, mais ou menos, cumpri com a expectativa de vocês?

JC – Acho que sim.

CH – Hum, hum.

JC – A gente já tem alguma coisa sobre o Larga Escala. Você foi mais veemente do que o material que a gente tem, essa relação, o surgimento do PPREPS, OPAS, não é?

RN – É.

JC – Como que a relação dele com a OPAS.

RN – É, eu fui bem...

JC – Que é uma coisa que a gente estava em dúvida ainda, em relação com o ministério.

CH – Hum, hum.

JC – Roberto, nós temos uma outra pergunta aqui, ainda nessa perspectiva da rede, vai ser ótimo a gente ler esse texto que ele está falando, né? Mas a questão dos núcleos [de Saúde Coletiva]. Eu sei que você estava fora, na construção desse núcleo, mas talvez você tem alguma coisa a informar da construção do núcleo e novamente do propósito da OPAS. Bem, na construção desses núcleos... Quer dizer, qual foi o protagonismo ou não, da OPAS na construção dos núcleos? Se você tem informação sobre isso.

RN – Não, eu acho que o protagonismo foi da OPAS, foi mais, foi do Ministério da Previdência Social, do Paranaguá e um pouco do Ministério da Saúde, certo? Com o Chico [Francisco Campos], o Chico no Ministério da Saúde, o Chico era coordenador de recursos humanos e o Paranaguá coordenador de recursos humanos do Ministério da Previdência.

JC – Ah, sim.

CH – Para efeito de registros a gente estava falando da rede de Núcleos de Estudos de Saúde Coletiva.

RN – Isso. Então, quer dizer, como é que esses grupos foram articulados? Para que tenha alguma coisa a ver com o papel histórico do GAP. Eu acho que o GAP, nesse momento, não jogou um papel tão decisivo. Acho que a Fiocruz também teve alguma coisa a ver, porque isso passou pela questão dos cursos descentralizados de saúde pública. Então, é importante, em algum momento talvez, vocês entrevistarem a Tânia Celeste [Matos Nunes], para situar um pouco essa história da Fiocruz, na interface com o GAP, com o ministério, entendeu? E nessa questão também específica... Porque os cursos de saúde pública, veja bem, eles foram  decisivos mais pra criar uma base de conhecimentos, sobre a qual se sustentou, o movimento sanitário nos estados. Nós éramos São Paulo e Rio de Janeiro, USP, UERJ, ENSP. E os cursos de saúde pública levaram esses textos, esses conhecimentos, essas interpretações, da reforma sanitária, para os estados. Eu entendo assim. E depois, se sustentando, esses cursos se sustentaram um pouco na participação dos núcleos de saúde pública. Então, eu acho que é muito importante recuperar essa história com a Tânia, por que ela era coordenadora dos cursos descentralizados de saúde pública.

JC – Roberto, me diga uma coisa: uma avaliação hoje, veja se eu estou equivocada, se sua avaliação coincide, que o protagonismo de Washington, nesses últimos cinco anos no Brasil, digamos, dê uma mudança na cooperação técnica de recursos humanos. A pergunta que eu faço pra você é como é que você vê, como é que se caracteriza essa mudança, e se você acha que tem futuro, não é? Como é que seria o caminhar da cooperação técnica de recursos humanos no Brasil?

RN – Olha, eu acho que a OPAS-Washington, digamos a OPAS Brasil-Washington praticamente perdeu a sua potencialidade de afetar as políticas, eu diria basicamente, de recursos humanos. Mas, talvez, porque eu não conheço das outras áreas, né? Mas, eu tenho às vezes, a sensação de que é tudo...

CH – A OPAS-Brasil?

RN – A OPAS-Brasil, certo? Então, ela talvez, vá se resumir, e é isso talvez o que ela se propõe, a um papel de assessoria técnica, muito especializa, muito pontual, contribuindo em algumas coisas. Eu, por exemplo, tenho essa vivência atualmente. Eu estou lá no IPEA, acabei de fazer, um estudo junto com outras pessoas aqui do Ministério da Saúde, dos objetivos do milênio. Com tais documentos; mortalidade infantil no país, ou mortalidade materno-infantil. Então, a gente faz um estudo que tem uns aspectos demográficos, epidemiológicos, da avaliação das políticas, das noções de saúde. E a gente envia para a OPS, pra eles fazerem uma leitura do que nós estamos escrevendo e tal. E aí, eles respondem para a gente. É bom que tem a internet, tal, presta atenção à isso, àquilo e tal. Fazem uma contribuição, pontual dentro do texto. Mas, eles já, não, não vão fazer, no contexto político atual, avaliação das políticas do milênio. No Brasil, isso, não, isso não acontece. Ah, o IPEA, junto com os outros ministérios que está fazendo isso, porque os objetivos do milênio são vários, são vários grandes objetivos. É, então, eu estou lhe dando um exemplo de como é que esse papel da OPAS hoje, já não é de protagonismo político.

JC – Certo.

RN – É de uma assessoria técnica especializada e pontual.

JC – Sim.

RN – Não é mais como antigamente, que o César Viera brincava muito, dizia que cada programa especial tinha o seu assessor da OPAS. Então, um companheiro ali, o tempo todo, sabe, juntinho. E quem está lá? O cara da tuberculose, tinha o assessor da tuberculose da OPAS. Então, no dia a dia, os dois juntos, até se confundia, um pouco, esse papel. Hoje, a minha sensação é de que a OPAS se restringe a um papel mais à distância, mais pontual, mais de opinião, e nenhuma formulação.

JC – Quando você acha que ocorre essa mudança? A partir de quando e por quê? Você já fez alguma referência.

RN – Eu acho que ela acontece a partir dos anos 90.

JC - Meados dos anos 90, final de 90?

RN – Final de 90.

JC – Final de 90.

RN – Eu tenho a impressão, e aí seria bom se fosse também entrevistar o Eugênio Vilaça [Mendes]. Com a saída do Eugênio, também coincide com isso, entendeu? O Eugênio foi um cara, um cara muito importante na formulação de algumas linhas políticas. A OPAS teve um protagonismo, mas, digamos, já era o final, o final desse período, havia um esgotamento. Então, o Eugênio talvez tenha contribuído muito mais como intelectual. Ele não foi reconhecido como uma pessoa da OPAS que afeta as políticas, que contribui para as políticas. Foi como Eugênio Vilaça, que está produzindo coisas, que, por acaso, está na OPAS... Então, aquele livro todo, aquele, a Agenda para Saúde, que é um livro importante, tudo isso foi feito dentro da OPAS. Mas, não foi um livro, digamos assim, ou os textos, que produziram políticas novas. Tem a ver com saúde da família etc e tal. Mas, ele não teve um protagonismo na própria gestão das políticas, mas, talvez muito mais como pessoa que contribui para enriquecer intelectualmente o processo.E eu acho que é, mais ou menos, o papel. A OPAS hoje, enriquece o processo com informação, com análises, entendeu? É com produtos, mais ou menos, desenvolvidos, do ponto de vista de um referencial teórico etc e tal. Mas, já não afeta, não é? E tanto é assim que você pode ver que o Paranaguá vem se dedicando em grande parte à questão dos sistemas de informação, dando ênfase à questão da web, não é? Porque não está mais ligado à uma função de formulação.

JC – Quer dizer isso foi é...

RN – E ficou ainda mais claro nesse último governo.

JC – É, você acha que isso muda por quê?

RN – Não sei dizer. Aí, é toda uma interpretação que vocês poderiam fazer. Eu não sei por quê, eu já não sei por quê. Eu acho que é porque o sistema de saúde ficou muito complexo, é atores demais, não é? Tem atores demais. Mas, você também pode dizer, que a Fiocruz, com toda essa potência, também não tem um papel protagonista na formulação das políticas.

JC – Das políticas, é.

RN – Ou seja, o Ministério da Saúde se estruturou...

JC – Como potência vem nascendo.

RN – Como uma burocracia muito impotente, com seu papel de regulação, muito cioso do seu papel de ditar as próprias políticas.

JC – Certo.

RN – Então, com a fusão da SAS com o Ministério da Saúde, a SAS, o antigo INAMPS e o Ministério da Saúde, o poder de recursos, pode ver, é o maior, é o maior orçamento da história da nação, são 36 bilhões de reais por ano, certo? A Previdência tem 130 bilhões de reais, certo? É muito mais. Mas, só que é dinheiro totalmente carimbado para as funções da Previdência já. Não tem dinheiro que você possa mobilizar dentro da Previdência. Tanto é que ninguém quer ser ministro da Previdência. Ministro da Saúde tem muita gente interessada, por quê? Porque você tem as funções reguladas, mas você tem recursos mobilizados, como foi o caso agora, para nós, para recursos humanos. Nunca tinha tido recursos.  Hoje, tem uma quantidade boa, bem razoável de recursos [risos], para não dizer, excelentes, que podem ser mobilizados dentro de uma política de recursos humanos. Se a política está certa ou errada, eu não sei, não é?

JC – É.

RN – É, mas é um momento diferente, eu acho que o ministério se qualificou muito institucionalmente, financeiramente e, em parte, intelectualmente para esse papel. O que as pessoas chamavam reitoria, reitoria do sistema ou reitoria, não é? É a regulação, a regulação de idéias. Então, não quando eles precisam de alguém, eles pagam e tem o assessor que eles querem lá. Então, não precisam mais da OPAS pra ter o seu assessor ali do lado. Então, mudou totalmente, então essa quantidade, enfim, a quantidade de recursos que o ministério pode mobilizar hoje que cria essa situação.

JC – Eu vou fazer uma pergunta de avaliação. A gente está fazendo uma avaliação de mudança, Roberto, do que mudou no ministério, que passa pela não necessidade de um organismo internacional para fazer uma cooperação mais próxima, digamos assim...

RN – É.

JC – Agora, como um profissional que já passou pela consultoria na OPAS-Brasil, como consultor da OPAS-Brasil, como consultor da OPAS-Washington, você faz uma avaliação, poderia fazer essa avaliação que a OPAS também ela não fez uma revisão do seu papel nessas mudanças estruturais? Ou, ela vem fazendo?

RN – Olha, eu tenho muita dificuldade de apreender a dinâmica de gestão das políticas internas da OPAS, da OPAS-Washington, lá onde estão as decisões. Eu acho que a OPAS-Washington já tomou consciência de que o Brasil, o Brasil sempre se vira sozinho, não é? É preciso entender que o Canadá não tem nenhuma representação da OPAS, Estados Unidos não tem, parece que lá tem uma pessoa, os Estados Unidos não tem nenhuma...

JC – Tem a sede, que é para os países.

RN – Tem a sede. Mas a OPAS, não, não participa. Como eles já entenderam de que esse autonomismo brasileiro já está mais do que consagrado, certo? Consagrado nos anos 90, anos 80, final dos anos 80, começo dos anos 90, então, eles disseram “não tem mais, não tem mais o que fazer”.

JC – Certo.

RN – Não temos uma função política, certo? Então, nós temos que manter no Brasil uma contribuição esporádica etc e tal, e ser o centro de informação, de reunião, não é? Então, uma função talvez mais diplomática...

JC – Certo.

RN – ... do que política efetivamente, no sentido, de ajudar tecnicamente a formulação de política. Então, você vê, a OPAS ainda é referência, qualquer reunião que o ministério quer fazer, para chamar grupos do país inteiro, faz na OPAS...

JC – Certo.

RN - ... ela apóia isso.
 
JC – Ou convida a OPAS...

RN – Ou convida a OPAS, certo? Ou, muitas vezes, está acontecendo lá dentro da OPAS. Embora, a direção, a reunião seja toda conduzida pelos funcionários do ministério. Então, eu acho que a OPAS-Washington, entendeu isso e está colocando, até diria assim, os representantes são agora administradores, não mais do que administradores.

JC – Ah, sim.

RN – Você diminui...

JC – Certo.

RN – ... o grau de diferenciação político, intelectual, não é?


JC – Certo.

RN – Então, administrar bem as coisas e dar o apoio.

JC – É uma mudança, devido à realidade que o país vive, calcada nessa realidade.

RN – É, eu acho que a Mirta [Periago], a Mirta entendeu isso, a nova diretora, e está seguindo essa linha. Ela não, não quer ter pretensão de afetar a dinâmica interna das políticas, não quer correr esse risco... até porque, ela foi eleita com o apoio decisivo do Brasil.

JC – Certo. Terminamos, Carlos?

CH – Eu acho que sim.

JC – Ou tem mais alguma coisa?

CH – Não, eu estou absolutamente satisfeito.

JC – Roberto, você tem algum ponto que você acha que merece ser retomado, ressaltado nessa entrevista, já que a gente está pretendendo escrever história da cooperação técnica de recursos humanos no Brasil, da OPAS, da OPAS no Brasil?

RN – Não, eu não tenho nada, em particular. Eu queria apenas recomendar à vocês que, talvez, pudessem ouvir para além dos atores internos do processo, ouvir um pouco os atores externos, certo? Aqueles que participaram, através do Ministério da Saúde, entendeu?

RN – ... Porque vocês podem ter um contraponto importante.

JC – SES, Secretarias Estaduais.

RN – Secretarias Estaduais, é claro, claro que vocês podem aumentar muito, mas eu não sei quanto de tempo.

JC – A gente não tem tempo...

RN – O quanto de tempo, que vocês vão ter, para isso.


FIM DA FITA 4 / LADO A

 

FITA 4/ LADO B

RN – Então, é, eu estava citando a Tânia, Tânia Celeste [Matos Nunes], não é?

JC – Celeste.

RN – É, eu acho que a Tânia é uma pessoa que vocês poderiam, talvez, o Francisco Campos também, são pessoas que estão muito próximas. Estou dando dois exemplos de pessoas, que têm uma longa vivência com essas políticas de recursos humanos, não é? É, tem uma visão dessa história. O Chico, ainda mais vantagem, porque ele esteve em Washington, não é? Eu estou pensando nessas duas, eu não sei se amplia, se, enfim, mas, eu acho que, pelo menos, essas duas pessoas, podem ser, a chave, o pêndulo. Talvez não precise muito mais, três, quatro pessoas, não é? Mas, aí, talvez coisas pontuais, que vocês possam...

JC – Eu acho o Chico importantíssimo para a questão da educação médica, não é?

RN – Ele tem muita visão de bastidores, também, que eu não tenho, certo? Eu falo muito assim, o que eu vivi...

CH – Ele está aonde agora?

JC – Agora, ele está assumindo a Secretaria de Gestão do Trabalho.

RN – Ele é secretário de Gestão.

JC – A gente vai entrevistar ele lá.

RN – Vocês poderiam ir lá.

JC – Eu acho que vale a pena Carlos, vamos falar com o Gilberto [Hochman], e a Tânia aqui.

RN – Ele trabalhava aqui, a Tânia aqui, o Paulo Buss, eu não, eu não diria tanto, porque o Paulo, ele não participou, embora, ele seja um cara de recursos humanos, ele não participou internamente, muito dessas coisas. Foi sempre em função de direção, o Paulo, não viveu muito, muito isso, não é? O pessoal de São Paulo, talvez. Não sei se o Paulo Seixas poderia ser, mas se você pretende uma coisa mais pontual, a vivência dele é mais recente, não é?

RN – Quem mais? [..]

JC – Talvez, Chico, Tânia, e duas secretarias de estado fechassem bem o que a OPAS teve de presença mais forte no estado, não é? [José] Paranaguá [de Santana]. Acho que valeria a pena, com trabalho de cooperação mesmo, quer dizer, como é que repercute a cooperação técnica de recursos humanos no estado nos diferentes contextos, não é?

RN – Secretaria do Estado, pessoas do Estado. É, eu acho que o interesse está em todos os Estados modelos, nós falamos isso ontem, basicamente o Estado da Paraíba. A questão  é que como não tem muita continuidade, as pessoas também  já se foram, não é?

JC – É.

RN – A Tânia tinha a idéia da Bahia, ela participou lá, não é?. Em Salvador, Bahia, montou muitos cursos com o apoio da OPAS, não é? Agora, quando você vai para outro estado...

JC – Muito.

RN – Tem muito. Na verdade, foi uma diluição, o Ceará foi sempre uma coisa cheia de altos e baixos, não é?

JC – Em Campo Grande?

RN – Campo Grande.

JC – Construção da escola.

RN – É, a minha prima lá...

JC – É a sua prima. Tem o estado, tem o Rio Grande do Norte.

RN – Tem o Rio Grande do Norte, eu acho que vocês poderiam pegar, talvez, setores de Campo Grande...

CH – Bom, então, a gente agradece imensamente o tempo que gastou com a gente, para essa entrevista, Roberto, e fica a promessa aí, com a saída do material e você acompanhar os resultados.

RN – Eu gostei muito, sabe, porque me deu consciência de coisas, de uma visão mais que eu não tinha costurado essa visão ainda, pra mim mesmo, que ao falar, a gente vai tomando, entendeu, assim.

JC – Se reportando.

RN – É como se, agora talvez, até pudesse escrever, [risos] né? Então, é uma oportunidade boa de colocar, não é? E é bom que a gente já se vê mesmo no fim da História. [risos]

JC – Nossa, Roberto.

CH – [Francis] Fukuyama.

RN – Ao fim da História. Valeu Carlos, obrigado.

CH – Um grande abraço. Muito obrigado.


FIM DA FITA 4 / LADO B

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